Em briga de’ cachorro grande’, alguém será devorado

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* Gabriel Clemente – O governo vinha bem, os números ajudavam. Bolsa batendo recordes históricos, cotação do dólar estável e desemprego caindo. Com algumas exceções, o presidente desfrutava de um excelente quadro de ministros. Governo com respaldo de bons nomes técnicos e prestígio junto à sociedade.

Aí, eis que surge a pandemia do Coronavírus. Foi o ‘gatilho’ para o comportamento de Bolsonaro começar a atrapalhar o que vinha muito bem. Não defendo impeachment. Não há motivos para isso. No entanto, se o presidente fosse mais sereno e ponderado, poderia evitar muitos problemas que enfrenta neste momento.

Enquanto a crise restringia-se somente à saúde, Bolsonaro ainda tinha fôlego considerável, mesmo negando o óbvio e se posicionando contra as medidas restritivas necessárias para evitar o avanço da pandemia que assola o mundo. Todavia, é incrível como ele tem vocação para ‘colecionar’ desafetos e traidores.

O maior problema, na verdade, é que o presidente construiu toda a sua carreira política na base da ‘tensão’, do confronto, o que acaba emperrando demais o seu governo.

Depois de Bebbiano, Joice, Santos Cruz, Mandetta e Janaína Paschoal, ele arrumou uma briga bem mais indigesta pela frente: Sérgio Fernando Moro, o juiz símbolo da operação ‘Lava Jato’, confronto que pode lhe custar muito caro.

Sua relação com o ex-ministro da Justiça já vinha desgastada há meses, devido às constantes desautorizações públicas. O que ocorreu há uma semana foi só a ‘gota d´água’.

É verdade que Bolsonaro foi eleito sem o apoio de Moro, mas também é fato que ele chegou ao Planalto muito mais pela onda anti-PT, com auxílio dos escândalos que vieram à tona há 6 anos.

Há gente que não votou na pessoa de Bolsonaro em si, mas no sentimento antiesquerda encarnado por ele. Não há absolutamente nenhum demérito nisso. Afinal, venceu a eleição democraticamente, no voto.

Verdade que não há nenhuma denúncia de corrupção contra ele, mas os filhos, que ele tenta proteger a todo e qualquer custo, são alvos de investigações na PF. Não é preciso elencar as razões aqui.

Sim, ele tem todo o direito de nomear o diretor geral da PF. No entanto, há uma suspeita aí. Por que tamanha insistência por determinado nome? Estranho. Afinal, é notória a ótima relação de amizade da sua família com quem ele insiste nomear.

Alega-se que os ministros do STF não podem impedir tal ato do presidente, mesmo que suspeito, em razão da sua prerrogativa constitucional e por que, também, foram indicados por amigos influentes, no caso, ex-presidentes.

Mas, mesmo com as indicações, os magistrados da mais alta corte de Justiça do país têm de passar por sabatina e aprovação do Senado. Além disso, contra quem se recorre de uma nomeação ao STF ? Desconheço.

Interessante notar que Dilma, à época, presidente, também com a mesma prerrogativa para nomear ministros, teve a vontade impedida pelo STF ao tentar emplacar Lula para blindá-lo no foro especial.

Agora, em situação semelhante, por meio denúncia de Sergio Moro comprovada pelas conversas de um aplicativo de mensagens, Bolsonaro pode ? No mínimo, incoerente. Seriam dois pesos e duas medidas.

Moro é uma figura pública. Ao decidir se desligar do governo, precisaria dizer as razões à sociedade. Ué? Queriam que ele dissesse o quê? Só a verdade.

A questão central gira em torno da teimosia e da arrogância do presidente que, mesmo só no tocante à crise sanitária, insistindo em negar a sua gravidade, tornaram-no uma figura antipática a parte expressiva da opinião pública, situação que vem sendo refletida nas últimas pesquisas de popularidade.

No entanto, apesar disso, ainda consegue manter uma fatia fiel de cerca de 30% de apoiadores. Por que ele ainda enfrenta o entendimento comum do mundo e das autoridades médico/científicas, além de criar outros conflitos completamente desnecessários ?

Isso só fragiliza ainda mais o seu governo.

A questão central é que se Bolsonaro mantiver esse comportamento nada ‘diplomático’ e seguir negando o óbvio, sobretudo na crise de saúde pública, a tendência é o seu governo começar a derreter, ruir.

Hoje, quem ajuda muito a sustentar o mandatário, com respaldo importante, é o seu ministro da Economia, Paulo Guedes, que ainda desfruta de confiança da sociedade.

Arrisco-me a dizer que Bolsonaro tornou-se ‘refém’ dele. Se Guedes resolver desembarcar também, a situação ficará muito delicada.

Bolsonaro precisa de terapia. Há um ego frustrado, parecido ao de uma ‘criança mimada’, escondido atrás daqueles olhos azuis.

Gabriel Clemente

* Gabriel Clemente é jornalista graduado pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Atuou como repórter da Rádio ABC, assessor de imprensa político e assistente de Comunicação Institucional do Centro Universitário Fundação Santo André (FSA)

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