“Hoje, vendo o incêndio que continua e continua, parece que as chamas queimam e machucam a história, os sentimentos e todos que frequentaram, pela vida e pela literatura, a igreja de Notre-Dame de Paris”
* Mauricio Fronzaglia – Meu primeiro contato com a igreja Notre-Dame de Paris foi um exercício de imaginação. Foi uma construção através da leitura do livro de mesmo nome, de autoria de Victor Hugo, em uma edição em português publicada, se não me engano, pelo clube do livro. Li nos primeiros anos dos anos 1990; em um tempo em que as enciclopédias eram o Google, as imagens disponíveis eram raras.
As descrições feitas por Victor Hugo da cidade de Paris, da Ilê de la Cité e da catedral de Notre-Dame formaram a imagem que fiz da igreja e da cidade anos antes que tivesse a oportunidade de conhecê-las, nos últimos anos do século passado. Ter seguido, pela leitura, os passos, os sentimentos e as angústias de Quasímodo (o corcunda) foi uma das mais belas e intensas experiências de leitura que tive.
Quando entrei pela primeira vez em Notre-Dame, meus passos foram lentos, meus olhares curiosos e meus sentimentos de admiração. Foi um sentimento intenso de estar maravilhado e espantado por tantas coisas e sensações belas. Eu estava entrando em um templo religioso, histórico e literário. Era como se pudesse vivenciar as tramas contadas no livro e os próprios sentimentos do autor ao escrever.
Era como se eu pudesse vivenciar as experiências sagradas dos que estiveram ali. Aos domingos, antes da missa das 18h30, o antiguíssimo órgão de tubos da Catedral acompanha os fiéis nos cantos que precedem e ocorrem durante a cerimônia. E, terminada a missa que nos remete aos rituais da idade média, o órgão continua a ser tocado por alguns minutos acompanhando e dando memórias aos devotos e visitantes que deixam Notre-Dame.
Retornei à igreja muitas e muitas vezes nos meses que vivi em Paris e a visitei todas as outras tantas vezes em que estive na cidade. É um rito obrigatório que me faz reviver e refazer a minha história e as histórias do local.
Hoje, vendo o incêndio que continua e continua, parece que as chamas queimam a machucam a história, os sentimentos e todos que frequentaram, pela vida e pela literatura, a igreja de Notre-Dame de Paris.
* Maurício Fronzaglia é especialista em relações internacionais
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