* Mariana da Cruz Mascarenhas – No último dia 1º de maio celebramos as conquistas do trabalhador. Uma comemoração que soa até mesmo irônica, diante do panorama em que nos encontramos no momento. Protestos, greve, confrontos e discussão: o Brasil tem sido palco de um cenário de caráter apocalíptico, diante da avalanche de acontecimentos marcantes no país.
Na “onda das grandes reformas”: trabalhista, política, da previdência… o Governo Federal pressiona o Congresso e os trabalhadores a aceitarem mudanças, com justificativas “de quebradeira geral” dos futuros pagamentos sobre os atuais e novos aposentados, porque o contexto econômico do país tornou-se insustentável.
Que nossa economia não caminha bem, todo mundo sabe, e que o Brasil necessita de amplas e profundas reformas para alavancar seu desenvolvimento, também não é novidade. Todavia, mudanças a qualquer custo podem revelar-se ainda piores do que a situação atual, como é o caso da Reforma da Previdência, a caminho da aprovação.
Gerando muitas polêmicas e reclamações em todo o país, um de seus pontos mais conturbados é a idade exigida para se aposentar, aliada ao tempo de contribuição: no texto original tanto homens quanto mulheres se aposentariam com 65 anos de idade e 25 anos de contribuição – antes o tempo a contribuir era de 15. Já na nova proposta do relator Arthur Maia, a idade das mulheres se reduz para 62 anos.
Uma medida controversa, pois o aumento do tempo de trabalho poderá ser extremamente prejudicial para alguns, dada a heterogeneidade de empregos e também condições a que determinados trabalhadores são submetidos, considerando, inclusive, as diferenças de expectativas de vida nas regiões brasileiras.
Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que a expectativa de vida do brasileiro no Maranhão é a menor do país, 70, 3 anos, sendo que para a mulher é de 66 anos. O Estado de Santa Catarina, em contrapartida, atenua essa desigualdade nacional ao apresentar uma expectativa de vida de 80 anos aproximadamente.
Mas não é necessário sair nem de uma cidade para constatar tais distinções. Em São Paulo, por exemplo, no bairro periférico de Cidade Tiradentes, a idade média ao morrer é de 53,85 anos, enquanto que no bairro de classe média alta, Alto de Pinheiros – a 70 km de Cidade Tiradentes –, a expectativa chega a 79,67 anos de vida. Os dados foram coletados pela ONG Nossa Rede São Paulo. São distritos que se diferenciam acentuadamente quanto ao nível de infraestrutura, saúde, qualidade de vida e bem-estar – aspectos essenciais para determinar o tempo de vida populacional.
Concentrando cerca de 2% da população total de São Paulo, Cidade Tiradentes oferece apenas 316, 6 empregos para um número de 10 mil habitantes – fator que obriga muitos moradores a trabalharem fora do bairro, muitas vezes em lugares bem distantes de suas residências.
O desgaste com o transporte, a falta de serviços de saúde básica e de saneamento no bairro residente, nessas áreas periféricas, são impeditivos para que o brasileiro chegue aos 65 anos desfrutando de uma vida saudável – que dirá aproveitar sua aposentadoria. Sem contar que, diante da crise atual, o país segue com cerca de 13,5 milhões de desempregados, segundo dados do IBGE, o que significa menor tempo de contribuição e maior tempo demandado para a obtenção da aposentadoria.
Portanto, a padronização da idade para se aposentar, aliada ao aumento do tempo de contribuição, é algo delicado, pois, considerando as distintas condições trabalhistas existentes num país tão desigual, muitos sairão mais prejudicados do que outros.
Ainda em se tratando da questão de mobilidade urbana, muito mais dificultosa para os trabalhadores brasileiros que prestam serviço longe de suas moradias, há uma mudança que não levará em conta tal deslocamento: a Reforma Trabalhista. Aprovada pela Câmara no dia 26 de abril de 2017, a proposta, que segue para votação no Senado, é defendida pelo governo para reorganizar as contas públicas e estimular a economia, mas afeta o direito dos trabalhadores. Em relação ao deslocamento ao trabalho, se o empregado trabalha em local de difícil acesso ou onde não há transporte público e usa condução da empresa, este período não contará mais como hora de trabalho.
De modo geral, a Reforma é contestada, pois permite a definição de acordos coletivos de trabalho entre os empregadores e empregados que se sobreponham às leis trabalhistas, definidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Como no quesito jornada de trabalho, em que o funcionário, mediante negociação, poderá trabalhar 12 horas – a jornada padrão atualmente é de 8 horas por dia – e folgar nas 36 horas seguintes. O intervalo também poderá ser reduzido para 30 minutos, tempo mínimo, numa jornada superior a 6 horas.
Além de tudo isso, há também a Lei da Terceirização – esta já aprovada e assinada pelo presidente – que permite a contratação de empregados terceirizados para as principais atividades das empresas, os quais poderão sofrer com salários inferiores aos recebidos diretamente pelas companhias, com a precarização das condições trabalhistas e com a redução das reivindicações do trabalhador.
Luz no fim do túnel? – Para a maior parte dos trabalhadores brasileiros torna-se difícil, diante de tantas mudanças, enxergar alguma luz que possa lhe proporcionar qualquer garantia de melhor qualidade de vida, mas sim o inverso: um futuro composto por maior tempo de trabalho num cenário de saúde, infraestrutura e logística precária – tudo isso refletindo na economia, ainda em recuperação, com elevado número de trabalhadores desempregados em grande parte do Brasil.
Considerada referência em mobilidade urbana, a cidade de Cingapura investiu nas chamadas “habitações de emergências”. O arquiteto Liu Thai Ker, pai do projeto que transformou a cidade e previu uma concepção urbana diferente, afirmou em entrevista ao jornal Estado de São Paulo que se trata de apartamentos de 23m2 alugados pelo governo para cidadãos sem muito recursos, que poderiam pagar um valor mais baixo. O projeto foi aliado a um programa de criação de fábricas e geração de empregos, permitindo que a população mais carente tivesse acesso a moradia e emprego próximos um do outro. Está aí uma ideia a ser pensada processualmente para o Brasil.
Ainda assim não basta apenas propor melhores condições para os trabalhadores mais carentes, obrigando-os a trabalhar por um tempo muito maior, enquanto outros seguem a desfrutar de benesses, como é o caso dos políticos. O governo alega propor reformas para alavancar o caixa governamental, porém resiste em mexer nas próprias regalias as quais têm direito.
No dia 27 de abril de 2017, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou que um servidor público receba mais que o teto da Constituição – R$ 33,7 mil – no caso de acumular dois cargos públicos, somando os salários de cada um. Diante de tantas discrepâncias, há algum motivo para a maior parte dos trabalhadores comemorar?
* Mariana da Cruz Mascarenhas é jornalista e especialista em Comunicação Organizacional e Metodologia do Ensino na Educação Superior. Mestranda em Interdisciplinaridade em Ciências Humanas. Articulista e crítica de Economia e Cultura, já escreveu matéria do Vaticano, além de muitos outros trabalhos jornalísticos realizados em São Paulo. Mais informações no site da colunista
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