* Dom Pedro Cipollini – Muitas vezes ouvimos as pessoas dizerem: pior que está não pode ficar. Infelizmente, temos de admitir que as situações podem piorar. Isto digo sem ser pessimista, mas realista.
O realismo é posição mental equidistante, tanto do pessimismo como do otimismo, para poder ver as coisas como elas são, não se influenciando por expectativas positivas ou negativas. Assim sendo, analisando nosso cenário sócio-econômico-político, podemos concluir que as coisas podem piorar.
Refiro-me à tendência para o autoritarismo presente de modo difuso em nossa sociedade. Autoritarismo que de tempos em tempos mostra seus dentes, na tentativa de assumir o poder absoluto. É o que presenciamos naqueles que pretendem a volta da ditadura com seu famigerado AI-5. Nem todos que votaram no atual presidente são adeptos do autoritarismo, mas todos os seus adeptos certamente votaram nele.
Mas o que é autoritarismo? O conceito vem de autoridade e é preciso ter presente o que é autoridade, para entender sua corrupção que é o autoritarismo. Autoridade é uma necessidade para a convivência humana pacífica e frutuosa.
John W. Draper escreve: “A razão é a primeira autoridade e a autoridade a última razão”. Em que pese a incompletude desta premissa, o fato é que não há sociedade, por pequena que seja, que possa se conservar em ordem sem autoridade que a governe. Até onde há uma reunião existe a necessidade de alguém que coordene.
A autoridade é uma necessidade, é serviço, é o que ajuda a crescer e vir para cima, como a raiz do termo latino (auctoritas) indica. Em última análise, o fundamento último de toda autoridade é Deus. Os homens, unindo-se em sociedade, não abdicam de sua dignidade, na qual todos são iguais.
O homem livre só se submete a Deus, seu criador e aqueles que livremente escolhe para representar a Deus no exercício visível da autoridade. Essa é a única teoria da autoridade que respeita integralmente a dignidade inalienável da liberdade humana (cf. Rm 13,1).
Já o autoritarismo é uma doutrina e uma atitude, na qual se vive o exercício da autoridade para dominar pela força e pelo medo. O objetivo é se impor como líder, ou impor determinado projeto, geralmente de interesse de um grupo, com a desculpa de atingir o bem comum.
Como doutrina, o autoritarismo atribui à autoridade constituída um poder unilateral, absoluto, sem consulta dos cidadãos nem responsabilidade perante eles. A autoridade que se rege pelo autoritarismo se caracteriza pelo comportamento baseado na máxima: “manda quem pode obedece quem tem juízo”.
Tanto o regime autoritário da esquerda quanto o da direita são autoritários, são como os dois chifres do mesmo diabo. Se regem por ideologias totalitárias nas quais a pessoa, o indivíduo, nada vale.
O autoritarismo não admite sugestão nem participação e muito menos contestação. Se impõe por um golpe de força ao tomar o poder e se mantem pela violência. Tanto o regime totalitário comunista permeado pelo socialismo ateu, como o regime nazi-fascista levam ao fanatismo, expressão de adesão cega a uma pessoa ou ideologia.
No Brasil tivemos o longo período da ditadura militar na década de sessenta e setenta, baseado no autoritarismo. Deixou um rasto nefasto de sofrimento e morte, assim como o regime soviético na mesma época, igualmente deixou seu rastro de sofrimento e morte, também por onde se expandiu.
Seria muito bom para reavivar a memória ler o livro “Brasil nunca mais”, um bom depoimento do que foi a ditadura militar no Brasil. É um testemunho claro de que o fim não justifica os meios, que toda ditadura ama a morte, vive dela e a espalha tanto quanto o Coronavírus, ou ainda mais, porque tenta matar corações e mentes.
Sim, infelizmente pode ficar pior se não estivermos atentos.
* Dom Pedro Cipollini é Bispo de Santo André
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