Refazer vínculos, estimular autonomia e garantir direitos de pessoas que estiveram internadas anos em manicômios são metas da desinstitucionalização
Da Redação – Decidir tomar uma xícara de café, chá ou um copo de suco. Há pouco mais de dois anos, essa escolha não era realidade para os 13 moradores do Serviço de Residência Terapêutica (RT) de Diadema, espaço para acolher os egressos de hospitais psiquiátricos internados por longos períodos.
A equipe de cuidados da RT é composta por uma coordenadora, duas enfermeiras, 11 cuidadores e uma profissional de serviços gerais. Embora tenham supervisão para atividades cotidianas e manutenção do tratamento, eles reaprendem vínculos sociais e tentam cada um a seu modo ressignificar a vida fora do hospital psiquiátrico.
“Liberdade é direito dessa parcela da sociedade que foi enclausurada. Em algum momento da vida dessas pessoas, essa liberdade foi tirada, mas aqui eles conseguem se cuidar e voltar a ter uma relação social e familiar”, afirmou a enfermeira e coordenadora da casa, Zélia Tolentino da Silva.
“A dinâmica da casa é de uma moradia como outra qualquer. Eles estabelecem a própria rotina, escolhem os horários das atividades, tem o dever de manter limpa e organizada. Além disso, o trabalho de fortalecimento de vínculos é diário, delicado e singular, utilizando os recursos que cada um tem e no seu tempo”, ressalta Zélia.
Implantada em fevereiro de 2018, a casa de 11 cômodos é a moradia de homens e mulheres, com idade entre 53 e 92 anos. Elias Souza dos Santos ficou aproximadamente 12 anos em hospitais psiquiátricos. Hoje, é responsável por algumas tarefas da casa. “Eu gosto de morar aqui. É melhor do que onde eu estava. Aqui, eu abro o portão, cuido da reciclagem, levo o lixo para fora”, detalha o morador.
Nova Casa
Com o movimento de luta antimanicomial e a Portaria nº 106/2000, do Ministério da Saúde (MS), que introduz as residências terapêuticas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), os manicômios começaram a ser fechados e substituídos por serviços abertos de tratamento, buscando a desinstituionalização. Em sociedade, o paciente com transtorno mental, quando estabilizado, leva uma vida normal dentro de suas possibilidades, o que resgata e melhora a autoestima da pessoa.
“Quando começou a reforma psiquiátrica no Brasil, o serviço de RT foi um dispositivo fundamental, porque existiam muitas pessoas que estavam morando em hospitais psiquiátricos sem nenhuma indicação clínica para isso. Então, estavam com seu direito de ir e vir ferido”, explica a coordenadora de Saúde Mental do município, Denise Miyamoto de Oliveira.
Devido à longa permanência e ausência de convívio social, os pacientes perderam os vínculos familiares, o que impossibilitava de retornar para suas casas ou famílias. Assim, a RT era a única opção para aqueles pacientes que precisavam reaprender a conviver socialmente.
“Alguns moradores passaram por internação de 20, 30, 40 anos. Aqui, há uma moradora aqui que ficou 70 anos em um hospital psiquiátrico. Aqueles que estavam internados não sabiam o que acontecia fora dos muros do hospital e quando começamos a nos aproximar dessas pessoas, elas não queriam vir. A construção do resgate desse direito foi o primeiro passo. O vínculo construído dentro do hospital também foi levado em consideração nesse processo”, esclarece Denise.
Atualmente, três moradores de Diadema estão internados em manicômios nos municípios de Franco da Rocha, Marília e Lins. Até o final do primeiro semestre de 2020, a Prefeitura pretende instalar o segundo Serviço de Residência Terapêutica para receber essas pessoas. Com a nova residência, será possível realocar esses cidadãos em duas casas e nenhum morador de Diadema estará internado em manicômio.
O município deu entrada na habilitação da RT no Ministério da Saúde (MS) e aguarda cadastramento do serviço. Atualmente, Diadema investe R$ 71,5 mil para despesas e manutenção da casa, sendo R$ 58,5 mil da Prefeitura e R$ 13 mil do MS.
Pioneirismo – Diadema foi o primeiro município brasileiro a implantar serviço de psicologia na rede pública, nos anos 90. Atualmente, todas as 20 Unidades Básicas de Saúde (UBS) possuem equipes de saúde mental, compostas por assistente social, fonoaudiólogo, psicólogo e psiquiatra. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) da cidade conta ainda com três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) tipo III, um CAPS Infantil e um CAPS Álcool e Drogas, atendimento no Pronto Socorro Central e enfermaria no Hospital Municipal. Após o acolhimento e a avaliação, a equipe multiprofissional indica o tratamento específico e individual para cada caso.
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