Escola Sem Partido: de Freire a Frota!

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* Murilo Valle – Recentemente temos visto a Educação entrar no debate das “mudanças”, porém, não como se esperava, muito pelo contrário, com uma visão retrógrada trasvestida de nova. As discussões apresentadas pelo movimento Escola Sem Partido estabelecem marcos que, em uma nação democrática, ameaçam o pleno desenvolvimento científico, técnico, social, a partir do momento que estabelece como premissas o fundamentalismo, o positivismo e o senso comum. Assim, pretendo com este artigo, passar algumas ideias do que penso sobre a Escola Sem Partido, enquanto posso!

A LDB, Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional é fruto de um conjunto de conquistas que a sociedade tem firmado nas últimas décadas que, junto com outras, nos coloca, brasileiros, em um significativo privilégio ante a outros povos do mundo. Temos liberdade! Os objetivos do movimento Escola Sem Partidos coloca em risco a liberdade de expressão e a possibilidade de pluralidade de ideias na escola. Quem é ou foi meu aluno sabe o quão é importante é isso!

O fundamentalismo, que pode ser entendido como movimento conservador que fortalece-se na obediência integral e literal de um conjunto de princípios básicos, é um retrocesso, quando o assunto é qualquer tema no século XXI em um país democrático como o Brasil. Dependendo da doutrina, como seria um professor de Biologia estar impossibilitado de falar sobre as teorias de Charles Darwin? Ou um professor de Ciências não poder explicar que a Terra tem cerca de 4,5 bilhões de anos? Como pode também um professor de Química ficar impedido de falar sobre átomo? Um professor de Filosofia apresentar as teorias do pensamento?

Um país que estabelece diretrizes que impedem a formação crítica e a compreensão de ciências, se candidata a ficar relegado à posição de nação subserviente ao capitalismo selvagem. O fundamentalismo é contramão do desenvolvimento científico, social, ambiental e tecnológico. A 4ª Revolução Industrial, que está por vir, posicionará os países em desenvolvimento que não se estruturarem frente as transformações necessárias e, nesse campo, a ciência tem um papel fundamental.

O domínio das ciências, a capacidade crítica de compreender e participar das inovações tecnológicas, aliadas à justiça e compreensão social e ambiental, colocam qualquer país na vanguarda. O ensino de ciências naturais, longe do referencial fundamentalista, permite a apresentação de teorias e conteúdos que inserem o aluno numa perspectiva de entendimento do passado, presente e futuro.

Vocês lembram da menina inglesa que salvou centenas de vidas no tsunami na Tailândia em 2005? A criança de 10 anos, em férias com a família, ao observar diferença no borbulhar da água e no recuo das ondas, por ter aprendido isso em aulas de geografia, compreendeu o que estava acontecendo e alertou a mãe. Capacidade de observação e análise crítica, habilidades que não se desenvolvem em uma escola que limita o potencial de discutir, criar e contestar.

O movimento da Escola Sem Partido despreza a liberdade de cátedra e a possibilidade de aprendizado amplo, de troca de ideias! O senso comum transforma a relação professor-aluno em uma relação comercial nefasta em que o ensino é a mercadoria. Este tipo de relação colocará o professor em situação ainda mais frágil, a partir do momento que uma placa específica será afixada em cada sala de aula estabelecendo os deveres dos professores. Inacreditável: 6 itens genéricos! A placa é o de menos.

A conotação de ameaça é latente, sobretudo pelo fato de que deverá ser criado canal de comunicação para receber denúncias anônimas contra docentes que transgredirem os deveres capitais. A ausência do diálogo e a condição de anonimato dará aos alunos e aos pais despreparados munição para ser usada contra os professores que não lhes agradam. O professor que não aceitar uma resposta na prova estará sujeito à covardia do anonimato.

Se a relação professor-aluno está em momento de fragilidade, com a implantação desta Escola Sem Partido teremos, em curto prazo, a Escola Sem Professores. É a troca do Freire pelo Frota. A escola é lugar de formação, debate, da livre expressão, com espaço para o confronto de ideias. Para quem acha que este movimento tem algum fundamento para os tempos que emergem, sugiro leitura de Nietzsche que, certamente, ajudará a pensar sobre o nosso tempo e sobre para onde queremos ir.

Ainda, no âmbito da escola, sendo o Brasil um Estado laico, de dimensões continentais e multicultural, contrariar este princípio constitucional e estas características, fazendo prevalecer visões morais e religiosas particulares, é um desrespeito sem precedentes à nossa história e a nossa sociedade. O senso comum tem sua importância em vários momentos de aprendizagem, principalmente na etapa não formal, não obstante, para um país com a pujança do Brasil, é um descalabro adotar esta referência como sustentação da educação nacional.

O movimento Escola Sem Partido, pela ausência de discussões efetivamente engajadas sobre o tema e, pelo contrário, amparado em discurso político em que os argumentos não possuem valor ante aos inflamados discursos com apelos fajutos e recheados de discursos prontos, estabelece-se, com o referencial de que a escola se transformou num reduto de comunistas. Ridículo! quem afirma isso ou não sabe o que é comunismo ou tem segundas intenções.  O discurso revela ainda um alto teor de intolerância, com raízes sociais profundas, demonstradas na superfície na forma de ódio. O ódio é um sentimento limitador tanto quanto é retrógrado.   As redes sociais têm mostrado um número expressivo de indivíduos que são contra algo ou alguém e não conseguem minimamente argumentar com inteligência sua contrariedade, sem utilizar os jargões plantados.

No bojo das discussões sobre a Escola Sem Partido, dentre as frases prontas, argumenta-se que professores enchem os alunos de textos de Marx e outros socialistas. Pois bem! se os alunos leem estes textos e compreenderem é um excelente sinal de que a leitura ultrapassou a fase da simples tradução de palavras. Você já leu Marx? Interessante entender a dialética. Ler e entender um texto não significa que é obrigatório concordar, se fosse assim, eu não saberia nada sobre neoliberalismo. A escola é um espaço que oferta aos seus educandos a possibilidade de aprender diferentes vertentes, pensamentos e teorias, e tolher estas possibilidades significa acabar com a Educação.

A democracia e seus mecanismos estão sob questionamento, notadamente em virtude das questões éticas individuais que afloram diariamente no cenário político, o que tem levado pessoas “do bem” a entrarem na onda de panaceias expostas pelos paladinos do momento. A ideia de positivismo é demasiadamente perigosa! A frase emblemática “Não fale em crise, trabalhe”, junto com o lema “ordem e progresso”, mostram que a tendência de doutrinação, pautada no positivismo, esta delineada, sustentando-se nos interesses fortemente capitalistas e no amplo interesse de controle e manipulação da sociedade.

A mensagem subliminar do pensamento positivista aponta que àqueles que buscam atrapalhar a construção “coletiva” do progresso devem ser neutralizados, ou seja, aqueles que não concordam devem ser aniquilados. Esta condição não te faz lembrar um alemão famoso? Em 1937, na Alemanha, a Lei do Funcionalismo Civil dizia que os professores deviam defender as ideias nazistas e também jurar fidelidade a Adolf Hitler. Nos tempos atuais, o fundamentalismo religioso, que repercute mundialmente em ações terroristas, obriga as pessoas que vivem nas áreas que controla a se converterem ao islamismo, além de viverem de acordo com a interpretação sunita da religião e sob o código de leis islâmico; e aqueles que se recusam podem sofrer torturas e mutilações, ou serem condenados a pena de morte. Guardadas as devidas proporções, porém, sem diminuir a intensidade, a estapafúrdia proposta da Escola Sem Partido, pode nos levar a um Estado Islâmico, a partir do momento que pauta-se numa visão fundamentalista estruturada na concepção do controle da informação e da educação.

Nessa direção, a Escola Sem Partido tem o propósito de atender a demanda do grupo político que vê na educação a forma de aniquilar o potencial construtivo, crítico e social das crianças e jovens, em favor da facilidade de doutrinação. Tirar as ciências naturais, a filosofia, dentre outras, limita o desenvolvimento de habilidades e competências do processo de ensino e aprendizagem relacionadas aos campos atitudinais, cognitivos e capacidade crítica, no mínimo! O nivelamento por baixo que a Escola Sem Partido estabelece como premissa criará uma escola fora da realidade e pedagogicamente nula. O ensino no Brasil precisa melhorar muito e a Escola Sem Partido é uma proposta antagônica e anos luz de distância de qualquer ação necessária ao pleno fortalecimento da Educação no Brasil.

Ao invés de legislar sobre as “melhorias do ensino”, dever-se-ia focar na formação de professores, de forma a permitir que estes tenham a plena capacidade de trabalhar, sem censura reacionária. A censura é antagônica a qualquer forma de ensino. É preciso dar ao professor as ferramentas necessárias ao bom desempenho, desde a sua formação. É urgente criar mecanismos que restituam o devido respeito do professor junto a escola e sociedade! É sine qua non devolver ao professor a dignidade, dilacerada pelos salários incompatíveis com a envergadura da função que desempenha. É fundamental para o Brasil que se discuta Educação de forma séria e programática, sem oportunismo!

Como educador, formador de professores há 28 anos; como cientista e pesquisador; como pai de adolescentes; como brasileiro que cresceu no obscuro regime autoritário e que gritou pela democracia nas Diretas Já, não posso aceitar esta Escola Sem Partido, por acreditar que ensino não é mercadoria e que educação é a chave para um futuro melhor.

Termino citando Paulo Freire: “Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo”. Por isso sou contra essa Escola Sem Partido! Por isso sou professor!

Fotos para divulgação do Prof. Dr. Murilo Andrade Valle, candidato à reitoria da Fundação Santo André. Fotos: Otavio Valle/Divulgação* Professor Murilo Valle é Doutor e Mestre em Geologia pela IGc (Universidade de São Paulo) e coordenador do Curso de Engenharia Ambiental – FAENG (Fundação Santo André). Contato com o colunista pelo e-mail murilovalle@hotmail.com

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1 comentário on "Escola Sem Partido: de Freire a Frota!"

  1. Rui Freitas

    O desrespeito aos profissionais da educação, leia-se “professores”, vem caminhando, desde algum tempo, para a total perda de credibilidade e respeito que esta profissão merece e, por consequência, transforma o aluno num mero repetidor de informação, sem que haja o menor esforço por parte deste em analisar e concluir.
    Num país onde leis brotam a todo o momento, são mais de 30.000, sequer temos a preocupação com seu cumprimento, pois a fiscalização deste universo, na prática, é impossível. É justamente na ESCOLA, num ambiente de livre pensamento, que professores, atuando como facilitadores de acesso à informação e sua tradução para uma linguagem que possa ser compreendida por quem busca o conhecimento e alunos, que buscam compreender estas informações e transformá-las através de raciocínio PRÓPRIO em conclusões, hipóteses ou até novas dúvidas, que se forma uma sociedade equilibrada.
    Determinar, por lei ou regra, como este processo deve ocorrer, tende à doutrinação, prática odiosa, que a História tem traduzido em consequências nefastas para o indivíduo e para a sociedade. Apenas como exemplo: Aprender que o Homem é um ser bípede, mamífero e que não possui asas não impediu que se inventasse o avião….

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