Sou brazuca, ora pois…

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(Uma música, um cântico, um amor, uma lenda, uma história real)

“Eu quero que a minha voz
Saia no rádio e no alto falante
Que Inês possa me ouvir, posta em sossego a sós
Num quarto de pensão, beijando um estudante” (Voz da América – Belchior -1979 )

* Regina Ribeiro – Quando o nosso saudoso artista cearense nos presenteou com esta enigmática estrofe em uma de suas canções, poucos perceberam que aquele genial sobralense  brincou, abraçou a poesia e homenageou Luís Vaz de Camões – um dos maiores poetas da língua portuguesa –  ao dar eco a seu épico Cântico no qual escreveu: “Estavas, linda Inês, posta em sossego”. Portugueses conhecem muito sobre personagens marcantes do Brasil e suas vidas pregressas, no entanto, nós brasileiros ainda não desvendamos totalmente as magníficas histórias cá da Terrinha-Mãe no Além-Mar.

Esta é uma história de amor dramática. É para Shakespeare nenhum botar defeito, pois não é lenda, como a de Romeu e Julieta. Ela de fato, aconteceu.

Eu me lembro de ter lido sobre D. Pedro e Inês de Castro pela primeira vez quando estava cursando o Ensino Médio (Antigo Curso Colegial) no Colégio Estadual de Camilópolis – Santo André. Foi quando li e me apaixonei pelo Canto III – (Lusíadas), por orientação didática da inesquecível Mestra Marinez Gentil Frada – na época, minha querida  e exigente professora de Língua e Literatura. Mas foi morando aqui em Portugal que aprendi detalhes e, o melhor, vi de perto alguns dos cenários que fizeram parte da trama medieval mais conhecida da Europa, que até hoje arranca suspiros e lágrimas de quem a conhece. Devo dizer, que desde aquela época, essa história me emociona muito mais que assistir “As Pontes de Madison”, ora pois!

A história é real, porém mais parece lenda, mas não é:

O Infante Pedro era o futuro rei de Portugal, filho de D. Afonso IV, o rei. Como é de praxe nas famílias reais, casamento é questão política, não romântica. Logo, ele foi obrigado a se casar com Constança Emanuel, uma nobre castelhana. Os problemas, porém, só estavam começando. Entre as damas de companhia de Constança estava Inês de Castro, uma mulher lindíssima, filha de um fidalgo galego. O príncipe se apaixonou pela aia e ela correspondeu ao sentimento. Assim, os dois iniciaram um romance nada discreto que chocou toda a corte. Se hoje em dia adultério é motivo de escândalo, imagina em 1339 ! Para piorar a situação e a opinião pública contrária, o Rei, D. Afonso IV, não estava nada satisfeito com a proximidade e influência dos dois irmãos galegos de Inês sob o futuro Rei de Portugal, que atrapalhava muito as relações diplomáticas.

Para tentar acabar com o romance, quando Constança teve seu primeiro filho, D. Luís, esta convidou Inês de Castro para ser madrinha. Mas como assim?. Você leitor, deve estar pensando… Ah, ela tinha é sangue de barata?  Não ! Muito pelo contrário, ela era esperta.  Essa foi uma manobra religiosa, digamos assim. É que na época, a relação entre madrinhas e padrinhos, criava com os pais da criança um parentesco moral muitíssimo forte, ou seja, seria praticamente um incesto escandaloso, se o relacionamento do príncipe com a aia continuasse.

Só que o bebê D. Luís morreu em uma semana, o que aumentou ainda mais a central da boataria portuguesa medieval e permitiu que o romance adúltero continuasse. Por fim, o Rei cansou do falatório e, em 1344, exilou Inês de Castro em Albuquerque, na fronteira da Espanha e achou que finalmente teria paz na vida.

Por reviravolta do destino ou desgosto, como diria o povo, Constança Emanuel morreu um ano depois, ao dar à luz ao segundo filho, D. Fernando. O tal de Pedro nem esperou a mulher esfriar no caixão e já mandou trazer Inês de Castro de volta, para a revolta do Rei, seu pai. E onde os dois foram realizar seus delírios de alcova? Em Coimbra, num palácio perto do Mosteiro de Santa Clara,em frente ao Rio Mondego, construído pela avó de Pedro, a Santa Rainha Isabel (ela era santa mesmo, não estou exagerando).

O romance ia muito bem, obrigada, enquanto Portugal e o resto da Europa conviviam com problemas tipo a peste negra. De 1346 a 1354, Inês teve quatro filhos de Pedro, que  recusava a se casar com outra nobre arranjada pelo pai, sob o pretexto de que ainda sofria com a morte da esposa, Constança. (Mentirinha real, é claro)

Os filhos bastardos de Inês e Pedro eram claramente uma ameaça ao herdeiro legítimo ao trono, D. Fernando. Corria na boca pequena o boato de que a família Castro conspirava para assassiná-lo. Mas não foi ele quem terminou morto. Em 1355, o Rei D. Afonso IV, cedeu à pressão dos fidalgos portugueses e mandou matar Inês de Castro.

No dia 07 de janeiro de 1355, aproveitando que Pedro estava viajando numa caçada, três homens – Pêro Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco – emboscaram Inês nos jardins onde ela e Pedro costumavam se encontrar para … (dispensemos os detalhes, todo mundo sabe), chamado de A Fonte dos Amores. Ela, já esfaqueada, então com muito sacrifício, fugiu de volta ao Mosteiro de Santa Clara que ficava há 200 metros da Quinta , mas eles a perseguiram e assassinaram a mulher friamente. Ela foi degolada.

As lágrimas derramadas por ela teriam criado no jardim, uma fonte. Hoje a Fonte da Quinta das Lágrimas, e o sangue que escorreu ficou marcado ali para sempre, através das algas vermelhas. Seu corpo foi enterrado na Igreja de Santa Clara, mas não está mais lá.

Quando Pedro voltou da caça e descobriu o que seu pai fez, a coisa ficou feia. Pai e filho entraram num conflito armado que durou meses, até que a intervenção da Rainha-Mãe – Beatriz de Castela – selou a paz entre os dois.Mas eles nunca mais se falaram. Dois anos depois, D. Afonso IV morreu e D. Pedro I foi coroado como o oitavo rei de Portugal. Lembram-se da paz? Pois é, acabou a paz, chegou a hora da vingança.

D. Pedro I mandou caçar os três homens que mataram sua amada. Encontrou e os assassinou, mandando que arrancassem o coração de um pelo peito, o do outro pelas costas e do terceiro, pela boca, enquanto assistia e se banqueteava com os órgãos churrasqueados. Mas essa nem foi a principal parte de sua vingança. O rei também afirmou que havia se casado secretamente com Inês de Castro, num dia que não lembrava. A palavra do capelão e o do criado selaram a legalidade do casamento, o que significava que D. Inês era uma rainha póstuma e deveria ser tratada como tal pela hipócrita nobreza de Portugal.

O Rei mandou construir túmulos magníficos no Convento de Alcobaça, com as sepulturas uma de frente para outra, de forma que, quando despertassem para o dia do juízo final, pudessem se olhar frente a frente e reviver seu amor. Mas não foi só isso, antes de colocar o corpo de D. Inês no novo túmulo, D. Pedro I teria colocado o cadáver da amada no trono, coroado a defunta com as devidas honrarias e obrigado toda a nobreza portuguesa ,sob pena de morte, a realizar a cerimônia do “Beija- Mão” à Rainha morta.

Se algum dia vocês viram uma cena dessas em Game of Thrones, já sabem de onde veio à inspiração.

Claro que nem preciso dizer para não confundirem o D. Pedro I desta história com o D. Pedro I da história do Brasil. Apesar dos dois terem amantes famosas, esta história de Inês se passou em Coimbra – Portugal, e a outra, também verdadeira, a da Marquesa de Santos (Domitila de Castro Canto e Mello) – se passa no Rio de Janeiro – Brasil. Além da grande diferença de datas, o “nosso” D. Pedro I é considerado D. Pedro IV, cá em Portugal, já o outro Pedro, é conhecido e lembrado como “O Rei Justiceiro ou Pedro – O cruel”. 

Até a próxima meu povo!

* Regina Ribeiro é Psicopedagoga, andreense e moradora de Lisboa desde 2017

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6 Comentários on "Sou brazuca, ora pois…"

    • Regina Ribeiro

      Rosi sua linda, querida e velha amiga que sempre me apóia em tudo que me proponho a fazer nesta vida, agradeço muito você ter lido e principalmente ao seu elogio, que sei foi muito sincero, pois eu lhe conheço muito bem há quase 39 anos. Você sabe do imenso carinho e respeito que lhe tenho, por você ser a pessoa íntegra e generosa que és. Acima de tudo, você é uma pessoa que como eu, ama verdades a qualquer preço e procura estar em paz consigo mesma, praticando-as. Beijos fraternos hoje e sempre.

    • Cecilia

      Minha amada e esperacular Re Ribeiro.
      Suas crônicas me encantam, me inspiram e me ensinam.
      Espero vê-las, todas,em um belo livro.

    • Regina Ribeiro

      Grande Marcio Trevisan ! Muito obrigada por ler minha humilde crônica e também pelo elogio, que me foi muito importante, pois você é um ótimo cronista profissional e tem o “dom mágico das letrinhas”. Eu sou apenas uma amadora, que adora registrar tudo que vejo e também o que sinto. Sinceramente me senti honrada com esta sua felicitação, pois como você bem sabe, sou sua fã nas crônicas esportivas aqui publicadas semanalmente. Meu objetivo ao escrever sobre as histórias e estórias de Portugal são dois: 1º) Homenagear o povo carinhoso deste país que tão bem me acolhe desde 2017. 2º) Compartilhar com meus amigos brasileiros, sobre alguns personagens importantes que os livros didáticos não registram e também sobre as lendas desta nossa Terra-Mãe cá no Além-Mar. Aqui estão nossas origens e está sendo uma aventura incrível poder conhecê-las e analisá-las. Aproveito para agradecer a equipe do Site Clique ABC, por ter me proporcionado a minha primeira chance de uma publicação oficial na Imprensa da terra onde nasci e me criei – O Meu Grande ABC. De todo o meu coração luso-brasileiro, envio a você Marcio e ao Editor Léo Júnior, a minha eterna gratidão e o meu mais alto apreço por ambos. Abraços fraternos.

  1. Regina Ribeiro

    Querida Ceci !!! Só hoje, após 03 longos anos, passei por aqui e me dei conta de que você leu esta minha humilde crônica. Muito obrigada, de coração ! Você bem me conhece e sabe o quanto eu adoro história e estórias. Escrevê-las me é algo libertador. Saudades de ti amiga linda ! Cá do Além-Mar, eu sigo a vida, tocando em frente.

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