Agricultura familiar: asfixiar para devorar

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* Márcia Lia – O desmonte de políticas de fomento à produção de alimentos pela agricultura familiar, os ataques ao MST e à sua luta essencial pela justiça no campo, a liberação recorde de veneno para uso na agricultura de larga escala, a sugestão aos fazendeiros que atirem em trabalhadores sem-terra, as alterações propostas no Código Florestal e a transformação de órgãos como o Incra em representante dos interesses dos produtores de commodities e latifúndios compõem um enredo que começou a ser colocado em prática com o golpe de 2016.

No Brasil ideologicamente protetor do grande capital não há espaço para que o trabalhador e a trabalhadora permaneçam no campo e produzam alimentos. A tática é cortar mais que a oferta de recursos. A tática é cortar a esperança e a resistência que o povo e os movimentos organizados do campo representam e exercem.

O desmonte começou com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, há exatos três anos, em 13 de maio de 16, sob Temer. A estrutura que se seguiu cuidou de cortar recursos. PAA, PNAE e Pronaf foram sendo asfixiados. Pequenos produtores assentados da reforma agrária estão perdendo produção por não terem a quem entregar. Como consequência, entidades e órgãos públicos que recebiam alimentos pelo PAA tiveram cessadas as entregas.

Com a reforma agrária na mão de representantes do latifúndio, até o Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) está claudicante.

Nem os assentamentos já instalados estão seguros. É o caso do Assentamento Luiz Beltrame, de Gália, cujos assentados receberam uma notificação de reintegração de posse requerida pelo ex-proprietário da terra e acatada por juiz federal de Bauru. O argumento, a baixa produtividade do assentamento, instalado em 2013. A área havia sido desapropriada em 2010, por improdutividade.

O ‘Luiz Beltrame’ já recebeu investimentos estaduais e federais em estrutura, máquinas e equipamentos e apresenta uma produção de milho, mandioca, maracujá e feijão orgânico. Depois de seis anos, tem de lutar para permanecer na terra. Qual o sentido disso?

No Pontal do Paranapanema, a titulação da terra para assentados está possibilitando que muitas famílias vendam seus lotes, descaracterizando totalmente os objetivos da reforma agrária. Por que isso? Pelas dificuldades de realizar a produção, corte nos recursos dos programas federais, estradas mal cuidadas, falta de equipamentos, entre tantos outros obstáculos. Fomentar a produção de alimentos e ‘matar a fome dos famintos’ é uma decisão essencialmente política.

E isso é o que mais falta.

Os 25 anos de governos do PSDB à frente do Estado minguaram o orçamento para a agricultura: o que já foi de 4% está hoje em 0,4%, 0,5%. Dispensa comentários.

Paralelamente, o governo de João Dória promoveu alterações importantes para a agricultura e meio ambiente sem a necessária discussão com as equipes técnicas dessas áreas. Os decretos 64.122, 64.131, 64.132 e 64.089/2019 reestruturam as políticas públicas voltadas à agricultura familiar, de defesa e proteção do meio ambiente e dos recursos naturais; a fusão das Secretarias de Infraestrutura; Meio Ambiente, Saneamento e Recursos Hídricos; e Energia e Mineração em uma única Pasta; as mudanças internas da Secretaria de Agricultura; e as alterações nos conselhos.

Uma mudança dessa estatura requer debate, estudo e avaliações preliminares.

Outras mudanças são a diminuição de regionais da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) e a “municipalização” das Casas de Agricultura, que irá impactar no orçamento das cidades. O Itesp deve perder espaço, bem como os institutos de pesquisa, como o Instituto da Pesca; o Jardim Botânico poderá ser explorado pela iniciativa privada.

A desconstrução está posta. A violência no campo contra homens e mulheres de luta e contra o meio ambiente não é por acaso. E tudo em nome do lucro para quem já tem muito.

Se não revertermos esse processo consequências trágicas nos esperam logo à frente.

* Márcia Lia é deputada estadual de São Paulo pelo PT

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