Prof. Dr. Jack Brandão analisa nova proposta do MEC e seu impacto nas universidades federais
Da Redação – No último dia 17 de julho de 2019, o Ministério da Educação (MEC) lançou, oficialmente, o Future-se, programa que visa a reestruturar o financiamento das universidades federais por meio da captação de verba privada. Antes de sua adesão, que é de caráter voluntário, a medida foi aberta para consulta pública na internet.
Com o programa, as universidades poderão realizar parcerias público-privadas (PPPs), criar fundos patrimoniais (com doações de empresas ou ex-alunos para financiamento de pesquisas ou investimentos de longo prazo), ceder nomes de campi e de prédios para alguma marca em troca de patrocínio para construção e revitalização das instituições, bem como criar ações de cultura que possam captar verbas pela Lei Rouanet.
Diante de tal iniciativa, lançada em meio ao contingenciamento de verbas das universidades federais e anunciado pelo governo em abril deste ano, pode-se questionar: será essa a solução para o investimento da educação superior no Brasil?
O Prof. Jack Brandão, Doutor em Literatura pela USP, pesquisador e especialista em imagens, aponta algumas ressalvas com a medida. “A iniciativa privada tem um papel muito importante em vários setores, incluindo o da educação, mas não podemos nos esquecer de que a prerrogativa desta área é do Estado. Este, por sua vez, nunca poderá se eximir de sua obrigação” e, ainda que “o setor privado deva contribuir, tal contribuição deve sempre agregar, não levar a adoção de uma responsabilidade que não é sua, mas do poder público”.
Brandão manifesta uma preocupação em relação ao perfil das universidades que aderirem a tal programa; pois, segundo ele, poderão assumir um modelo mais mercadológico, à semelhança do que acontece em muitas instituições privadas: “Se muitas universidades do setor privado já não visam à pesquisa em si, mas simplesmente ao lucro, ao dissimulá-la apenas para manter seu status quo, ou seja, sua liberdade acadêmica, imaginemos o que poderia acontecer ao setor público se tal modelo também chegasse aos campi das públicas! Isso sem contar com salas de aula abarrotadas por um número absurdo de alunos e o abandono de seu papel de estimuladora de inovações sociais. Portanto, eximir certas responsabilidades de ordem pública e transferi-las para a iniciativa privada de modo que ela possa ganhar mais e, pior, sem contrapartida a não ser o mero lucro, não só pode ser um risco para o país, como também para seu futuro”.
Outra questão levantada pelo professor é a formação de grandes conglomerados empresariais que estão dominando o ensino superior privado, como modelo da não oferta das devidas verbas à pesquisa acadêmica. Segundo o pesquisador, trata-se de um cenário distinto de outros locais como os EUA, por exemplo, onde grande parte das universidades é do setor privado, porém voltadas, exclusivamente, para a pesquisa. “Como os custos das universidades estadunidenses são elevados, muitos alunos são obrigados, por exemplo, a dedicarem-se muitas horas em pesquisas ou na prática de algum esporte como forma de abater os custos. Surgem, dessa maneira, grandes pesquisadores e também esportistas, por exemplo”.
Jack Brandão ressalta ainda o perigo de determinadas construções imagéticas que podem nos levar a defender certas mudanças que, nem sempre, se configuram a melhor opção, ainda que o modelo existente também não seja o melhor. “O aumento da verba privada no orçamento das instituições federais é um exemplo. Sabemos que o ensino superior possui uma série de deficiências que necessitam ser sanadas, mas a grande questão é: como fazê-las? Infelizmente, criou-se a imagem de que educação e governo não combinam, de modo especial diante de fatores como falta de verbas, corrupção, péssima qualidade do ensino etc., mas que nem sempre condizem com a realidade”.
De acordo com um ranking divulgado pela Times Higher Education, o número de instituições brasileiras de ensino superior entre as mil melhores do mundo reduziu de 21 para 15, em relação ao ano de 2017. Segunda redução consecutiva, já que, em 2016, o número era 27. “Para muitos, tais dados são resultado do descaso governamental em relação à educação, logo a solução é simples: tirar a responsabilidade do poder público! Todavia, o que muitos esquecem é que, ao transferi-la para a área privada, muitas prioridades que necessitam ser atendidas serão minimizadas, é o caso da pesquisa que é o mais gritante.”
Prof. Dr. Jack Brandão conclui, portanto, que o grande problema não é a falta de financiamento público, mas como ele é aplicado nos segmentos do país. Para ele, é preciso analisar com cautela tal programa do MEC e que a polarização em que se encontra o país tem dificultado esse olhar crítico. “Quem é favorável ao governo, concorda com grande parte de suas medidas e quem é contra, por sua vez, discorda. Precisamos nos desprender desse comportamento automático para que realmente possamos enxergar o que está acontecendo”, afirma.
Sobre o Prof. Dr. Jack Brandão: Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP). Diretor do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS, editor da Lumen et Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem, pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes pictográficas, escultóricas e fotográficas.
Mais informações: condesfotosimagolab.com.br
Canal no Youtube: www.youtube.com/user/jackbran
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