Texto: André Julião (Agência FAPESP)
Da Redação – Pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP) e colaboradores desenvolveram um composto à base de paládio – metal branco prateado pertencente ao mesmo grupo da platina – capaz de combater células de tumor ovariano sem afetar o tecido saudável.
Nos testes feitos in vitro, com linhagens de células tumorais, a molécula mostrou ação mais seletiva e potente que a da cisplatina – fármaco mais usado hoje contra esse tipo de câncer. O novo composto mostrou-se eficaz até mesmo em linhagens tumorais resistentes à cisplatina.
“A cisplatina é um quimioterápico muito eficiente para esse tipo de tumor, que costuma ser bastante agressivo e precisa ser combatido rapidamente. No entanto, o tratamento pode apresentar efeitos colaterais muito severos, principalmente para rins, sistema nervoso e auditivo. Isso ocorre porque a molécula [cisplatina] não é muito seletiva, ou seja, afeta também células saudáveis”, explicou Victor Marcelo Deflon, professor do IQSC-USP e coordenador do projeto.
O trabalho foi conduzido durante o doutorado de Carolina Gonçalves Oliveira, atualmente professora do Instituto de Química da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Maior estabilidade
Como explicaram os pesquisadores, os compostos de paládio são metabolizados muito rapidamente no organismo humano, o que dificulta sua penetração na célula tumoral e a chegada ao alvo molecular. Para viabilizar o uso dessas substâncias no tratamento do câncer, portanto, foi preciso desenvolver moléculas mais estáveis contendo o metal.
Uma série de complexos à base de platina e de paládio foi produzida pelo grupo. Depois de testar as diversas combinações, os cientistas identificaram duas que, além de paládio, contêm compostos chamados tiossemicarbazonas, classe que promove o efeito de estabilização. Os compostos tiveram as suas estruturas químicas caracterizadas por uma técnica conhecida como difração de raios X, que consiste em observar como o material difrata a radiação emitida sobre ele.
Alguns compostos da classe das tiossemicarbazonas são conhecidos por atuar na chamada topoisomerase, enzima presente em tumores e que participa do processo de replicação do DNA – alvo potencial, portanto, para quimioterápicos.
A cisplatina, por sua vez, atua diretamente no DNA, causando mudanças estruturais no material genético que impedem a célula tumoral de copiá-lo. “São alvos diferentes, mas tanto a cisplatina quanto os compostos de paládio inibem o processo de divisão celular do tumor”, explicou Deflon.
Ação no núcleo
O complexo 1, como foi nomeada a combinação mais promissora de paládio e tiossemicarbazonas, atua diretamente na topoisomerase. Em testes realizados pelo grupo nas culturas de células tumorais, verificou-se que 70% do complexo atravessa a membrana celular em 24 horas. A maior parte se deposita no citoesqueleto – estrutura composta de diversos filamentos no interior da célula. Uma pequena parte do complexo, cerca de 3%, entra no núcleo. Entre os compostos de platina usados atualmente, uma concentração ainda menor do princípio ativo é capaz de adentrar o núcleo.
Além disso, o complexo 1 tem ação quase três vezes superior contra as células tumorais resistentes à cisplatina. Ao mesmo tempo, não afeta células saudáveis. Essa característica seletiva confere menor toxicidade à molécula, evitando os efeitos colaterais dos tratamentos atuais.
O complexo 2, por sua vez, é mais seletivo do que a cisplatina. No entanto, sua ação só é mais efetiva contra uma variedade de células tumorais também sensível à cisplatina. Esse fato sugere que o seu mecanismo de ação seja o mesmo da cisplatina, mas novos testes precisam ser feitos para comprovar essa hipótese. Além disso, apenas 18% do complexo atravessa a membrana da célula tumoral.
Os pesquisadores buscam agora desenvolver versões ainda mais eficientes do complexo 1. A ideia é obter uma molécula que possa ser testada em animais com grande chance de sucesso. Só depois de testes bem-sucedidos nesses modelos o candidato a fármaco poderia ser testado em humanos.
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