A república que herdamos da Casa Grande

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* Dojival Vieira – A palavra República vem do latim “res” (coisa) pública. No Brasil, não temos República. Nunca tivemos, por uma única e simples razão: a “res” aqui, nesse capitalismo de compadrio, é privada. Além de privada foi construída sob os escombros do regime de quase 400 anos de escravidão negra.

Se já faltavam a Michel Temer as condições mínimas para assumir a Presidência da República, produto acabado que é do lulopetismo que o inventou, administrador provisório da massa falida e da sucessão de desastres deixados por Dilma Rousseff, de quem era vice, que vão da corrupção sistêmica aos 14 milhões de desempregados e outras mazelas, as revelações do empresário Joesly Batista, o dono da Friboy tornaram a situação do ocupante-tampão do Palácio do Planalto, mais do que insustentável: intolerável.

A menos que tenhamos, de uma vez por todas, optado por virar motivo de piada e deboche para o mundo, um presidente da República que aceita receber um corruptor confesso nos porões do Palácio, às altas horas da noite, e, ao não denunciá-lo, se torna partícipe da defesa de corruptos e da promiscuidade mais obscena, não tem condições – nem nem éticas, nem morais, nem políticas – para continuar. Em qualquer país do mundo que não tenha perdido o senso de respeito e decência, o destino de Temer não pode ser outro, senão ser defenestrado pela porta dos fundos para responder por seus crimes com base na Lei.

Sem mandato – já que se recusa a aceitar a única saída que lhe restaria na ruína política em que se encontra -, seu destino deve ser, não as honras do Palácio, mas Curitiba.

Diante do escândalo, todos nos perguntamos: como é possível que um país com as dimensões e a importância do Brasil possa ser governado por gente desse quilate e calibre? Como é possível que gente como um Temer – um político do século XIX, com cara, jeitos, trejeitos e modos de mordomo que sempre esteve mediocremente acomodado a condição de pano de fundo – possa ter chegado tão longe?

A resposta, neste caso como em outros, não está soprando com o vento, como no clássico “Blowin in the wind”, de Bob Dylan, que o ex-senador Suplicy costuma sacar do colete nas tribunas e em atos públicos: é o resultado dos 13 anos de governos do petismo, cujo crime maior, não foi a corrupção sistêmica que instalou (ainda que isso não seja pouco), mas trair a confiança de gerações e gerações de brasileiros para se “lambuzar” nas práticas políticas mais despudoradas como se constata, dia sim e outro também, nas investigações da Operação Lava-Jato.

As primeiras reações à delação – como Temer dizer que o rato pariu uma montanha, na tentativa tola e vã e de minimizar o impacto e o escândalo -, não são apenas risíveis: são uma agressão e um insulto a inteligência dos cidadãos.

As denúncias do empresário, que fez fortuna e passou a ser uma espécie de sócio majoritário do Estado, junto com os donos da Odebrecht e outros, nos treze anos dos governos do petismo, são mais que a reiteração de outros crimes já confessados por executivos da Odebrecht, cujo chefão permanece preso em Curitiba: revelam as entranhas de uma República que nada tem de “res pública”, mas propriedade particular dos donos do dinheiro, que falam da distribuição criminosa de milhões como se manuseassem cinquenta reais.

Todo o sistema político herdado no pós-ditadura, com o advento da chamada Nova República, está contaminado; perdeu as condições e qualquer credibilidade. Pior: o mínimo de respeitabilidade. Falta a esses criminosos de colarinho branco que se apresentam como nossos representantes o recato e o decoro, exigidos de qualquer cidadão e mais ainda daqueles investidos da representação popular.

Não é o caso, nem vale à pena lembrar os detalhes sórdidos que, dia sim outro também, surgem pela boca dos delatores premiados. Seria perda de tempo. Todos estamos fartos de saber e cada detalhe acrescentado com a naturalidade própria dos que sabem – como o dono da Friboi -, que além da impunidade, gozarão da riqueza obtida graças ao roubo e a corrupção do Estado.

No caso específico dos “Friboi brothers”, chama a atenção os benefícios que receberam no acordo com a Procuradoria Geral da República: sem prisões, nem tornozeleiras, sem apreensão de passaportes, e mais ainda faturando milhões de dólares no mercado com o impacto das revelações, para gozar a vida nos seus palácios nova-iorquinos. A benevolência do acordo feito com a PGR, porém, não pode servir nem de ponte para as teorias da conspiração que surgem a cada momento, nem de álibi para o presidente-tampão.

Basta que se torne sem efeito por decisão da Justiça e o dono da Friboi tenha sua ordem de prisão expedida, passe a figurar nas listas da Interpol e, finalmente, a condição de hóspede em Curitiba ou em qualquer outro presídio como ocorreu no caso de Eike Batista.

Se isso não ocorrer, a mensagem que fica para o cidadão comum é de que o crime compensa, desde que cometido pelos barões endinheirados, acumpliciados aos corruptos que roubam o dinheiro que o Estado deveria gerir em benefício dos cidadãos. Péssima mensagem e pior ainda lição para todos os que sonham com um país digno e lutam para tirar o sustento diário e viver com um mínimo de dignidade.

Nesse “festival de lama” que temos assistido ano após ano, só há duas coisas a serem saudadas: a primeira, é que as Forças Armadas, ao contrário de outros tempos, se mantenham onde devem estar: nos quartéis, no cumprimento do papel reservado a elas na Constituição; a segunda, é a esperança de que nesse “caos” o povo brasileiro aprenda a usar a política como instrumento para reconstruir as instituições democráticas degradadas e em franco processo de deterioração.

Mas isso, só acontecerá se as multidões tomarem as ruas para exigir que o TSE casse a chapa Dilma/Temer, já que o mesmo, revelando despudor e cinismo, descarta a renúncia; e a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, com eleições para presidente e vice no prazo de seis meses.

Nessas eleições, além do presidente e vice, todos os que estiverem sendo investigados ou sejam réus em processos deveriam ser proibidos de ser candidatos e os parlamentares eleitos teriam o papel exclusivo de fazer a nova Constituição com as reformas política, eleitoral, partidária, agrária e urbana, do sistema tributário, entre outras; enfim as reformas que há 130 anos, desde o advento dessa “res” privada vem sendo adiadas pelos herdeiros dos donos da Casa Grande.

Sem as reformas, o povo brasileiro continuará sofrendo as consequências – com a falta das condições básicas para uma vida digna – de governos eleitos pela fraude e pela compra de votos, por uma elite corrupta e despudorada que, presente em todos os partidos, não tem qualquer compromisso com o país, e tem como única preocupação e propósito viver de forma nababesca, mercadejando os milhões e bilhões que, sistematicamente, rouba dos impostos que pagamos e com o suor do nosso trabalho.

* Dojival Vieira é advogado, jornalista e editor da Afropress (www.afropress.com). Sugestões, criticas ou elogios: dojivalvieira@hotmail.com ou pelo site www.afropress.com

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1 comentário on "A república que herdamos da Casa Grande"

  1. Valdinete Ferreira da Silva

    Uma das matérias mais originais que li até agora, direta e simples, traduziu o tal político de uma forma certeira, com cara, jeito e trejeitos e modo de mordomo, minha opinião!!!

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