Entrevista – Irmã Helena Corazza: a serviço da verdade

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* Mariana da Cruz Mascarenhas – Seja no mundo virtual ou no real, nunca se falou tanto em fake news como agora. O termo da língua inglesa, que significa “notícias falsas”, vem sendo utilizado como alerta para o cuidado com a propagação de informações mentirosas ou de caráter duvidoso compartilhadas, de maneira sistemática, à exaustão, principalmente nas redes sociais e em grupos de whatsapp.

O assunto, inclusive, virou tema do 52º Dia Mundial das Comunicações Sociais que, neste ano de 2018, foi celebrado no dia 13 de maio. A data foi instituída em 1967 pelo Papa Paulo VI, com o objetivo de ajudar a Igreja e a sociedade a refletir algum tema específico da comunicação. Para este ano, o Papa Francisco propôs o tema “A verdade vos tornará livres. Fake News e jornalismo de paz”.

Embora o termo seja utilizado amplamente nos dias de hoje, a invenção de notícias com determinada intenção sempre aconteceu, antes mesmo do surgimento de qualquer veículo comunicacional. Todavia, é inegável que o surgimento da internet acelerou, freneticamente, a circulação de informações, conectando partes longínquas do mundo e contribuindo, assim, para que uma notícia falsa, uma vez compartilhada, ganhe uma notoriedade gigantesca, dificultando sua desconstrução.

A Irmã Helena Corazza, Religiosa da Congregação das Irmãs Paulinas, com diversas livrarias pelo Brasil, concedeu entrevista sobre o assunto à jornalista Mariana da Cruz Mascarenhas. Doutora em Comunicação e Artes pela USP, Irmã Helena é diretora do Serviço à Pastoral da Comunicação (SEPAC), situado na Vila Mariana, e docente no Curso de Especialização Cultura e Meios de Comunicação, uma abordagem teórico-prática do SEPAC, em convênio com a PUC-SP e no Instituto Teológico São Paulo (ITESP) com a disciplina Educação para a Comunicação. Confira a entrevista

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1 – Mariana da Cruz Mascarenhas – Embora seja um tema muito debatido recentemente, principalmente em decorrência dos meios digitais que propagam notícias falsas com muito mais rapidez, as fake news não se configuram um problema desde o surgimento dos primeiros veículos de comunicação?

Helena Corazza – Os boatos sempre existiram na história da humanidade e acredito também na imprensa, nos primórdios, mas talvez não com a intensidade de hoje. Apenas para observar, fake news é uma denominação imprópria, pois é o fato que gera a notícia. Não havendo fato, não há notícia. Pode haver, como estamos presenciando, sensacionalismo que, em sua raiz, busca audiência e monetarização dos clicks. Creio que o diferencial das chamadas fake news é a rapidez com que se espalham pela  internet, a capilaridade que alcançam  e o objetivo mercadológico.

 2 – Uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), dos Estados Unidos, publicada na revista Science, chegou à conclusão que as informações falsas têm 70% mais chances de viralizar que as notícias verdadeiras. A que a senhora atribui esse fator?

Helena Corazza – O ser humano é ávido por novidades, sobretudo quando a mente está desocupada. Esta curiosidade se aguça, sobretudo, quando a vida privada de alguém é colocada a público. Entendo que isso demonstra uma grande inversão de valores e falta de senso crítico diante dos fatos, talvez não avaliando consequências. Hoje, com a Internet, o polo do emissor está liberado e qualquer pessoa é, potencialmente, produtora e reprodutora de conteúdo.

3 – Alguns especialistas afirmam que as fake news não convencem o público a mudar de opinião, mas alimentam algumas ideias já enraizadas naqueles receptores que compactuam com a notícia divulgada. Qual é a opinião da senhora a respeito?

Helena Corazza – Nos estudos da comunicação, há algumas coisas que são observadas como a identificação, a catarse e tantos outros mecanismos psicológicos que podem ajudar a compreender o comportamento de pessoas e grupos. É muito comum as pessoas buscarem a confirmação do que já pensam. Entretanto, outro aspecto é a desinformação, que leva a repassar informações simplesmente para atender a apelos urgentes de alguém, sem saber de onde vêm as informações, sem verificar fontes nem conteúdos. Novamente, talvez  isso possa revelar a pouca educação para a comunicação, sobretudo, a falta do senso crítico.

 4 – Diariamente, somos bombardeados, de maneira incessante, com notícias e imagens de tragédias que, ao invés de nos mobilizarmos com tais divulgações, vamos nos tornando insensíveis aos acontecimentos. Como reverter tal cenário?

Helena Corazza – Esta é uma grande questão que gostaríamos de ter a resposta e talvez não a tenhamos. Que explica o sucesso de programas de TV que mostram as desgraças, que leva as pessoas a buscarem jornais com reportagens fotográficas do crime ou as mesmas notícias na plataforma digital? Há quem produza essas notícias, porque deve contar com a audiência, assim como há quem dê audiência para esses conteúdos. Talvez para reverter, uma das formas seja não dar audiência; outra é manifestar-se, criticamente, e de forma organizada aos veículos que publicam, pois a informação de qualidade é um direito do cidadão.

5 – A fomentação das fake news não seria também resultado de uma minimização do potencial crítico do público? Como fomentar esse potencial para que mais receptores possam analisar tudo criticamente?

Helena Corazza – Sabemos que quanto maior é o nível educacional e quanto mais uma pessoa está vinculada a grupos, menos suscetível se torna a toda informação e a manipulações, e também às notícias falsas. Sabemos que há agências especializadas que as produzem, e empregando tecnologia sofisticada. Dizem os especialistas que a “desordem informacional” veio para ficar e vai se tornar cada vez mais complexa. Tecnologias de inteligência artificial são usadas para criar bots (robôs), e outras maneiras de mimetizar o comportamento humano estão ficando mais baratas, mais fáceis de usar e mais potentes.

Não há outro caminho a não ser o senso crítico, a busca de informações de modo a sermos sujeitos do processo, não nos deixando levar por mais este “modismo” que beneficia empresas e a quem quer ganhar dinheiro às custas do “entretenimento”. Creio que precisamos buscar o direito e o dever de sermos cidadãos perante a mídia, que é um bem e espaço público.

 6 – Que dicas a sra. daria para os internautas avaliarem as notícias divulgadas antes de compartilhá-las?

Helena Corazza – O que vou dizer são alguns “cuidados” largamente divulgados neste tempo:

  • Ler antes de compartilhar. Checar data, procedência.
  • Checar as fontes, a qualidade, se ouviu o outro lado da notícia. Esperar desdobramentos.
  • Verificar a redação. Se costuma conter erros gráficos, diagramação não muito bem feita etc.
  • Normalmente essas notícias não são assinadas
  • Observar o domínio, o contato, o expediente.
  • Em geral falam de coisas exorbitantes, atingem a reputação de personalidades, instituições, falam de crimes contra a Nação.
  • Verificar, procurar saber, conversar com outras pessoas, buscar fontes confiáveis.
  • Havendo desconfiança quanto à veracidade, não compartilhar.

7 – A senhora possui quantas obras publicadas e quais abordam mais especificamente sobre o papel da comunicação?

Helena Corazza – Minhas publicações dizem respeito às áreas de pesquisa e de atuação pastoral, ou seja, de formação para lideranças das comunidades. Algumas que estão em catálogo na Editora Paulinas: Educomunicação. Formação pastoral na cultura digital;  A Comunicação nas celebrações litúrgicas; Pastoral da Comunicação: diálogo entre fé e cultura (com Joana Puntel); Acolher é comunicar. Nos próximos meses deverá sair um em parceria com Joana Puntel: Espiritualidade do comunicador cristão. Tenho também artigos em Revistas e livros.

PS – A irmã e doutora em Comunicação também falou durante a entrevista sobre a Irmãs Paulinas,  que é o carro chefe da evangelização da Igreja Católica. Saiba mais

 

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