* Dom Pedro Carlos Cipollini – A pandemia do coronavírus (declarada em 11 de março de 2020) é o primeiro evento verdadeiramente global. Deixará uma marca profunda em nosso tempo. Vai afetar nossa forma de pensar o poder, a economia, a sociedade e a vida.
É a própria alma da sociedade, ou seja, a relação inter-humana, que é posta em causa e o mundo que sairá deste acontecimento será diferente. Melhor ou pior? Quem sabe? Dependerá desta geração e da próxima.
As imagens das filas, de pessoas com máscaras, de doentes em hospitais, e caixões de mortos indo para o sepultamento, ficarão na memória por muito tempo. O contágio da doença aumentou o fosso socioeconômico e aponta para o distanciamento entre países pobres e ricos, após a pandemia.
A pobreza global aumentará este ano pela primeira vez em duas décadas, segundo dados de instituições internacionais. Vai atingir perto de 8% da população e significará mais fome. Esta sim, outra pandemia por vir, seguindo a clássica trilogia apocalíptica: peste, fome e guerra.
Neste contexto dramático, em que somente aqui no Grande ABC já morreram mais de mil pessoas, é preciso optar pela vida, para se evitar o pior. Pior? Sim, sempre pode piorar! Jesus Cristo indica a sacralidade da vida humana diante de todas as outras opções.
Há uma diferença essencial entre uma política feita em nome da vida, e outra que faz da morte de alguns, condição da vida de outros. Foi por isso que, apesar da dificuldade de aceitar o auto isolamento do clero, e o cancelamento das celebrações presenciais nas igrejas, vimos nesta medida, a retidão e o bom senso. Caso contrário, nos tornaríamos nós próprios instrumentos de contágio.
A solidariedade é nossa resposta de fé à tristeza e ao drama que se abateu sobre nossas comunidades, e sobre o mundo todo. “Estamos todos no mesmo barco e precisamos remar juntos” (Papa Francisco). O voluntariado adquire hoje toda sua beleza e força diante desta crise. Voluntariado feito de renúncias, generosidade, sacrifício e amor. Estas são as forças inspiradoras da graça de Deus que pode fazer tudo renascer: “Eis que faço novas todas as coisas (Ap. 21,5).
Deus age, assim como fez após o dilúvio, após o êxodo, após a morte de Jesus na Cruz… É neste fazer nova todas as coisas, que os cristãos tem um papel importante, uma missão “espiritual”. É dar alma aos acontecimentos em favor da justiça e da paz, construções contínuas, a serem sempre recomeçadas e nunca terminadas na história direcionada para o Reino de Deus.
Em qualquer situação humana a testemunha atesta o que foi dito e feito por outro. E nós somos testemunhas de Jesus Cristo, Filho de Deus que morreu e ressuscitou: está vivo! Com Ele o domínio da morte acabou. Por isso, tranquilizemo-nos uns aos outros quanto à vitória final do amor.
Jesus disse: “Meu Pai age sempre e eu também trabalho” (Jo 5,17). Precisamos discernir a ação de Deus mesmo em meio a esta pandemia e perceber o que Ele pede de nós para o futuro.
Ouso enumerar aqui algumas intuições de muitas pessoas neste tempo, com o olhar voltado para o futuro que se anuncia no pós-pandemia: Não apostar no mito de um progresso ilimitado que prescinde de Deus. A família humana deve ser solidária em todos os âmbitos da existência.
Uma ecologia integral que preserve a criação, a casa comum é tarefa urgente. Educar as mentes, mas antes, os corações. O ser humano deve reconhecer seus limites e fragilidades: não somos donos de nossas vidas. A par dos direitos e liberdade, existem os deveres e responsabilidades sociais uns para com os outros.
Que Deus nos dê coragem e nos ajude. Para Ele nada é impossível.
* Dom Pedro Carlos Cipollini é bispo de Santo André
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