Gigante farmacêutica ganhou PPP para administrar fábrica de remédios do Estado; contrato é alvo de inquérito do MP
Da Redação – A empresa responsável pela gestão de uma das fábricas da Furp (Fundação para o Remédio Popular) – maior laboratório farmacêutico público do país, vinculado à Secretaria de Saúde do Estado – recrutou um gerente da própria estatal para cuidar de seu relacionamento com o governo.
A migração foi descoberta pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Assembleia Legislativa que investiga irregularidades na fundação. Francisco de Paula Garcia Caravante Junior foi gerente administrativo da Furp entre junho de 2010 e dezembro de 2013.
Deixou o posto para assumir a gerência de Relações Institucionais da CPM (Concessionária Paulista de Medicamentos), braço da gigante farmacêutica EMS que acabara de assumir, por meio de PPP (Parceria Público-Privada), a operação da fábrica de remédios construída pelo governo do Estado em Américo Brasiliense (região de Araraquara).
O contrato celebrado entre a fundação e a empresa tem gerado um prejuízo de pelo menos R$ 56 milhões por ano aos cofres públicos e é alvo de investigação do Ministério Público.
Depoimento
Caravante Junior foi ouvido nesta terça-feira (27) pela CPI da Furp e negou qualquer conflito de interesses em sua atuação. “Levei para a Furp minha expertise do setor privado e, depois, migrei para a CPM a partir de um convite transparente, feito pela empresa a todos os funcionários da fundação que trabalhavam em Américo Brasiliense na época”, disse.
Ele diz que foi indicado para o cargo na Furp por Victor Hugo Costa Travassos da Rosa, que ocupou cargos de gerência na fundação entre 2007 e 2010. Atualmente, Rosa é coordenador de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Saúde do Estado.
“Conheço o doutor Victor Hugo desde os meus tempos de estudante. Por indicação dele, fui chamado para fazer a certificação da fábrica de Américo Brasiliense”, afirmou Caravante Junior.
“Em 2013, a Furp fez uma reunião conjunta com o pessoal da CPM. Na ocasião, houve uma oferta para que todos os funcionários da Furp [em Américo Brasiliense] migrassem para a empresa. Preferi mudar para a CPM”, acrescentou, justificando que esse tipo de migração não é incomum em órgãos públicos.
‘Opiniões’ sobre o novo modelo da Furp
O período de permanência de Caravante Junior na Furp coincide com o lançamento do edital da PPP e a licitação realizada para a escolha da empresa vencedora – a CPM foi a única participante.
A assinatura do contrato entre a fundação e a concessionária aconteceu em 22 de agosto de 2013, pouco depois que o ex-gerente migrou para a concessionária. Ele nega ter participado diretamente da criação da PPP.
“A modelagem da PPP foi toda realizada na Secretaria de Planejamento do Estado e na unidade da Furp em Guarulhos. Não participei desse processo. Só tive acesso aos estudos que antecederam a PPP quando já estava na CPM”, alegou.
Caravante Junior admitiu, porém, ter sido consultado sobre aspectos técnicos da futura PPP. “Modelagem é uma coisa. Opinião é outra. Lá em Américo, sempre nos perguntavam coisas técnicas sobre a fábrica. Por exemplo: qual é o tamanho de determinado equipamento.”
Sob demanda
O depoente ainda defendeu o contrato celebrado entre a atual e a antiga empregadora. Passados seis anos de vigência da PPP, a fábrica da Furp em Américo Brasiliense opera com 75% de ociosidade, produz uma “cesta” de medicamentos com um custo quase três vezes maior que o da iniciativa privada (mesmo com isenções de impostos por ser um laboratório público) e gerou para a estatal uma dívida de R$ 100 milhões com a CPM (resultado de divergências sobre a remuneração da concessionária nos primeiros anos da parceria).
“A empresa tem 15 anos de contrato [prazo que termina em 2028]. Ela espera que isso seja equalizado”, afirmou Caravante Junior. “O que a CPM entrega é exatamente o que o poder concedente [Furp] pede. O plano de produção é encaminhado pelo poder concedente. Importante ressaltar que a CPM não vende produto. Ela administra uma unidade do governo”, concluiu.
Prejuízos
Para o presidente da CPI, os problemas na PPP de Américo Brasiliense expõem a inércia de sucessivos governos. “O Estado vem tendo um prejuízo milionário, uma situação que já vem desde 2013. É, no mínimo, prevaricação [dos gestores que não tomaram nenhuma providência]. A gestão atual parece ter boa vontade. Está fazendo levantamentos e contratou assessoria técnica para auxiliar em uma tomada de decisão. Esperamos que isso dê resultado”, afirmou o parlamentar.
“Nossa preocupação é manter a fábrica produzindo remédios, mas com um custo melhor que o da iniciativa privada. E salvar os empregos da Furp. São 1.000 servidores que estão lá e não têm culpa pelos problemas de gestão dos últimos anos”, acrescentou.
“Pelo que entendi, a Furp se tornou um bom negócio. Mesmo com todos os problemas que apuramos até aqui. A CPM alega que tem mais de R$ 100 milhões para receber da Furp e que cláusulas do contrato não foram cumpridas. E isso já se arrasta há seis anos. Por que não fizeram um acordo com o governo e romperam a PPP de uma vez por todas? É uma pergunta essencial”, concluiu.
Próxima reunião
A CPI volta a se reunir nesta quarta-feira (28) para nova rodada de depoimentos. Serão ouvidos o gerente de Divisão Industrial da Furp, Walter Brocanelo Junior, e o proprietário da empresa RV Ímola Transportes e Logística, Roberto Vilela. A reunião acontece a partir das 11h no Plenário Tiradentes, na Assembleia Legislativa. A comissão tem até novembro para concluir seus trabalhos.
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