Movimento processa Estado de SP por ‘bancar’ aquecimento global

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Ação questiona destinação bilhões para indústria automotiva sem contrapartida climática

Da Redação – O Movimento Famílias pelo Clima entrou com uma ação contra o Governo do Estado de São Paulo por descumprimento da Política Estadual de Mudanças Climáticas , promulgada em 2009. O grupo alega que o Programa IncentivAuto, criado no final de 2019, oferece subsídios ao setor automotivo sem qualquer contrapartida para redução das emissões de gases do efeito estufa do setor.

O IncentivAuto prevê a concessão de financiamento de no mínimo R$ 1 bilhão para expansão de fábricas de veículos automotivos no estado, com desconto de 25% para pagamento antecipado quando o empréstimo for superior a R$ 10 bilhões. Em contrapartida aos recursos públicos utilizados, as empresas devem criar apenas 400 empregos, um montante irrisório em um Estado que fechou 340 mil vagas de emprego no primeiro semestre deste ano devido à pandemia.

A ação, protocolada na sexta-feira (25/9) na 6a Vara da Fazenda Pública do Foro Central, pede que o Governo de São Paulo apresente provas de que os projetos financiados pelo Programa IncentivAuto incluem medidas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), de adaptação aos impactos das mudanças climáticas e de implementação de tecnologias menos poluentes, como prevê a política climática do Estado.

“Minha filha de 11 anos tem me questionado por que os adultos não estão fazendo nada para impedir a crise climática, que já está gerando consequências diretas na vida dela. O que eu respondo pra ela?”, questiona Clara Ramos, que representa o movimento na ação judicial e é mãe de duas meninas. “Não posso mais ficar de braços cruzados esperando que as nossas lideranças façam alguma coisa, pois já percebemos que elas não vão fazer, pelo menos não na urgência necessária.”

A fala de Ramos explicita o sentimento que motivou a criação do Movimento Famílias pelo Clima, que integra o movimento global Parents for Future, – um coletivo de pais, mães e familiares que atuam em nome de seus filhos para buscar com urgência a contenção e adaptação às mudanças do clima. Grupos como este, que defendem os direitos humanos das futuras gerações, estão surgindo em todo o mundo. Eles estão partindo do ativismo em rede e da organização de protestos para o enfrentamento nos tribunais de governos omissos à crise climática.

“A ação faz parte de um movimento global de litígio que busca provocar o Judiciário a dar as soluções que governos não estão dando para combater o aquecimento global e mitigar os impactos das mudanças climáticas”, afirma Flavio Siqueira, advogado da ação. “Em um contexto de ondas de calor e recordes de temperatura alta, ações como essa são necessárias e urgentes para que a questão climática esteja inserida em políticas públicas como o Programa IncentivAuto.”

Na Austrália, grupos de adolescentes com menos de 18 anos estão enfrentando o governo contra a indústria do carvão mineral, uma das maiores do mundo e grande responsável por emissões de gases do efeito estufa. Em Portugal, seis jovens denunciaram 33 países na Corte Europeia de Direitos Humanos com a alegação de descumprimento de acordos de combate à mudança do clima.

Atraso

A indústria automobilística é responsável por parte significativa das emissões de gases e poluentes na atmosfera, tanto na etapa de produção quanto na circulação de veículos nas ruas. O Brasil está atrasado em relação ao resto do mundo na transição para tecnologias e fontes energéticas mais limpas no transporte.

O Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores, Proconve, instituído no âmbito federal, prevê a substituição da frota de ônibus e caminhões à diesel até 2022, com a adoção da tecnologia equivalente ao Euro-6, muito menos poluente – na Europa, isso foi implantado em 2015. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) quer adiar ainda mais esse prazo, usando os impactos da crise econômica como justificativa. Cada ano de atraso leva a 2.500 mortes adicionais em decorrência da poluição do ar, de acordo com levantamento do ICCT Brasil .

“O mundo desenvolvido está indo na direção de uma sociedade de baixo carbono. Enquanto isso, São Paulo, o estado mais rico e tecnologicamente avançado do Brasil, pode estar usando dinheiro público para financiar uma indústria automobilística do passado”, diz Mariana Menezes, do Famílias pelo Clima, mãe de três crianças. “Os formuladores de políticas públicas precisam urgentemente se sintonizar com os desafios e as oportunidades que a crise climática traz para o país”, completa Daniela Vianna, mãe de um menino e integrante do grupo.

Poluição mata

Por ano, nove milhões de mortes são atribuídas à poluição do ar em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. A médica patologista Dra. Evangelina Vormittag, diretora do Instituto Saúde e Sustentabilidade, aponta que, mesmo em um cenário de redução da poluição atmosférica de 5% entre 2012 e 2030, haverá no Estado de São Paulo um número de aproximadamente 250 mil óbitos e 1 milhão de internações no SUS por problemas relacionados à poluição, como câncer, acidente cardiovascular e problemas respiratórios em adultos e crianças.

Tratamentos de saúde e as altas taxas de mortalidade decorrentes da poluição atmosférica pela queima de combustíveis fósseis custaram o equivalente a 11% do PIB da China e a quase 1% do PIB do Brasil no ano de 2010, de acordo com o estudo “Better Growth, Better Climate”, de 2014.

“O custo da poluição do ar é muito maior do que os valores que precisam ser investidos para uma transição para a sociedade de baixo carbono, com foco em energias renováveis e deixando os combustíveis fósseis no solo e no passado”, afirma Pedro Hartung, do Instituto Alana.

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