Saúde mental ou física?

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* Simone Bambini – Temos a ideia equivocada de que corpo e mente são instâncias distintas, nas quais o corpo é um recipiente que carrega um conteúdo e que obedece ao comando da mente.

Estudos da neurobiologia rompem com esse pensamento dualista e hegemônico. Mas, infelizmente, esse conceito cartesiano se perpetua no senso comum e, com isso, dificulta o entendimento do corpo como responsável pela saúde integrada.

O conceito dualista de corpo e mente, saúde mental e física como coisas distintas nos leva a pensar que emoções não estão atreladas ao corpo, no entendimento errado de que corpo é físico, pois existe uma materialidade; e emoções são imateriais, portanto, pertencem ao mental.

Para se criar um sentimento, é necessário se emocionar. E para se emocionar, é preciso ter corpo para vivenciar essa percepção que resultará em uma memória. A perspectiva de que pensamento, sentimento e emoções são corporais rompe com os paradigmas que asseguram que a capacidade de sentir e se emocionar são extrassensoriais.

Nosso corpo é composto por uma química de hormônios e substâncias que nos regulam para sobreviver, a busca da homeostase. A sobrevivência está atrelada a essa troca de informações advindas do próprio corpo (história, genética, traumas) e do ambiente (biológicas, culturais, sociais), no qual o corpo troca informações em tempo real o tempo todo, pois o corpo é mídia de si mesmo, de acordo com a teoria do corpomídia.

Nosso corpo e o meio mudam constantemente e precisamos invariavelmente nos adaptar à desidratação e à redução de açúcar no sangue, buscando em nosso ambiente algo que nos reidrate ou que faça subir nossa glicemia. Essa função homeostática mantém o equilíbrio quando tudo muda em nós e ao nosso redor.

O simples fato de articular palavras na boca de uma pessoa modifica a secreção das substâncias que dilatam os vasos do rosto da outra. Do mesmo modo, um insulto pode induzir em quem o ouve uma palidez devida à constrição dos vasos; ou ainda, um chilique, desmaio ou lágrimas podem ser provocadas pelo comunicado de uma má notícia.

Algumas pessoas tornam-se viciadas, dependentes de uma droga, a ponto de não suportarem a falta dessa substância. Mas é possível também tornar-se dependente de uma emoção forte provocada por jogos ou dinheiro, pelo enfrentamento de um perigo ou por busca de situações seguidas de euforia, como por exemplo, os “workaholic”, viciados não apenas no trabalho, mas também nas conquistas e realizações profissionais, colocando a vida profissional acima de tudo (família, amigos, lazer e saúde).

Nesses casos, não há nenhuma substância ingerida; no entanto, a emoção causada pelo risco de perder provoca tal prazer, que o trabalhador torna-se dependente dele. Uma sensação autenticamente experimentada não pode deixar de ter uma manifestação cerebral.

Uma substância pode incendiar esse par de pulsões neurologicamente opostas de pavor e prazer. Dessa forma, todas as emoções, sejam elas de conforto ou desconforto, são necessárias para nossa regulação e adaptação à vida.

As emoções, como a raiva, medo e angústia, fazem parte do nosso sistema de defesa. Quando acolhemos esses dispositivos regulatórios, criamos uma memória que nos dá suporte para termos compaixão e resiliência não só conosco, mas com os outros também. Novas sinapses são criadas com esse aprendizado e nosso sistema nervoso agradece na sua autorregulação, permitindo comportamentos mais equilibrados.

Levamos à consciência quase nada das informações que percebemos para nos manter vivos. Nosso corpo (quando falo corpo, incluo cérebro) trata todas essas informações (respirar, lutar contra a força da atração da terra, regular a temperatura) aquém da consciência. As informações extraídas da realidade por nossos órgãos dos sentidos são combinadas por nosso cérebro de modo que delas se faça uma representação que denominamos “realidade”.

Para nós humanos, que vivemos essencialmente num mundo de representações, as palavras têm grande poder de esclarecimento. Enxergarmos melhor o que é dito e a conotação afetiva das palavras provoca em nós emoções profundamente sentidas.

A realidade concretiza nossa imaginação construindo posts nas redes sociais, encenando gestos, palavras, objetos e marcas que impregnam a nossa memória e orientam nosso desenvolvimento. Assim, moldados pelos objetos que acabamos de inventar, sentimos fisicamente a crença para a qual construímos nosso meio.

Sentimos então uma emoção provocada não pela realidade, pois ela passou ou está por vir, mas pela representação dessa realidade. A memória não é o retorno do passado, é a representação do passado. Não é preciso dizer até que ponto as pressões do meio, as tensões afetivas e as narrativas do entorno participam da memória individual.

Todo o ser vivo é obrigado a tratar algumas informações extraídas da realidade se não deseja morrer de fome, frio ou de solidão. Mas o ser humano é obrigado a viver, ao mesmo tempo, num mundo de representações. E é aí que tudo se complica.

O ambiente no qual o corpo troca informações e busca adaptação é falso e ilusório. O sentido imperativo da felicidade a qualquer preço e o fato de existir longevidade nos fazem distanciar, de forma imatura, que a vida também é feita de fracasso, infortúnios, doenças e morte.

E nessa busca incessante de felicidade e sucesso o tempo todo, suprimimos as emoções antagônicas a esse imperativo e achamos que temos o controle da situação.

E nessa ignorância, acabamos não desfrutando da potência curadora do corpo e buscamos o entendimento da realidade nos anestesiando com as fake news, nas trocas prazerosas de imagens, posts e emojis nas redes sociais, com o excesso de remédios e o abuso de drogas e álcool.

* Simone Bambini é doutora e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Coordena e leciona no curso de Relações Públicas da FAAP

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