Sesc Av. Paulista recebe espetáculo com foco no acidente radiológico de Goiânia

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Da Redação – Na próxima quinta-feira (29), acontece a estreia no Sesc Avenida Paulista do espetáculo “Void”, criação do italiano radicado no Brasil Alvise Camozzi. O solo relata, a partir de perspectivas distintas, acontecimentos que compõem o caso do Césio 137, um desastre radioativo que aconteceu em Goiânia na década de 1980, considerado o maior acidente radiológico acontecido no mundo, fora das centrais nucleares.

Alvise, que divide a direção com Beatriz Sayad, traz para o palco um relato prismático do incidente, comungando a versão oficial com relatos dos sobreviventes, a versão de quem ouviu falar sobre o caso e o imaginário que se criou acerca do ocorrido.

A dramaturgia de Alvise em colaboração com a também italiana Letizia Russo, leva o espectador a questionar a real ocorrência da tragédia e a repensar o processo de sedimentação e apagamento das memórias coletivas, bem como a sensibilidade das pessoas na percepção da realidade.

O projeto contempla ainda uma instalação, híbrida ao espaço cênico, que promove a interatividade entre os próprios visitantes e entre os visitantes e o espaço, complementando a experiência do espetáculo

O ACIDENTE

Em 1987, transição entre a ditadura e o período democrático, na cidade de Goiânia dois jovens encontram no abandonado Instituto Goiano de Radioterapia um antigo aparelho radioterápico. Eles desmontam o equipamento e o vendem para um ferro-velho da cidade.

No interior do maquinário havia um núcleo de material radioativo, Césio 137, pó azulado que em ambientes escuros possui tom luminescente. O material chamou atenção do dono do ferro-velho que, maravilhado com o efeito brilhante, levou o pó para a família e acabou por se espalhar pela cidade.

Oficialmente, foram contabilizadas 4 mortes, 151 contaminados graves e 1143 pessoas afetadas pela radiação do Césio 137. A Associação das Vítimas do Césio 137 afirma que até o ano de 2012, quando o acidente completou 25 anos, cerca de 104 pessoas morreram nos anos seguintes pela contaminação, decorrente de câncer e outros problemas, e cerca 1600 tenham sido afetadas diretamente.

Várias pessoas sobreviveram, apesar das altas doses de radiação. Isto pode ter acontecido, em alguns casos, porque receberam doses fracionadas. Com o tempo, os mecanismos de reparo do corpo poderão reverter o dano celular causado pela radiação.

O ESPETÁCULO

Em “Void”, o artista italiano Alvise Camozzi retoma sua pesquisa sobre as fronteiras entre a realidade e a ficção a partir de narrativas mnemônicas. Em “Psicotrópico”, seu último trabalho, Alvise explorou a sobreposição de histórias apoiado em uma recordação pessoal, e em “Void” o artista amplia essa abordagem correlacionando com o processo de assimilação do que é real, em diversas camadas de apropriação.

“Em Psicotrópico, meu espetáculo anterior, isolei uma lembrança particular, para mim muito significativa, e a multipliquei e a sobrepus a outras narrativas ficcionais de alguma maneira especulares à minha lembrança. Eu procurava assim contaminar, com os meus fragmentos de memória, a memória do espectador. VOID é, ao mesmo tempo, uma expansão e uma inversão dessa experiência sobre os deslocamentos de percepção da realidade”- explica Alvise.

O eixo central é um episódio trágico que mobilizou e emocionou, na década de 80, a população brasileira e as narrativas relacionadas direta ou indiretamente a ele. Partindo dessa pesquisa, o espetáculo não percorre um caminho documental, mas sim de exploração das possiblidades, impulsionando o espectador a trafegar entre a incredulidade e a versão oficial.

“O conjunto das narrativas dessa catástrofe pode ser percebido como uma história de ficção científica. Também sua carga simbólica é muito significativa. A justaposição das contradições sociais, econômicas, geopolíticas, que emergem dessa tragédia, parecem uma metáfora sombria do Brasil contemporâneo. O limiar entre realidade e representação é muito incerto. O parcial desaparecimento desse evento da memória coletiva nos faz até duvidar do seu real acontecimento. Essa incerteza é o eixo da pesquisa”.

O jornalista e ativista político Fernando Gabeira, ao longo do seu livro dedicado ao desastre radiológico de Goiânia, se apropria do termo Freudiano “Inquietante Estranheza” (unheimlich) para explicar a particular sensação da população frente às notícias sobre o desastre. Freud usou o termo para alinhar aquelas coisas, impressões e eventos, que conseguem despertar em nós sentimentos de estranheza, de forma particularmente poderosa e definida. A “Inquietante Estranheza”, portanto, é a sobreposição de um conjunto de narrativas, que se configuram, em sentido amplo, como um conjunto de representações que ao mesmo tempo em que relatam o evento, revelam também os símbolos onde canalizam as emoções, contaminando o factual pela ficção e vice-versa.

A INSTALAÇÃO

A proposta da instalação é a de promover a interação entre os visitantes e o espaço, e também entre os próprios visitantes, buscando memórias pessoais de maneira orgânica e incentivando o seu compartilhamento. Por meio de temporizadores, gravadores, sensores de presença, a instalação capta e reproduz essas histórias fundindo-as com a paisagem sonora, dando vida à uma multidão de vozes e sons que envolvem os visitantes. A instalação é parte do espaço cênico, o que aproxima o público da narrativa e o sensibiliza para uma experiência mais profícua.

“O conceito da instalação se fundamenta no contraste entre o ambiente vazio (do esquecimento, não representativo: ante-cênico e ante-teatral) e as “memórias sonoras” que o público pode acionar caminhando pelo espaço” – comenta Alvise.

O aparato tecnológico é controlado por um sistema tipo Arduíno e, durante as sessões de vinte minutos que ocorrem a cada meia hora, permite ao visitante o contato com uma dramaturgia sonora, que é alterada por sua movimentação e interação, construindo novas possibilidades narrativas.

CRIAÇÃO E DIREÇÃO

Alvise Camozzi é um artista italiano que vive no Brasil. É autor e performer de seus trabalhos, como Psicotrópico, Natureza Morta para Laura e a instalação sonora tresirmasoundscape. Como encenador dirigiu Só, prêmio Shell de melhor ator para João Miguel, Babel, ambos da dramaturga Letizia Russo, O Bosque de David Mamet, O Feio de Marius Von Mayemburg, entre outros. Co-roteirizou e protagonizou a docufiction “o louco dos viadutos” com direção de Eliane Caffé. No Brasil, como ator, trabalhou com Mauricio Paroni De Castro e Gabriel Villela.

Beatriz Sayad é autora, atriz, diretora e tradutora. Desde os 18 anos integra a companhia suíça Teatro Sunil (atual Cia Finzi Pasca), com a qual colabora até hoje. No Brasil, atuou como palhaça em hospitais nos Doutores da Alegria. Integrou durante 6 anos a Cia Teatro Balagan, em São Paulo, como atriz/pesquisadora. Desde 2010 volta a atuar na Compahia Finzi Pasca nos espetáculos Donka uma carta a Tchekhov (2010), La Veritá (2013) e Per Te (2016) ambos em turnê por mais de 20 países. Paralelamente à turnê, em 2011, dirigiu e escreveu, ao lado da atriz Dani Barros, o espetáculo Estamira – Beira do Mundo.

Serviço – VOID, de 29 de novembro a 23 de dezembro de 2018, de quinta a sábado, às 21h, e aos domingos, às 18h, no Arte II – 13º andar (70 lugares) no Sesc Avenida Paulista (Avenida Paulista, 119, na Bela Vista, em São Paulo). Ingressos: R$ 30,00 (inteira); R$ 15,00 (meia: estudante, servidor de escola pública, + 60 anos, aposentados e pessoas com deficiência); R$ 9,00 (credencial plena: trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes). Duração: 70 minutos. Classificação etária: 14 anos

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