* Walter Penninck Caetano – À medida que se aproxima o final do ano, prefeitos de todo o Brasil sentem-se cada vez mais acuados pelo dilema de terem, de um lado, que cumprir o porcentual mínimo que a Constituição estipula para os gastos com o ensino e, de outro, de se submeter à proibição de elevar as despesas com pessoal determinada pelo art. 8º da Lei Complementar nº 173, de 2020, com validade até o próximo dia 31 de dezembro.
O dilema decorre do fato de que em 2021 está ocorrendo uma surpreendente e positiva recuperação das receitas públicas e, via de consequência, emerge a necessidade de serem efetuados ajustes orçamentários nos estados e nos municípios, particularmente na remuneração dos profissionais da área de educação, que, como sabido, emprega a maior parte dos recursos vinculados a esse setor.
Em princípio, a Lei Complementar nº 173 estaria afrontando a Constituição no que respeita aos gastos mínimos com o ensino determinados por seus arts. 212 e 212-A, particularmente em relação ao Fundeb, em que pelo menos 70% de suas receitas devem ser destinadas à remuneração dos profissionais docentes.
Acontece que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou, por todos os seus membros, pela constitucionalidade do referido dispositivo legal, inclusive com repercussão geral (RE 1311742-SP).
O nó está prestes a ser desfeito pelo próprio Congresso Nacional por meio da PEC 13-2021, já aprovada pelo Senado Federal por 74% de seus membros e sendo analisada atualmente pela Câmara dos Deputados.
Essa PEC livra prefeitos e governadores de qualquer sanção pelo eventual descumprimento da aplicação dos porcentuais mínimos no ensino, mas determina que os valores não aplicados em 2020 e 2021 sejam reprogramados para utilização até o final de 2023, sem prejuízo, portanto, para a área de educação.
Entretanto o “tic-tac” continua e deixa esses governantes ainda mais nervosos, mas, a exemplo do que ocorreu no Senado, a Câmara dos Deputados deverá aprovar aquela PEC.
O que não se justifica é a precipitação de alguns na oferta de soluções mágicas para contornar o dilema, na maioria das vezes com medidas absolutamente temerárias do ponto de vista contábil que poderão ser taxadas, depois, de verdadeiras “pedaladas” e aí sim colocarem os gestores públicos em vulnerabilidade.
Como fazer confusão parece ser a predileção de uma grande parte dos políticos que habitam Brasília, a PEC em questão, ao liberar prefeitos e governadores de sanções pelo eventual descumprimento dos porcentuais mínimos em educação, menciona expressamente os recursos do art. 212 da Constituição, mas ignora os previstos no art. 212-A, justamente o que trata do Fundeb.
No Substitutivo votado no Senado, de autoria da Senadora Soraya Thronicke, havia previsão expressa de inclusão, nessa excepcionalidade, dos recursos do Fundeb, mas foi aprovado um destaque de autoria do Senador Paulo Rocha, do PT, suprimindo essa possibilidade, dada uma indisfarçável pressão corporativa dos profissionais da educação.
Diz-se que essa supressão não exclui os recursos do Fundeb da excepcionalidade criada pela PEC, que aponta expressamente o art. 212. Será? Esse olhar decorreria do fato de que os recursos daquele Fundo, conforme art. 212-A, constituem parte daqueles aos quais se refere o art. 212.
Se isso estiver juridicamente correto, bastaria a Câmara dos Deputados efetuar um ajuste de redação naquela PEC sem a necessidade de retorno ao Senado.
Em meio a esse quadro de confusão, o Governador de São Paulo, não se sabe se premido pela necessidade de dar vazão aos recursos do Fundeb, que estariam sobrando em face do aumento da arrecadação ou por razões políticas, aproveitou a data em que se comemora o Dia do Professor e propôs à Assembleia Legislativa um abono salarial, a ser pago ainda em 2021, a todos os professores da rede estadual a despeito da vedação legal da Lei Complementar 173 e da decisão unânime do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.
Seria essa atitude uma medida arriscada? Argumenta-se que o Fundeb atual foi criado por uma emenda constitucional dizendo taxativamente que parte dos impostos deve ser aplicada anualmente no ensino e, além do mais, foi promulgada posteriormente à Lei Complementar n° 173, de 2020. Nessas condições, o Governador de São Paulo estaria juridicamente protegido contra quaisquer acusações futuras de não cumprimento da Lei Complementar nº 173, de 2020.
É uma tese interessante, mas será que vai prevalecer?
Desconsiderando essa possibilidade, na hipótese pouquíssimo provável de não aprovação da PEC 13-2021 pelos deputados federais, restará aos governadores e aos prefeitos recorrerem ao Poder Judiciário, com enormes chances de sucesso, para se resguardarem de consequências pelo eventual não atendimento de aplicação dos porcentuais mínimos em manutenção e desenvolvimento do ensino no corrente ano.
Ainda nessa improvável situação, antes mesmo de ser acionado o Poder Judiciário, entendo que os Tribunais de Contas poderiam, com a força e a legitimidade que possuem, se antecipar diante de tão forte realidade fática e jurídica e adotarem as medidas pretendidas pela PEC 13-2021.
* Walter Penninck Caetano é economista e Diretor da Conam Consultoria em Administração Municipal Ltda.
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