Da Redação – De 21 de setembro a 14 de outubro, o Sesc Avenida Paulista recebe a Companhia do Latão com seu mais recente espetáculo, “Lugar Nenhum”. A estreia paulista da peça, que dialoga com as primeiras montagens da companhia, resulta de um desejo antigo do grupo de encenar o dramaturgo russo Anton Tchekhov.
No espetáculo, uma família composta de artistas intelectuais se reúne em uma casa de praia em Paraty para celebrar o aniversário de seu filho. A peça, que soa metalinguística em alguns momentos por pensar o próprio teatro, debate as relações dos discursos políticos e a distância com as ações práticas, bem como a impassibilidade de alguns setores da cultura frente aos desastres sociais da nação.
Lugar nenhum – Ambientada no fim do regime militar brasileiro, a narrativa descreve a reunião de familiares em torno do aniversário de um jovem estudante de medicina. Os membros são um cineasta decadente, uma atriz de sucesso que encena uma peça de Ibsen, um músico que foi preso durante a ditadura e um jornalista liberal.
Os diálogos que se seguem mostram situações de desespero, de excesso ideológico discursivo e de estragos cotidianos. Conjugando com a questão, a teatralidade crítica de Tchekhov se insere em trechos de seu diário de trabalho, reforçando a vocação questionadora da dramaturgia.
“Tchekhov realizou no teatro algo que Machado de Assis fez em seus romances, a sondagem dos desajustes entre vida ideológica e uma realidade social baseada na herança do trabalho servil (escravo, no caso brasileiro) ” – explica o diretor Sergio de Carvalho. “Ele procurava inscrever seus dramas patéticos em contextos sociais precisos: suas personagens são portadoras de ‘ideias-fixas’ porque pertencem a uma burguesia intelectualizada que tem dificuldades de compreender seu lugar histórico”.
Reafirmando os preceitos da companhia, o espetáculo coloca em xeque a atitude de inércia de alguns elementos do setor cultural – ancorada em discursos que levam a nenhum lugar -, e instiga a procura pela motilidade, por saídas reais e executáveis: “Na tradição de montagens recentes da Companhia do Latão, como ‘Ópera dos Vivos’ (em seu último ato) e ‘Os que ficam’, este espetáculo procura examinar as contradições dos produtores de cultura num momento de regressão social generalizada. A ironia, aqui, diz respeito não só à comédia ideológica de um grupo social específico, mas também à dificuldade geral de uma resposta – que só poderia ser coletiva – à nossa tragédia atual” – define o encenador.
COMPANHIA DO LATÃO – A origem do grupo está ligada à montagem de “Ensaio para Danton” (1996), inspirada no texto “A Morte de Danton” de Georg Büchner, com direção de Sérgio de Carvalho. Desde então, o grupo tem se dedicado ao estudo da obra teórica de Bertolt Brecht como um modelo para o teatro épico-dialético no Brasil.
Ao espetáculo de 1996, seguiram-se as montagens de “Ensaio sobre o Latão” (1997), sobre o conjunto de escritos teóricos de “A Compra do Latão” de Brecht, e “Santa Joana dos Matadouros” (1998), do mesmo autor. Ainda que trabalhando com uma dramaturgia pré-existente, as primeiras montagens da Companhia do Latão apresentam um caráter de releitura processual, espetáculos ensaísticos no sentido de uma recusa a se inserir no sistema produtivo como um “produto acabado”.
O grupo dá início a uma produção de dramaturgia própria, realizada na sala de ensaios de modo coletivizado, com base em improvisações dos atores e conjugada a uma pesquisa musical épica com “O Nome do Sujeito” (1998). Experiência de coletivização da escrita que se radicaliza no espetáculo seguinte, “A Comédia do Trabalho” (2000), peça mantida em repertório por anos, atingindo mais de 70.000 espectadores.
Em paralelo às grandes montagens, a Companhia do Latão realiza uma série de experimentos mais curtos, alguns deles com grande repercussão, sendo reapresentados diversas vezes, como “João Fausto” (1999) – baseado no libreto de Hanns Eisler e feito a convite do Instituto Goethe de São Paulo – e “Valor de Troca” (2002), que seria depois exibido na televisão (2007).
Com o apoio do Instituto Goethe, a Companhia do Latão realiza alguns importantes intercâmbios com artistas alemães, entre os quais Peter Palitzsch, colaborador de Brecht no Berliner Ensemble e Alexandre Stillmark, também oriundo do movimento teatral da Alemanha Oriental. Um desses trabalhos, ocorrido com o ensaísta Hans-Thies Lehman, tem como tema a obra do dramaturgo Heiner Müller e dá origem a “Equívocos Colecionados” (2004). No mesmo ano, o grupo estreia a peça “Visões Siamesas”.
Estreia em 2006 de “O Círculo de Giz Caucasiano”, com direção de Sérgio de Carvalho e artistas convidados de vários grupos de pesquisa. Sérgio de Carvalho é convidado para uma conferência na Casa Brecht de Berlim sobre a experiência em teatro dialético da Companhia do Latão. O “Círculo de Giz Caucasiano” é apresentado em Havana onde obtém o prêmio Villanueva, como melhor espetáculo estrangeiro de 2007, concedido pela União dos Escritores e Artistas de Cuba. O Estúdio do Latão é inaugurado em julho do mesmo ano e passa a sediar oficinas e abrigar uma pesquisa teatral e audiovisual intitulada “Ópera dos Vivos”, que se desdobra entre 2008 e 2011. Em 2012, o grupo ocupa o Teatro de Arena e funda o Núcleo de Estudos Anatol Rosenfeld. Em 2013, desenvolve a peça-ensaio “O Patrão Cordial”.
A edição da peça “Ópera dos Vivos” (Editora Outras Expressões) reunindo o texto da montagem, documentos e ensaios de pesquisadores, é lançada no fim de 2014. Em 2015 têm início os estudos dramatúrgicos do projeto “O Pão e a Pedra”. No ano passado a Companhia do Latão completou vinte anos e concebeu de forma colaborativa o texto de “Lugar Nenhum”, estreando em junho de 2018 no Rio de Janeiro. A estreia do espetáculo em São Paulo acontece no Sesc Avenida Paulista, cumprindo temporada de 21 de setembro a 14 de outubro.
Serviço – Espetáculo Lugar Nenhum, com a Cia do Latão, de 21 de setembro a 14 de outubro de 2018 (não haverá sessão no dia 7 de outubro por conta das eleições). Horário: 21h30 (quarta a sábado) e 18h30 (domingo), na Praça (Sesc Avenida Paulista, à Avenida Paulista, 119, São Paulo – Fone: (11) 3170-0800) – 60 lugares. Ingressos: R$ 30,00 (inteira); R$ 15,00 (meia: estudante, servidor de escola pública, + 60 anos, aposentados e pessoas com deficiência); R$ 9,00 (credencial plena: trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes). Duração: 120 minutos Classificação etária: 16 anos
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