Advocacia enfraquecida, justiça em risco

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* Leonardo Sica – A advocacia é essencial à realização de justiça. E justiça é a principal aspiração do ser humano. Advocacia e OAB protagonizaram a construção da nossa democracia e ocupam posição única: entre as esferas pública e privada, trabalham pela garantia dos direitos dos cidadãos e na defesa do Estado Democrático de Direito. É a única profissão jurídica com atuação em todos os pontos do sistema judiciário, com capilaridade que a torna o principal agente de aproximação entre os cidadãos e seus direitos.

Porém, a advocacia militante, que luta no dia a dia dos fóruns e tribunais, percebe um processo de fragilização da profissão nos últimos anos.

Pesquisa realizada pelo DataFolha confirma essa percepção e acende o alerta para o enfraquecimento de um dos pilares da administração da justiça. Somos mais de 1 milhão, a maioria trabalhando de forma autônoma (62%), com renda mensal média de até R﹩ 2.500,00 (44%) ou entre esse valor e R﹩ 5.000,00 (26%). Esses dados indicam algo próximo da miséria profissional. Com essa renda, o advogado precisa manter escritório, com despesas de locação, computadores, licenças de softwares, certificação digital, livros, cursos de especialização, anuidade da OAB e, claro, sustentar a família. O quadro é mais grave para as advogadas, que sofrem com a discriminação também na renda e são maioria nos litígios familiares, sempre mais desgastantes.

Embora o art. 133 da nossa Carta Magna diga que a advocacia é indispensável à administração da justiça, a precarização induz o oposto: o seu tratamento como dispensável, senão indesejada, na administração da justiça. Desde a revista ostensiva e por vezes vexatória na entrada dos Fóruns, passando pelo tratamento hostil em audiências e o cerceamento do uso da palavra nos tribunais, a advocacia vê o seu espaço ser progressivamente comprimido, com prejuízo aos cidadãos cujos direitos representam. Numa economia capitalista, esse processo também se relaciona com os problemas de mercado de trabalho verificados na pesquisa.

A distância colossal entre a remuneração de advogados e juízes e promotores aprofunda a disparidade entre os atores da justiça e cria hierarquia, onde a lei a proíbe. O cenário é ainda mais dramático se considerarmos que é a profissão jurídica mais afetada pela crise econômica e carente de segurança previdenciária. Com a implementação apressada da justiça digital, essas desigualdades se acentuaram, com transferência de ônus processuais e materiais excessivos para a advocacia, cujos escritórios tornaram-se extensões dos fóruns. O regime de teletrabalho dos servidores públicos, que pretende se estabelecer como regra, irá aprofundar esse distanciamento. Mais do que nunca, a justiça precisará da advocacia para funcionar. E essa precisará dos recursos para tanto.

Noutro aspecto, a pesquisa revela uma admirável disposição em superar essas dificuldades para cumprir o papel de garantir a paz social e a continuidade democrática. A advocacia brasileira tem alto grau de satisfação com seu trabalho (74%), ou seja, são milhares de profissionais que superam adversidades e reafirmam seu compromisso e vocação com a justiça.

A justiça é representada pela balança porque precisa de equilíbrio para existir. Para que a função da advocacia possa ser exercida com liberdade e independência é necessário proteger e diversificar seu campo de trabalho. Especialmente na pandemia, é urgente a criação de uma rede de apoio, baseada em três eixos: formação técnica gratuita, defesa das prerrogativas, suporte material e tecnológico

A OAB é a instituição natural para liderar essa rede de apoio. Para tanto, precisa, antes sintonizar-se com a realidade exterior à sua burocracia e, então, assumir sua legítima função corporativa, estimular a maior participação de advogadas e advogados na vida institucional, incluir mais jovens e negros (37%) e construir uma agenda coletiva de inovação que sirva como referência para uma sociedade carente de justiça.

* Leonardo Sica é advogado formado pela Faculdade de Direito da USP, doutor e mestre em Direito Penal pela USP, ex-presidente da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo)

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