Um grupo de (ictiólogos) gaúchos descobriu uma nova espécie de peixe, chamada de Austrolebias camaquensis, na bacia do Rio Camaquã, nos municípios de Encruzilhada do Sul e Canguçu (RS), no Pampa Gaúcho. A nova espécie foi oficialmente descrita por artigo na Revista Zootaxa – periódico voltado para pesquisa e descrição de novas espécies de animais – e faz parte de uma iniciativa desenvolvida dentro do Projeto Peixes Anuais do Pampa, do Instituto Pró-Pampa, com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
O Austrolebias camaquensis integra um grupo conhecido como ‘peixes anuais’ e se encontra criticamente ameaçado de extinção. No geral, os indivíduos da espécie possuem um ciclo de vida curto e regido pelo clima – variando entre seis e sete meses. Eles vivem em ambientes isolados, como pequenas poças temporárias que formam ilhas de água cercadas por terra, com 50 a 60 centímetros de profundidade e, em períodos de estiagem, as poças secam e todos os peixes adultos morrem.
No entanto, a ação do homem acaba sendo o fator principal para seu desaparecimento. “O uso da área em que a espécie é encontrada para fins agrícolas, como o cultivo do arroz, é a principal ameaça à espécie. Porém, fenômenos climáticos, como o El Niño, e um plano de mineração no Rio Camaquã também podem acabar levando-a a extinção”, revela o responsável técnico do projeto, Matheus Volcan.
A espécie é microendêmica, ou seja, ocorre exclusivamente em um pequeno trecho de cerca de 20 quilômetros no meio do Escudo Cristalino, um terreno geológico que se caracteriza por ter um relevo acidentado, com muitos morros e que atinge altitudes de até 400 metros acima do nível do mar. Essa situação de distribuição restrita também contribui para que esses pequenos animais estejam criticamente ameaçados de extinção.
De acordo com Matheus, a solução para garantir a conservação da espécie seria recuperar esses habitats, além de criar uma unidade de conservação que proteja as poças onde é encontrada. “Esses peixes são de extrema importância para o equilíbrio do ecossistema pois são considerados topo de cadeia nas pequenas poças. Por outro lado, servem de presa para muitas espécies de aves e sua extinção pode resultar em grandes desequilíbrios ambientais, como por exemplo, a proliferação de insetos, alerta.
O alto grau de endemismo da espécie ajuda a explicar um pouco do passado e das transformações que a bacia geográfica onde foi encontrada sofreu ao longo do tempo. “Nós não descobrimos apenas uma espécie, mas sim um laboratório que nos permite explorar uma infinidade de possibilidades” conclui Volcan. A descoberta também revela a possibilidade de registro de novas espécies em locais ainda inexplorados ou insuficientemente amostrados no Pampa gaúcho.
Para se reproduzir, a espécie tem como hábito enterrar os ovos no lodo. Esses ovos se mantém conservados em diapausa (estágio em que o embrião reduz seu metabolismo) até o próximo período de chuva, quando a fase de desenvolvimento termina e os ovos eclodem, dando origem a novos peixes. Os indivíduos têm comprimento que variam de 3 a 4 centímetros e são os maiores predadores do seu local de ocorrência, alimentando-se de pequenos invertebrados aquáticos e zooplanctons. Outra característica da espécie é que os machos possuem cores vibrantes, com listras e pontos azuis, enquanto as fêmeas apresentam um tom amarelado.
“Esta é a espécie número 164 descrita a partir do Programa de Apoio a Ações de Conservação, que a Fundação Grupo Boticário promove há 27 anos. Esse investimento à ciência brasileira iniciou em 1991 e se manteve constante ao longo de todos esses anos, porque a instituição acredita que o desenvolvimento científico é essencial para o Brasil e para a conservação de sua natureza”, afirma a diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes.
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