* Mariana da Cruz Mascarenhas – O começo de 2017 alerta para a gravidade do sistema prisional brasileiro: superlotação, instalações precárias, motins, rebeliões, brigas entre facções, apreensões de drogas, celulares e armas… Logo nos primeiros dias do novo ano, muitos dos cidadãos foram pegos de surpresa com as notícias de centenas de presos perdendo a vida em presídios de Manaus (AM), Boa Vista (RR) e Natal (RN), entre outros lugares, causando grande repercussão até na mídia estrangeira.
Mais grave e assustador do que o número de mortes, o choque veio da forma como elas se sucediam, brutalmente, com presos esquartejando e decepando os demais como resultado de uma intensa briga de facções, entre elas o Primeiro Comando da Capital (PCC), que, ultrapassando as fronteiras do Estado Paulista, deseja agora dominar de forma isolada novos territórios – até então para se expandir o PCC firmou parcerias com facções dos outros estados.
Para se dimensionar brevemente esse poder, segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado de São Paulo (Gaeco), o PCC atua hoje em todos os estados brasileiros, além de Bolívia, Colômbia, Peru, Chile, Venezuela, Argentina, Paraguai e Guiana Francesa e possui um faturamento de até – pasmem – R$ 240 milhões por ano.
Se o cenário de uma verdadeira carnificina chocou o Brasil – foram 130 mortes em apenas 15 dias – há quem poderia ao menos ter amenizado tal panorama e já sabia do perigo iminente.
Em novembro de 2016, a governadora de Roraima, Maria Suely Campos, entrou em contato com o então Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes – que foi nomeado ministro do STF no lugar de Teori Zavascki, falecido em 19 de janeiro de 2017, em Paraty (RJ), em acidente aéreo – para pedir ajuda quanto ao número crescente de rebeliões e brigas entre as facções do sistema penitenciário de Roraima. Mas a prometida contrapartida chegou tarde demais…
Uma violência que começou nos presídios, mas que pode ganhar proporções ainda mais assustadoras com a expansão para as ruas, fomentada pela fuga dos presos. Todo este panorama representa riscos de assassinatos aos cidadãos e também aos seus bolsos, afinal os contribuintes pagam impostos também para arcar com a segurança nacional, a qual parece cada vez mais esvair-se pelo espaço. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a cada ano, cerca de 60 mil pessoas são assassinadas no Brasil, o que equivale a uma taxa de 29 homicídios por 100 mil habitantes.
Em janeiro deste ano de 2017, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estimou o gasto com violência em 16 países da América Latina e Caribe. O estudo apontou que, em 2014, o Brasil gastou 3,78% do seu PIB com o crime – o equivalente a R$ 386 bilhões. Para os reles mortais, trata-se de uma quantia difícil até de mensurar na memória. Naquele mesmo ano o Brasil contava com um déficit de cerca de 200 mil vagas para atender a população carcerária (veja imagem).
Logo que estourou o escândalo do primeiro conflito do ano entre facções prisionais – no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) em Manaus, o presidente Temer e o ministro da Justiça “simplesmente” mantiveram-se em silêncio por três dias para depois anunciar uma série de medidas com o intuito de combater o caos penitenciário, como o investimento de R$ 430 milhões para construir mais presídios e melhorar a segurança dos já existentes.
Uma solução dessas pode acarretar em mais problemas do que em resoluções. Primeiro, porque tudo o que o país necessita no momento é de uma política de retenção de gastos, diante da recessão que o assombra, e segundo que a superlotação dos presídios exige medidas emergenciais e não de longo prazo, como construir novas penitenciárias. De acordo com o Ministério da Justiça, o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo: sã0 622 mil detentos para 371 mil vagas, o que explica tantas celas com o número muito além da capacidade, onde os presos mal conseguem se mexer.
Uma das soluções levantadas para conter a superlotação, segundo especialistas, é a adoção de penas alternativas e/ou mais curtas para crimes mais brandos. Há quem critique tal medida por julgá-la como uma espécie de incentivo a determinados crimes com o abrandamento das penas. Mas tal afirmação não necessariamente pode se concretizar, afinal, diante da péssima situação das celas, muitos presidiários que vão parar atrás das grades acabam saindo de lá piores do que entraram, devido às condições a que são submetidos.
Esbarramos então em outro problema do sistema prisional que é a reincidência de presos. Segundo estatísticas oficiais, 70% dos que saem da prisão voltam a cometer crimes. Especialistas atribuem tal panorama às condições com que os presidiários são tratados e abordam a relevância de mudanças para tratamento menos rigorosos, inclusive com a adoção de programas que estimulem suas capacidades cognitivas e profissionais de forma a prepará-los para uma reinserção no mercado de trabalho, o qual hoje se mostra bastante rígido com tal público.
Outro problema de grande destaque no sistema prisional é a má administração pública. Diante disso, muitos recorrem a defesa da privatização ou da parceria público-privada como forma de melhorar o sistema carcerário, aliado a uma redução de gastos públicos. Mas há que se ter cautela pelos seguintes motivos:
Estudos feitos no Brasil apontam que, com a privatização, cada preso custará mensalmente em média R$ 4 mil – quantia que os governos terão de repassar às empresas – ou seja, teríamos um aumento de gastos ao invés de redução. Como cada preso gerará tais valores, as empresas verão vantagens em aumentar o número de presidiários e não em reduzi-los, com o intuito maior da maximização dos lucros acima de tudo, não necessariamente investindo em infraestrutura e melhor atendimento.
Um exemplo concreto ocorre em Ribeirão das Neves, Minas Gerais, onde foi inaugurada em 2013 a primeira penitenciária privada do país. Lá o consórcio de empresas recebe do governo estadual R$ 2.700,00 reais por preso por mês e tem a concessão do presídio por 27 anos, prorrogáveis por 35. Um preso “custa” aproximadamente R$ 1.300,00 por mês, podendo variar até R$ 1.700,00, conforme o estado.
É como se o Estado assumisse publicamente que não possui capacidade para administrar e controlar a própria violência do país e por isso passa a vez para o setor privado, que está mais preocupado em lucrar. Na contramão da história, governo detém, sim, de recursos; precisa usá-los da forma adequada, pois R$ 386 bilhões não é nenhuma “marolinha”, especialmente por sair do nosso bolso.
* Mariana da Cruz Mascarenhas é jornalista e especialista em Comunicação Organizacional. Articulista e crítica de Economia e Cultura, já escreveu matéria do Vaticano, além de muitos outros trabalhos jornalísticos realizados em São Paulo. http://mixpoint.com.br/marianamascarenhas/
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