Documento critica pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, reforça as orientações da OMS sobre o isolamento social e alerta para o risco à saúde pública com o corte de bolsas para pesquisadores
Da Redação – O documento da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas foi divulgado no início da noite desta quarta-feira, 25 de março, e reflete a preocupação da entidade com as declarações do presidente brasileiro, alertando para a importância do isolamento social como estratégia fundamental para o controle da pandemia provocada pelo novo Coronavírus.
Segue o documento na íntegra:
Manifesto Público sobre a situação do controle do Coronavírus no Brasil
No último dia 17 de março ocorreu a primeira morte no Brasil causada pelos efeitos da infecção pelo novo Coronavírus (COVID-19). Após uma semana, chegamos no dia de ontem (24 de março) ao total de 47. Esses números se somam aos quase 19.000 casos de mortes no mundo, com mudanças drásticas na distribuição geográfica da doença, que agora, atrás da Itália, tem Espanha como o segundo país com mais mortes. A Organização Mundial de Saúde antecipa a preocupação na expansão da crise, ao dizer que os Estados Unidos podem ser o novo epicentro da doença.
Em meio a esta crise, não há espaço para definições de políticas públicas sem embasamento científico, ou mesmo balizadas por ideologias pessoais ou de grupos específicos no poder. Ir na contramão do que é preconizado pela Organização Mundial da Saúde, e outras entidades de saúde, e ignorar ações efetivas no controle da pandemia empregadas em outras nações no planeta, tais como a orientação do distanciamento social que é estratégia fundamental para o controle da doença, é agir contra os interesses da saúde coletiva no Brasil.
A COVID-19 afeta de crianças a idosos, e aqui no país este último grupo tem sido fortemente afetado, principalmente se apresenta comorbidades. Ao sugerir o chamado “isolamento vertical” em pronunciamento nacional, o Sr. Presidente ignora o processo de infecção e disseminação do vírus, criando um ambiente dúbio que pode acarretar a morte de milhares de cidadãos. Essa estratégia foi adotada inicialmente pelo Reino Unido que voltou atrás e agora adota a quarentena como atitude mais acertada.
Ao mesmo tempo que o Sr. Presidente não parece demonstrar a menor preocupação com este grupo de risco, também negligencia comunidades carentes que já tanto sofrem com o real significado do “isolamento social”.
Também não é momento para apostas. Ao indicar que cloroquina e hidroxicloroquina, chamadas de “remédio da Malária” por parte da população, podem representar a cura para a COVID-19, novamente a ciência é negligenciada. Não há qualquer estudo que confirme a utilidade destes medicamentos para cura, ou mesmo prevenção, desta doença. Os estudos preliminares divulgados fortemente no mundo inteiro só fizeram aumentar o risco da automedicação, e levando a mortes em vários países. Além disso, escancarou a fragilidade do controle de farmácias e drogarias na orientação responsável de pacientes (clientes), o que só amplia a preocupação.
Por fim, ao destinar a Deus o trabalho de cientistas no Brasil, o Sr. Presidente assume que este governo não trabalhará de forma alguma para reforçar a autonomia científica e tecnológica do país, deixando universidades, institutos e empresas de pesquisas abandonadas, com orçamentos limitados para a pesquisa e ensino. Esta posição do Estado pode ser reforçada pela Portaria 34 divulgada pela CAPES em 9/3/2020, em meio à crise pandêmica, que limita ainda mais a disponibilidade de bolsas para pesquisadores no Brasil. Fato este que pode ajudar a piorar mais severamente as condições de laboratórios de pesquisa por todo o país, afetando a formação dos futuros líderes que atuarão nas crises futuras.
Sem a Ciência como base para definição das políticas públicas desse país, vamos ficar à mercê de uma única certeza, o número de mortes vai ser muito maior que o previsto.
Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas (ABCF)
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