Nem tudo era folclore com o lendário Vicente Matheus…

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* Márcio Trevisan – Era um domingo, 23 de outubro de 1988. No Morumbi, Corinthians e Portuguesa de Desportos acabam de empatar em 1 a 1 (gols de Ronaldo Marques para o Timão e de Toninho para a Lusa) no clássico válido pelo Brasileirão. Então com apenas 20 dias de carreira, um estagiário do saudoso jornal A Gazeta Esportiva acompanho o repórter Rozinaldo Fiedler aos vestiários alvinegros.

Mas havia uma determinação do então chefe de redação, Osvaldo dos Santos. Antes de que saíssemos do prédio que ficava na Barão de Limeira, ele me disse: “Garoto, você vai lá e só fica vendo como o Rozinaldo trabalha, o jeito que ele pergunta, essas coisas. Não é pra você perguntar nada, entendeu?”, determinou. Era uma forma de aprender com um profissional experiente a como se portar diante jogadores e dirigentes.

Já nos festivos vestiários corintianos (nos pênaltis, eles venceram por 5 a 4), o então presidente Vicente Matheus atende aos vários jornalistas. Pergunta pra lá, pergunta pra cá, e eis que num arroubo de coragem e imprudência o tal garoto de apenas 20 dias de carreira tasca a seguinte pergunta ao mandatário alvinegro:

– Presidente, o Pacaembu está fechado e domingo vai ter jogo contra o Inter/RS. O Corinthians vai mandar no Canindé ou de novo no Morumbi?

Fez-se um silêncio aterrador para o jovem estagiário. Rozinaldo fechou a cara. Os demais repórteres se surpreenderam. Para piorar, a resposta do famoso dirigente foi terrível:

– Quem é você?

O menino gelou, e se arrependeu profundamente de ter desobedecido o chefe e se metido na conversa dos jornalistas. Afinal, quem ele pensava que era? Ainda estudava Jornalismo (estava no 2º ano), mal escrevera quatro ou cinco matérias de 10 linhas cada e já se achava no direito de falar com o presidente do Corinthians? Mas que moleque metido, gente! De qualquer forma, ele não teve outra opção senão responder à pergunta que lhe foi feita.

– Meu nome é Márcio Trevisan, presidente. O senhor não me conhece porque eu estou começando na A Gazeta Esportiva e…

Fui interrompido bruscamente por Vicente Matheus que, parecendo-me sem paciência, disse-me:

– Pára, pára, pode parar. E presta atenção no que eu vou dizer: você será um grande jornalista.

Surpreso, quase não acreditei no que ouvi. Esperava uma bronca daquelas, e aquele dirigente tão famoso, tão amado por muitos – e também tão odiado por tantos outros – me presenteava não com um elogio, mas sim com um incentivo, uma força a um futuro profissional. Humilde, ainda desconversei.

– Imagine, presidente. Quem me dera…
– Você será, sim. E não duvide da palavra de um homem com 80 anos.
Depois disso, me enchi de orgulho e me calei. Fiquei apenas saboreando aquele momento.

Não demorou muito, claro, para que Vicente Matheus descobrisse o time pelo qual eu torcia, até porque jamais o escondi. E aí nossa relação, por incrível que pareça, ficou ainda melhor: toda vez que ele me encontrava – em jogos ou em eventos sociais no Corinthians –, me chamava de “Parmeirinha”, e não perdia a oportunidade de tirar um sarro da minha cara – afinal, naquela época o Palmeiras tinha times bem fraquinhos.

Contei toda esta história não para dizer que Matheus, cuja passagem ao Plano Espiritual já completou 20 anos, acertou em sua previsão – acho até que ele errou. Fi-lo, isso sim, para mostrar a muitos um pouco do outro lado de um ser humano que, como todos os demais, tinha seus defeitos, mas que, de graça, sem esperar nada em troca, apenas procurou ajudar um futuro jornalista.

Descanse em paz, seo Vicente Mateus…

* Marcio Trevisan é jornalista e Mestre de Cerimônia. Palmeirense, atuou por muito tempo no jornalismo esportivo, na Fundação Cásper Líbero, no jornal A Gazeta Esportiva e na Gazeta.. Contato com o colunista pelo e-mail
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