* Sonia Castro Lopes – A disputa presidencial de 2022 e o retorno do ex-presidente Lula à cena política estão tirando o sono de alguns pré-candidatos. Já vimos como o ‘efeito Lula’ afetou o candidatíssimo à reeleição que, cedendo ao apetite do Centrão e sensível aos recados enviados pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), mudou de comportamento e de ministros num curto espaço de tempo.
Outros pré-candidatos também vêm emitindo sinais de insegurança, como é o caso de Ciro Gomes. As últimas peripécias que tem protagonizado dão o tom de desconforto que habita seu espírito. Mas vamos aos fatos.
Na última terça feira (6) toda a imprensa noticiou a sugestão feita por Ciro para que Lula aceitasse ser seu vice nas próximas eleições presidenciais em nome de uma ‘grande reconciliação’ para o país. Pediu-se ‘grandeza’ ao ex-presidente para que seguisse o exemplo de Cristina Kirchner cuja participação como vice na chapa de Alberto Fernández ajudou a conduzi-lo ao poder na Argentina.
É isso mesmo? Ciro aposta na generosidade de Lula para abrir mão da candidatura em prol de sua liderança? Será que espera de Lula a mesma ‘generosidade’ que teve com Fernando Haddad quando viajou para Paris após o primeiro turno das eleições de 2018 deixando o circo pegar fogo? Seu apoio talvez não mudasse o rumo da disputa, pois a transferência de parte dos votos por ele obtidos (12%) não chegaria a alterar o resultado do pleito, mas, com certeza, daria suporte moral à candidatura de Haddad e mais força à união das esquerdas para combater o atual governo.
É fato que as recentes atitudes de Ciro revelam seu incômodo diante de uma possível candidatura de Lula. Há pouco mais de uma semana foi signatário de um manifesto pela democracia ao lado de representantes de partidos de centro e centro-direita para espanto de muitos dos seus eleitores. Mais uma vez revelou-se oportunista, pois sabe da dificuldade desse grupo em achar um nome à altura para enfrentar tanto a extrema direita de Bolsonaro quanto as forças progressistas que poderão cerrar fileiras em torno da candidatura do PT. Colocou-se, assim, disponível para ser o candidato da ‘terceira via’ e evitar a tão temida e propalada polarização política.
Acho Ciro um forte candidato. Acho mesmo. Desnecessário utilizar-se dessas estratégias para fortalecer sua candidatura. Isso deixa seus apoiadores e futuros eleitores constrangidos. Como explicar que um candidato que se apresenta como progressista, membro de um partido incluído no espectro político da ‘esquerda’, venha a público compactuar com elementos que declaradamente foram eleitores de Bolsonaro e excluir do manifesto uma das mais importantes lideranças políticas do país?
Torço, sinceramente, por um diálogo entre os partidos progressistas para que se forme uma frente ampla a fim de enfrentar a extrema direita e livrar o país do pesadelo que nos assola há mais de dois anos. Lula já andou mencionando em pronunciamentos e entrevistas sobre essa possibilidade, incluindo até mesmo alguns partidos de centro. Mas parece que a polarização ideológica interessa à maioria dos candidatos que se apresentam como ‘terceira via’ e Ciro não foge à regra.
Se, de fato, não houver possibilidades de acordo e se Lula confirmar sua candidatura, que se faça uma campanha limpa no primeiro turno e que, à exemplo de Brizola em 89, no segundo turno possamos contar com todas as forças progressistas para somar esforços e eleger um candidato que possa derrotar o campo da direita ou extrema direita.
Vamos aguardar os acontecimentos, mas aposto que a estratégia de Ciro será bater em Bolsonaro e em Lula com igual ferocidade. Faz parte do jogo. Só não vale é expor-se ao ridículo de ficar pedindo a Lula que não seja candidato ou que tenha a ‘generosidade’ de ficar em segundo plano para que ele possa brilhar. Isso demonstra insegurança, isso é passar recibo de fragilidade. Afugenta possíveis futuros eleitores. Foram dois tiros no pé num curto espaço de tempo que podem ter consequências desastrosas. Mas, enfim, como dizia minha avó, presunção e água benta, cada um toma a que quer.
* Sonia Castro Lopes é Mestre em História Política, Doutora em Educação Brasileira e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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