Programa criado e mantido pelo Consórcio Intermunicipal Grande ABC já abrigou 1.150 mulheres e é referência nacional na proteção da mulher
Da Redação – Comemorado em todo o mundo em 8 de março, o Dia Internacional da Mulher foi instituído pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 1975 para celebrar, entre outros temas, a luta por melhor qualidade de vida feminina. E é com esse mesmo objetivo que foi criada, em 2003, a Casa Abrigo Regional Grande ABC, programa mantido pelo Consórcio Intermunicipal Grande ABC e que já protegeu 1.150 mulheres das sete cidades da região desde a sua criação.
O serviço regional visa garantir segurança e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, sob risco iminente de morte, intervindo no chamado “ciclo da violência”, que pode começar com agressões verbais e migrar para a violência física com o passar do tempo. O objetivo da ação é propiciar condições para a restruturação física e psicológica da mulher.
O acolhimento das mulheres, que é uma forma de tirá-las do alvo de seus agressores, ocorre em uma das duas unidades do programa, que têm endereços mantidos em sigilo. Juntos, os dois equipamentos podem atender até 40 pessoas por um período de até 180 dias, dependendo da complexidade de cada caso. Filhos e filhas das mulheres, com menos de 18 anos, também podem ser amparados nessas casas.
“O abrigamento e o sigilo são importantes para os casos em que os autores da violência tem hábito de perseguição. Se esse abrigo tiver uma placa, o agressor vai tentar chegar lá e buscar a companheira dele. Isso pode colocá-la em risco”, comenta a assistente social e coordenadora do Programa Casa Abrigo Regional Grande ABC, Flaviana Melo.
Instituído em 5 de dezembro de 2003, o projeto regional é referência nacional em política pública para o enfrentamento à violência contra as mulheres e já abrigou, entre janeiro de 2004 e fevereiro de 2019, aproximadamente 1.150 mulheres e 2.000 crianças e adolescentes.
Segundo levantamento feito pelo programa, somente 12% das mulheres atendidas pela Casa Abrigo Regional Grande ABC retornam ao mesmo convívio do agressor, o que mostra a efetividade da ação na restruturação social da mulher.
“A Casa Abrigo é um programa que mostra a importância do Consórcio Intermunicipal Grande ABC no desenvolvimento de políticas públicas regionais que impactam diretamente na população da região. Neste caso, é uma ação que salva a vida de mulheres em situação de violência doméstica, o que se torna ainda mais importante”, afirma o presidente do Consórcio Intermunicipal Grande ABC e prefeito de Santo André, Paulo Serra.
A iniciativa foi trazida ao Consórcio pelo movimento organizado de mulheres do Grande ABC. Além de várias entidades e ONGs, destaque para as PLPs (Promotoras Legais Populares, um grupo de mulheres organizadas e que atuam na área social. Um desses grupos, o Proleg trabalha com o empoderamento da mulher para que ela possa romper com o ciclo de violência e levar uma vida normal longe dos agressores.
A psicóloga Claudia Giovana Batista, 50 anos, é coordenadora do projeto Promotoras Legais Populares (PLPs) de Santo André. Claudinha, como é conhecida, atua como PLP e desenvolve um trabalho social importante: a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) Amiga. “O projeto dá formação em orientação jurídica e apoio psicológico para que essas mulheres saibam dos seus direitos e até mesmo como registrar um Boletim de Ocorrência por agressão”, destaca.
Para a advogada Maria Luísa Monteiro Canale, o trabalho desenvolvido pelas duas unidades da Casa Abrigo Regional Grande ABC é referência nacional e os prefeitos e demais lideranças políticas da região precisam pensar com muito carinho na manutenção e até mesmo no aprimoramento do projeto.
“A Casa Abrigo tem como seu papel principal o acolhimento de mulheres em situação de violência para cessar essa violência familiar. São duas unidades. O principal trabalho da Casa Abrigo é a interrupção ainda que momentânea desta situação de violência e dar às mulheres agredidas apoio e acolhimento para passar por essa fase e ter condições de seguir em frente. O agressor bate na mulher e na família também”, destaca Maria Luisa.
Dinâmica do Serviço
Quando a mulher decide denunciar o agressor, ou alguém o faz por ela, conforme lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, ela normalmente dirige-se à delegacia comum ou à DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), se o município tiver esse serviço, para fazer boletim de ocorrência. O Grande ABC possui 4 DDMs: em Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema e Mauá.
A delegada Renata Lima de Andrade Crupp, há dez anos na Polícia Civil, tem trabalhado nos últimos seis anos como titular da Delegacia de Defesa da Mulher de Diadema. “O feminicídio é um crime de ódio, pré-anunciado e está presente no ambiente familiar, mas existem casos de agressão fora do núcleo familiar pelo simples fato de ela ser mulher”, destaca.
Segundo ela, a mulher agredida não consegue identificar no primeiro momento os motivos de ela estar sendo agredida, e daí vem o medo, o que leva algumas a aceitar essas agressões. “No primeiro momento, ela não percebe. Ela só vai perceber que vive um ciclo de violência quando essas agressões aumentam rapidamente ou quando estiver muito machucada”, destaca.
Após o atendimento na delegacia, a mulher é encaminhada ao Centro de Referência no Atendimento à Mulher em Situação de Violência ou, nos municípios que não houver o serviço, ao Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) para receber acompanhamento ou orientação acerca da sua condição. A equipe técnica do CR (Centro de Referência) avalia o caso e, identificando o risco iminente de morte, contata a equipe técnica da Casa Abrigo Regional Grande ABC para discutirem a viabilidade do abrigamento
No Grande ABC, três municípios possuem Centro de Referência Especializado no Atendimento à Mulher em Situação de Violência: Santo André (Vem Maria, na rua João Fernandes, 118, bairro Jardim), São Bernardo do Campo (Márcia Dangremon, na rua. Dr. Fláquer, 208, 2° Andar, Centro) e Diadema (Casa Beth Lobo, na rua das Turmalinas, 35 – Centro).
Definido o abrigamento, as mulheres tomam conhecimento das regras das casas e, diante da aceitação, são inseridas no Programa Casa Abrigo, sendo, imediatamente, levadas a uma das unidades, juntamente com seus filhos ou filhas menores de 18 anos, se assim preferirem.
Na casa, mulheres e filhos recebem encaminhamento psicossocial, educacional, de saúde, trabalho e renda e acompanhamento jurídico. O tempo e a condição da mulher são respeitados e toda e qualquer deliberação é feita, conjuntamente, entre a equipe técnica das casas, do CR e a mulher. As abrigadas são inseridas nos serviços públicos da região buscando-se, com isso, promover autonomia e empoderamento para que elas eliminem o ciclo da violência.
O desabrigamento, ou desligamento do serviço regional, é avaliado, pactuado e realizado entre a mulher, o CR de origem e equipe das casas, tendo como relevância para a realização do procedimento a análise da situação da mulher frente à violência e às suas condições físicas, psicológicas e financeiras.
A socióloga Dulce Xavier, integrante da Frente Regional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher no Grande ABC, também ressalta a importância do serviço prestado. “A Casa Abrigo tem uma importância fundamental para salvar vidas, em um trabalho articulado a rede serviços nas cidades. Esta iniciativa é um grande exemplo de política pública regional, pois acolhe as mulheres de todos os municípios da região, independentemente do tamanho, da estrutura e da condição financeira de cada um deles”, defende.
CASE DE SUCESSO
Do drama da violência doméstica à recuperação social e ingresso na universidade
Considerado medida radical de proteção da vida da mulher, o abrigamento pode contribuir para mudar a vida de quem sofre violência doméstica. Moradora da região, Cláudia Cesar Costa contou com a estrutura e a equipe especializada do Casa Abrigo Regional Grande ABC, mantido pelo Consórcio Intermunicipal Grande ABC, após sucessivas agressões do ex-marido. Durante o período em que esteve abrigada, ela conseguiu concluir o tratamento contra um câncer de mama, retomar os estudos e ingressar na faculdade para cursar psicologia.
Cláudia foi casada por dez anos, mas considera que sua lua-de-mel com o marido acabou após um ano e meio, quando levou o primeiro tapa dele. “Eu já estava num processo de dano psicológico muito grande há quase dez anos e sofrendo cada vez mais, pois as agressões só aumentavam”, afirma.
Também por medo de novas agressões, ainda enfrentava praticamente sozinha o tratamento do câncer, contava apenas com ajuda da vizinha para ir até o hospital. Quando recebeu o diagnóstico da doença, em vez de apoio, enfrentou desconfiança do marido sobre os deslocamentos contínuos que passaria a fazer.
A história ganhou contornos ainda mais dramáticos justamente em meio ao processo de quimioterapia, que já se prolongava por oito meses e exigia deslocamentos diários ao hospital. Além de não contar com nenhuma ajuda do marido, Cláudia ainda o flagrou comentando com um amigo que pretendia matá-la, tomado por desconfianças de traição. No dia seguinte, transtornada e abalada psicologicamente, trancou-se com o marido dentro da própria casa e ateou fogo no imóvel. As chamas consumiram parte do local, mas não atingiram o casal.
Orientada pelas vizinhas, decidiu fazer um boletim de ocorrência contra o marido e foi encaminhada para a Casa Abrigo Regional Grande ABC. “Extrapolei todo o tempo de permanência na Casa Abrigo (180 dias), principalmente por causa do tratamento contra o câncer e depois devido aos estudos. O Programa teve importância muito grande em minha vida, não só no momento em que fui abrigada, mas até hoje, pois não me sinto desamparada em nenhum momento”, afirma Cláudia.
“O machismo é nosso grande inimigo”
Da Redação – Mudar a realidade de violência contra a mulher passa pela conscientização e sensibilização dos homens, afirma o coordenador do Grupo Temático Gênero e Masculinidades do Consórcio Intermunicipal Grande ABC, Eurico de Marcos Jardim.
Criado em novembro de 2015, o grupo temático foi formado originalmente pelos integrantes do primeiro curso sobre Gênero e Masculinidades realizado pelo Consórcio naquele ano, com o objetivo de contribuir com a desconstrução da cultura da violência contra as mulheres, por meio da discussão de temas como feminismo e masculinidades.
“A sociedade ainda admite a violência como forma de resolução de conflitos, por isso temos de fazer nossa lição de casa e promover a reflexão sobre questões fundamentais e multiplicar conhecimentos. Nosso trabalho é sempre voltado para os direitos humanos, e o machismo é o nosso grande inimigo. Enquanto houver machismo não vamos acabar com a violência contra a mulher”, ressalta.
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