Da Redação – Um dos símbolos da luta antimanicomial em São Bernardo, a Residência Terapêutica (RT) Artemio Minski, a primeira a ser implementada na cidade, completou nesta semana sete anos de funcionamento com festa para os moradores e trabalhadores da rede de Saúde Mental. Na casa, só para homens, vivem atualmente dez ex-internos de um hospital psiquiátrico que passaram décadas sem contato social e tratamento adequado.
“As residências terapêuticas deram uma nova chance a essas pessoas que foram vítimas da violação dos direitos humanos. Nós comemoramos a conquista da liberdade e de outros direitos. Hoje, a cada dia que passa, eles dão um passo significativo em direção à autonomia”, comenta a monitora responsável pela residência Maria Aparecida Nardini da Silva, a Cidinha.
Os moradores seguem a rotina de uma casa comum, apoiados pelos acompanhantes terapêuticos, que os auxiliam nas tarefas do dia a dia, desde o preparo da alimentação às saídas para fazer compras, por exemplo. Além disso, eles participam quase que diariamente das atividades no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Centro, como oficinas, rodas de conversa e as aulas do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova).
A acompanhante terapêutica Joana de Miranda Costa está na residência desde 2009 e participou do processo de transição dos moradores, período em que eles ainda estavam internados no Hospital Lacan e, aos poucos, aumentavam a frequência e o tempo em que permaneciam longe dos muros da instituição. Ela lembra que, quando se mudaram para casa, eles estavam apáticos, amedrontados e sob forte efeito de remédios. “Não faziam nada sozinhos. Não comiam. Não tomavam banho. Era muito triste vê-los naquela situação, porque demoram a entender que não estão mais trancados. Hoje só querem saber de viajar. Recuperaram a vontade de viver”, relata.
Todos os moradores saíram do Hospital Lacan com diagnóstico de esquizofrenia, consumindo quantidades elevadas de psicotrópicos. Atualmente, metade deles não toma mais esse tipo de medicação e, os que ainda fazem uso, são em quantidades mínimas, antes de dormir. O restante da medicação prescrita é para problemas comuns de saúde, como hipertensão e diabetes — e a maioria não precisa ser lembrada dos horários nem das quantidades que devem ingerir. “Eles ainda enfrentam as sequelas dos anos de abandono, de agressão física. Mas estão bem de saúde”, conta Joana.
Doces e churrasco – Durante a festa de aniversário, que teve churrasco, bolo e docinhos, um telão exibiu centenas de fotos dos melhores momentos da turma da Artêmio Minski.
Imagens dos passeios e das viagens realizadas — a mais celebrada foi a excursão para Porto Seguro, em julho de 2015 — e do cotidiano da casa revelam que, em sete anos, o grupo construiu um lugar de vida e liberdade. “Essa aqui é a minha casa, né? Gosto de tudo no lugar, sem bagunça. Sou eu que lavo o banheiro, deixo tudo limpo. De domingo vou à missa e assisto futebol. Peço a Deus para nunca mais sair daqui”, diz Cícero Vicente da Silva, 85 anos, dos quais 25 ele passou no Hospital Lacan, para onde foi levado depois de sofrer um ataque epiléptico.
Um dos seus melhores amigos é Miguel Ribeiro, 48 anos. Ele conta que conhece Cícero e os outros companheiros de casa desde a época do Hospital Lacan. “Todo mundo é amigo há um tempão. Mas lá naquele lugar a gente não falava, né? Não dava para ser amigo. Aqui a gente é. Aqui eu como macarrão com frango, assisto TV, ouço música. Lá só tinha gente gritando”, revela.
A festa contou com a presença das moradoras de outras duas residências, Estrela e Violeta, as únicas femininas da cidade, também localizadas na região central. Ao todo, são seis residências, com cerca de 50 moradores. Com a reforma psiquiátrica, a Saúde de São Bernardo não só desospitalizou e abrigou todos os munícipes que estavam internados há décadas no Hospital Lacan e haviam perdido o vínculo familiar, como também deixou de internar pacientes na instituição.
“É mais barato trancar e isolar os pacientes com sofrimento psíquico do que garantir a autonomia. A cultura do manicômio ainda é muito presente na sociedade, e por isso precisamos lutar para que não haja nenhum retrocesso, porque a liberdade é um direito inegociável”, diz a terapeuta ocupacional Ana Paula Silvério Munhoz da Paz.
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