* Marcelo Aith – A Justiça brasileira carece de mais desembargadores imparciais e que seguem as regras processuais como Ney Bello. No final da manhã da última quinta-feira (23), o eminente desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, deferiu o pedido de liminar e determinou a imediata soltura do ex-ministro da educação Milton Ribeiro e dos demais envolvidos na Operação da Polícia Federal, que investiga a prática de tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinculado ao Ministério da Educação (MEC) .
Um dos resultados desta operação foi a prisão preventiva do ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, na última quarta, dia 22 de junho, em Santos. Segundo a PF, um sofisticado esquema foi montado pelo que a entidade classifica como “organização criminosa” dentro do MEC.
Para além da discussão quanto a gravidade dos fatos narrados na representação da Polícia Federal (“fummus comissi delicti”), que envolvem o ex-ministro da Educação, para se decretar a prisão preventiva de qualquer pessoa penalmente imputável, a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 do Código Processual Penal, deve ser incabível. Ou seja, a decretação da prisão preventiva deve ser a última opção, quando foi inadequada a substituição por outra medida cautelar (art. 282, §6º, do CPP).
Ademais, há que ser preenchidos os requisitos e pressupostos previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. Consoante estabelece o artigo 312, “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal”, O chamado periculum libertatis, que é o perigo que decorre do estado de liberdade do alvo da preventiva, como o risco para a ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Além disso, esse perigo deve ser atual, contemporâneo e não passado, distante ou futuro.
A garantia da ordem pública teria sentido, na espécie, por exemplo, para impedir a reiteração criminosa do alvo da prisão preventiva. O ex-ministro Milton Ribeiro, como é de conhecimento público e notório, foi exonerado em 28 de março de 2022, portanto, em tese, não poderia estar a praticar novos delitos contra a administração pública – prática de tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinculado ao Ministério da Educação.
Já a conveniência para a instrução criminal está ligada, intimamente, a obstrução da apuração dos fatos. Ou seja, seria adequada a decretação da preventiva se o ex-ministro estivesse agindo com escopo de destruir provas ou dificultando o acesso a elas. Não há qualquer indicação que Milton Ribeiro estivesse praticando qualquer ato inconveniente para a instrução criminal, que pudesse ensejar essa severa medida constritiva à liberdade.
Além disso, não há qualquer sinal que o ex-ministro estivesse na iminência de se evadir do distrito da culpa, ou seja, que estivesse se preparando para fugir do país, por exemplo. Pelo contrário, ele foi facilmente encontrado no endereço constante nos cadastros públicos.
Outro flagrante de ilegalidade decorreu da ausência da apresentação, ao ex-ministro e a sua defesa, dos elementos ensejadores da prisão preventiva.
O desembargador Ney Bello, com precisão, destacou que: “Noutro lanço, também é indubitável que não se conheceram os fundamentos do decreto prisional no momento da prisão, o que malfere a Súmula Vinculante n. 14 do Supremo Tribunal Federal, além de vários de seus precedentes jurisprudenciais, que asseguram à defesa o acesso amplo de todos os meios de prova já documentados, consignando ser “assegurado o acesso do investigado aos elementos de prova carreados na fase de inquérito, o regime de sigilo consagrado na Lei 12.850/2013guarda perfeita compatibilidade com a Súmula Vinculante 14, que garante ao defensor legalmente constituído ‘o direito de pleno acesso ao inquérito (parlamentar, policial ou administrativo), mesmo que sujeito a regime de sigilo (sempre excepcional), desde que se trate de provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, consequentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentados no próprio inquérito ou processo judicial’ (…)”. (STF. Pet 6164 AgR, Segunda Turma,Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 21/09/2016)”.
De outra parte, a ausência de contemporaneidade dos fatos imputados ao ex-ministro é latente. Para que se determinar a prisão preventiva o risco a ordem pública, a ordem econômica, a garantia da instrução criminal e a aplicação da lei penal tem que ser atuais, não podem se pautar em fatos pretéritos. Os fatos apontados ao ex-ministro são de meses atrás e decorrentes da condição de ministro de Estado. Dessa forma, o perigo de deixar alguém em liberdade deve ser contemporâneo e não passado. Além disso, deve ser um perigo concreto, realizável, e não hipotético, fruto de mera ilação.
Nesse sentido é a lição do mestre Aury Lopes Júnior: “Para uma prisão preventiva seja decretada, é necessário que o periculum libertatis seja atual, presente, não passado e tampouco futuro e incerto”. No RHC 67.534/RJ, o Min. Sebastião Reis Junior afirma a necessidade de “atualidade e contemporaneidade dos fatos”. No HC 126.815/MG, o Min. Marco Aurélio utilizou a necessidade de “análise atual do risco que funda a medida gravosa”.
A imposição de medidas cautelares diversas da prisão, respeitado o disposto no §3º do artigo 282 do Código de Processo Penal, (ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de cinco dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional), já seriam suficientes para impedir qualquer eventual prática delitiva na espécie. Totalmente descabida e desnecessária a prisão do ex-ministro. Uma mácula indelével na vida de qualquer pessoa que passa por esse constrangimento.
Justiça se faz com independência, imparcialidade, seguindo as regras processuais e os princípios constitucionais. O magistrado quando veste a toga deveria se despir das amarras morais e ideológicas e decidir com prudência, evitando-se, assim, que suas idiossincrasias afetem a vida de pessoas honesta ou desonestas, culpadas ou inocentes. Infelizmente, não é assim que se portam muitos magistrados do país!
* Marcelo Aith é advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP, especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca
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