Da Redação – Wilton José Marques, docente do Departamento de Letras (DL) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), finalizou o livro Ao correr da pena (folhetins inéditos), de José de Alencar, que contém oito textos inéditos do autor romântico. “A rigor, o livro é do Alencar, apenas fiz o estabelecimento do texto e o ensaio introdutório. Finalizei o texto em fevereiro, agora estou deixando o texto ‘dormir’ um pouco para ainda fazer uma última revisão em maio. De todo modo, espero que o livro seja publicado ainda no segundo semestre ou talvez no primeiro semestre de 2017”, conta o pesquisador.
A publicação traz oito folhetins inéditos do escritor José de Alencar publicados no jornal carioca Correio Mercantil na coluna de “Ao correr da pena”, entre setembro de 1854 e julho de 1855. Em 1874, diversos textos de Alencar foram reunidos no livro que traz o mesmo nome da coluna, organizado por José Maria Vaz Pinto Coelho, um grande admirador do escritor. “O que descobri foi que estes oito textos que trago no meu livro não tinham sido mencionados por José Maria. E é exatamente em tentar explicar por que os textos não foram incluídos naquela primeira edição, que foco minha atenção”, explica.
Os textos são ditos inéditos, pois nunca foram republicados, não foram recolhidos e nem estudados. Além destes oito folhetins, Wilton descobriu o primeiro texto que José de Alencar escreveu para a imprensa brasileira e um poema de Machado de Assis. Estas descobertas tinham sido divulgadas pela UFSCar em março e novembro do ano passado, respectivamente. “Para qualquer pesquisador, deparar-se com textos inéditos de autores brasileiros canônicos é sempre uma experiência gratificante. Por outro lado, tais descobertas indicam que as pesquisas sobre a literatura brasileira oitocentista ainda podem oferecer várias surpresas”, diz Wilton.
As novidades são que Wilton desenvolveu uma tese sobre a não publicação dos oito folhetins de Alencar. “No livro, além obviamente de apresentar os folhetins, eu faço uma introdução, que intitulei de O enigma dos folhetins, em que procuro apresentar uma leitura dos textos excluídos e, ao mesmo tempo, mostrar, através do levantamento de vários indícios, que muito provavelmente foi o próprio José de Alencar que pediu a exclusão deste material da edição do livro de José Maria publicado em 1874”, relata Wilton.
O folhetim é um tipo de texto, publicado no jornal aos domingos, em que o escritor amarrava vários assuntos que tinham sido abordados durante a semana, sobre temas relacionados a política, cultura, guerra, dentre outros. Em 1874 Alencar, que já tinha sido ministro da Justiça, era deputado há três legislaturas. “Em um dos folhetins ele fala sobre a criação da máquina-deputado, ‘que é movida pelo interesse, agente de maior força que o vapor, e o mais poderoso que se conhece hoje. O maquinista chama-se ministro, e quando a máquina se enferruja um pouco, aplica-lhe, em vez de azeite, pão-de-ló (gíria da época para propina)’. Num momento que ele era deputado e tinha sido ministro, ficaria ruim para sua imagem trazer à tona este texto. Daí o motivo de pedir para que fosse omitido”.
O professor chama a atenção para a presente situação política do Brasil e para a atuação dos deputados e como é impressionante a atualidade da caracterização dos deputados do Império feita por Alencar em seu folhetim. Depois de afirmar que eram movidos pelo interesse “pecuniário”, o autor romântico acrescenta: “Esta máquina serve para votar, levantando-se e sentando-se para dar apartes, fazer cauda aos ministros nas ocasiões necessárias, preencher o número de deputados que as constituições exigem, e finalmente para resistir aos deputados-homens, gente de consciência, que tem a balda de só apoiar os governos ilustrados. Bem se vê, que para semelhante fim era escusado nesses países empregar-se um homem livre e inteligente, e que basta uma máquina, a qual não possa opor tropeços à marcha da administração”.
Wilton conta que encontrou este material no segundo semestre do ano passado, quatro meses após a descoberta do poema O Grito do Ipiranga, de Machado de Assis, publicado também no Correio Mercantil, em 9 de setembro de 1856. “Eu estava pesquisando sobre autores que haviam publicado neste mesmo jornal antes do Machado, e Alencar era um deles. Ao levantar quantos textos este último tinha escrito para o Mercantil, o número não batia e, foi então, que descobri seus textos”, relembra.
Primeiro texto de Alencar na imprensa diária – Além dos oito folhetins, Wilton descobriu também que, três anos antes de começar a escrever os folhetins de ‘Ao correr da pena’, o autor já havia estreado na imprensa diária brasileira, publicando no mesmo Correio Mercantil um primeiro texto de viés crítico.
Em meados de 1851, depois de formado e estabelecido no Rio de Janeiro como advogado, José Martiniano de Alencar publicou um artigo de crítica literária na seção das “Publicações a pedido” do Correio Mercantil. O artigo, que o advogado novato, como era de praxe, deve ter pagado para publicar, apareceu em duas partes (30 de julho e 23 de agosto de 1851) e somente foi assinado ao término da segunda como sendo autoria de ‘Alencar’.
Em linhas gerais, o artigo é um longo estudo de cunho crítico-biográfico sobre o livro Dores e flores (1851), do poeta português Augusto Emílio Zalaur.
Sobre este texto de Alencar, Wilton publicou recentemente o artigo, “Diálogos de além-mar: um artigo inédito de José de Alencar”, na revista Navegações da PUC do Rio Grande do Sul. O artigo pode ser visto no link, http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/navegacoes. “De certo modo, e para além da qualidade literária em si, a descoberta desse primeiro artigo é importante na medida em que ajuda a mapear a obra jornalística de Alencar e, ao mesmo tempo, ajuda a mostrar sua precoce relação com a própria literatura”.
No texto da Revista Navegações, Wilton conta que a linguagem utilizada por José de Alencar é permeada por um tom altamente romântico e que, de certa forma, antecipa o estilo de escrita que consagraria o autor na literatura brasileira. “O artigo está, por assim dizer, mais próximo de uma híbrida ‘narrativa crítica’ do que propriamente um exercício objetivo de crítica literária” relata.
Wilton explica que de caráter impressionista e ingênuo, inerente à juventude literária do autor, e ao mesmo tempo ancorado na crença romântica que aproximava fatos da vida à obra literária, o texto de José de Alencar, ainda que contenha obviamente uma superficial apreciação crítica de alguns poemas do livro de Augusto Zalaur, é construído através do artifício textual de entremear passagens ficcionalizadas da vida do autor com fragmentos de poemas pinçados à obra.
Machado de Assis – “Agora que finalizei o artigo na Revista Navegações sobre o primeiro texto de Alencar na imprensa diária brasileira e o livro sobre seus folhetins, vou me voltar ao texto do Machado”, diz Wilton. Ele conta que esta descoberta traz novas informações que, inclusive, impactam na biografia do Machado e que, devido a isso, o tema da pesquisa será entender o processo de formação deste escritor, que é um dos mais estudados no Brasil.
O poema “O grito do Ipiranga”, como o nome já sugere, é uma obra de louvação ao país e, mais notadamente, a D. Pedro I, que no texto é comparado a Napoleão Bonaparte. O poema é composto por 76 versos decassilábicos, distribuídos por nove estrofes irregulares. Um poema que passou quase 160 anos despercebido pelos inúmeros pesquisadores que já se debruçaram sobre vida e obra do autor. “Fui pesquisar os poemas publicados no jornal Correio Mercantil e que, segundo a crítica, teriam sido publicados somente a partir de outubro de 1858. Resolvi não apenas checar as fontes dos poemas como também ampliar um pouco a pesquisa para os anos anteriores. Foi assim que O grito do Ipiranga, publicado em 9 de setembro de 1856, acabou aparecendo na história”, conta o pesquisador.
O texto de Machado de Assis aponta dois pontos fundamentais para os estudos sobre sua vida e sua obra. Wilton diz que primeiramente, o poema traz novas informações de aspectos biográficos do autor, ou seja, como um jovem escritor, negro e com uma educação não formal, conseguiu se inserir socialmente num jornal importante do Rio de Janeiro, em uma sociedade escravocrata. “Esse período da vida do escritor, compreendido entre 1854 entre 1860, é muito carente de informações biográficas e o poema em si traz essa novidade. E, além disso, o poema apresenta traços inéditos na produção literária de Machado”.
Uma hipótese do pesquisador é que ele era um gênio precoce. “Para escrever um texto como este que descobri, este jovenzinho de 17 anos teve que ler muito, já que, no poema, ele compara o processo de independência do Brasil com a formação do império romano. Provavelmente a fonte de Machado foi o livro I da História de Roma, de Tito Lívio”.
O segundo aspecto fundamental para os estudos sobre o Machado que esta nova descoberta traz seria a despeito de o poema ser de juventude (Machado tinha apenas 17 anos) e trazer em si várias marcas românticas, sobretudo na representação de aspectos ligados à realidade local (natureza, oceano, etc.) como marcas de nacionalidade literária, o que, em termos machadianos, também é uma novidade literária. “Este poema é romântico de tintura nacionalista, o que a gente chama de dicção pátria amada. O Machado vai abandonar e criticar isso a vida inteira. Então é um poema que revela um Machado diferente do estudado até o momento”.
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