Pesquisa traz perfil atual das onças-pintadas na América do Sul

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Texto: Bernardo Oliveira – Foto: Divulgação – Instituto Mamirauá

A onça-pintada (Panthera onca) é uma espécie extremamente versátil. Apesar das persistentes reduções em seu habitat natural, causadas pela ação humana, que cada vez mais altera a cobertura original dos biomas sul-americanos e ameaça a biodiversidade local, as onças ainda possuem considerável distribuição geográfica, podendo ser encontradas em ambientes quase opostos, do semiárido da caatinga brasileira às florestas alagáveis da Amazônia, onde passam boa parte do ano em cima das árvores.

Para entender melhor a relação desses animais com os recursos disponíveis para a sua sobrevivência em paisagens tão diversas, o artigo “Resource selection in an apex predator and variation in response to local  landscape characteristics” (acesse aqui), publicado no periódico “El Sevier – Biological Conservation 228 (2018)”,  utilizou dados de telemetria (técnica que determina o posicionamento dos animais ao longo do tempo a partir de rastreadores via GPS) de 20 machos e 20 fêmeas para traçar um panorama do comportamento da onça-pintada em cinco biomas diferentes da América do Sul: Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Amazônia e Pantanal.

“A onça é uma espécie ‘guarda-chuva’. Por precisar de áreas amplas e ser carismática, a conservação dela permite a conservação de outras espécies também”, afirma Emiliano Esterci Ramalho, diretor Técnico-Científico do Instituto Mamirauá e um dos pesquisadores que participou do estudo. “Se você preservar uma área apenas preocupado com a onça-pintada, você necessariamente estará preservando várias outras espécies daquela região”

Compreendendo 30% da distribuição geográfica da espécie, que vai da América Central ao sul da América do Sul, a pesquisa teve como objetivo identificar o que faz com que as onças prefiram determinados recursos (cursos de água, proximidade a gado, cobertura de florestas etc.), em escalas espaciais distintas: sua área de vida (a extensão total pela qual se deslocam durante a vida) e a área por onde procuram alimento. E assim, entender como essa seleção se altera, entre diferentes gêneros e indivíduos, como resultado da disponibilidade dos recursos no ambiente. De 1998 a 2015, foram registrados 87.376 posicionamentos individuais, através dos rastreadores, entre as 40 onças.

“Conseguimos, pela primeira vez, juntar dados e fazer uma análise de uso de espaço e dos recursos naturais por essa espécie, que ainda é muito pouco conhecida, não só em sua ‘área de vida’, mas também em uma área menor, em relação às escolhas que ela faz em uma escala reduzida. Conseguimos ter uma ideia mais refinada de como ela consegue os recursos”, explica Emiliano.

A pesquisa englobou indivíduos em oito ambientes diferentes de cinco biomas sul-americanos: a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (Amazônia), o Parque Nacional da Serra da Capivara (Caatinga), áreas privadas no Cerrado brasileiro, os parques nacionais do Iguaçú, no Brasil, e Iguazú, na Argentina (Mata Atlântica), o Parque Estadual de Ivinhema (Mata Atlântica), o Parque Nacional do Morro do Diabo (Mata Atlântica), a Estação Ecológica Taiama (Pantanal) e a Fazenda Caiman (Pantanal).

O artigo é fruto de um esforço internacional que reuniu 29 pesquisadores de 18 diferentes centros de ciência, entre eles o Instituto Mamirauá, uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

O perfil da onça-pintada

A pesquisa relacionou a proximidade dos animais a diversos fatores presentes nos locais examinados e confirmou hipóteses levantadas pelos pesquisadores. Descobriu-se que as onças tendem a evitar locais sem florestas em regiões onde elas cobrem mais de 58.4% da área. Entretanto, essa tendência pode variar significativamente em áreas diferentes, o que sugere que os indivíduos da espécie podem alterar sua preferência em função da disponibilidade de florestas em seu habitat.

De uma forma geral, as onças analisadas mostraram-se interessadas por regiões próximas a cursos de água (como rios, lagos e igarapés), tanto do ponto de vista da extensão total de seu habitat, quanto nos momentos em que estavam à procura de alimento, ainda que a distribuição de onças inclua também lugares extremamente áridos, onde a água é escassa. Isso sugere que esses felinos mudam seu comportamento de acordo com o tipo de ambiente no qual estão inseridos, podendo aumentar a extensão de sua movimentação, a área de seu local de repouso, sua atividade noturna e o uso de vales e cavernas para amenizar a temperatura e evitar a perda de água.

Ainda em relação ao uso da água pela espécie, notou-se que indivíduos que tendiam a frequentar locais distantes de grandes corpos de água não necessariamente se locomoviam para acessá-los em outros lugares e, provavelmente, acessavam esse recurso através de fontes bem menores, sobre as quais não se tem registro.

Foi descoberto também que as onças preferem locais de menor densidade humana, evitando regiões com maiores concentrações populacionais. Por outro lado, a presença de gado, um risco para os animais devido à possibilidade de conflitos com criadores, parece atrair indivíduos machos nos momentos em que estão à procura de presas, enquanto o mesmo não acontece com as fêmeas. É possível que essa diferença entre os gêneros aconteça por conta da extensão maior percorrida pelos machos diariamente, o que pode aumentar a sua probabilidade de encontrar gado. O interesse dos indivíduos pelo gado pode ser um reflexo da disponibilidade de presas nas regiões examinadas.

Outro aspecto do comportamento das onças-pintadas observado pelo estudo é o quanto a presença de estradas afeta o deslocamento desses animais. De acordo com os dados coletados, não se identificou grandes alterações nas áreas percorridas pelos indivíduos da espécie quando próximos a estradas, o que representa um risco à conservação dos felinos, tendo em vista a possibilidade de colisões com veículos.

A onça-pintada é considerada uma espécie indicadora da saúde da biodiversidade de uma região. Por estarem no topo da cadeia alimentar, se as onças estão bem, é provável que todo o ecossistema que as alimenta também esteja. A partir dos resultados observados pelo estudo, é possível estabelecer prioridades para a conservação da espécie.

“A gente precisa ter investimento continuado em ciência, conservação, divulgação da ciência, para preservarmos esses animais. A onça-pintada é símbolo da biodiversidade brasileira, então precisamos conservar essa espécie. Temos que investir em ciência, porque ciência é a base fundamental para conservarmos a biodiversidade”, argumenta Emiliano Ramalho.

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