Anvisa diz que droga da USP não tem ação comprovada contra câncer e que é ilegal

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A substância fosfoetanolamina, distribuída na USP (Universidade de São Paulo) de São Carlos por supostamente ser capaz de curar o câncer, não tem comprovação de eficácia contra a doença. Além disso, a sua distribuição à população é ilegal, segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A informação é do UOL, que fez ampla reportagem sobre o assunto.

A substância não pode ser considerada um remédio porque não foi testada oficialmente em humanos, passo essencial para que um composto em estudo comprove que funciona, é seguro e não tem efeitos colaterais. Pessoas recebiam as cápsulas com a fosfoetanolamina, mas, até onde se sabe, não eram acompanhadas para verificar esses parâmetros. As pesquisas documentadas foram feitas com animais e células humanas in vitro, primeiros passos de qualquer estudo científico. Mas ainda são necessárias várias etapas de estudo para comprovar que ele realmente tem alguma função no tratamento do câncer. A cura seria um passo além.

Sem um estudo oficial, registrado pela Anvisa,  a entrega de cápsulas contendo fosfoetanolamina sintética para fins medicamentosos infringe a lei 6.360/76, segundo a agência. A lei impede a entrega, a venda e industrialização de medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos e correlatos para consumo sem o registro da agência.

“A comercialização, bem como a exposição do produto fosfoetanolamina, estaria em desacordo ao que prevê a Lei nº. 6.360/76, que em seu artigo 12 dispõe: “A distribuição trata-se de prática irregular segundo os princípios de segurança adotados pelas principais agências reguladoras de medicamentos do mundo”. E mais “…nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado…”, destaca nota da Anvisa.

No entanto, desde que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconsiderou a decisão que proibia a distribuição para alguns pacientes após liminar do STF (Supremo Tribunal Federal), pacientes e parentes formam filas na sede do campus atrás da substância entregue gratuitamente dada a apresentação das liminares (mais de 700 já foram concedidas em primeira instância). A distribuição das cápsulas era feita livremente na universidade até uma portaria da USP de 2014, baseada na lei 6.360/76, proibi-la. No entanto, não se sabe por que a USP autorizou a distribuição por tanto tempo da droga, o que sempre foi ilegal pela lei.

A declaração da Anvisa vem ao encontro com a de oncologistas que também afirmaram não haver evidências científicas que comprovem que a droga cura o câncer. Isso porque a substância sequer foi testada em humanos. “É fundamental que sejam feitos estudos controlados em humanos para definir a eficiência, a dose ideal e a segurança de um remédio antes de ele ser usado pela população, o que não ocorreu na pesquisa com o composto de São Carlos”, aponta Maria Del Pilar Estevez Diz, coordenadora de oncologia clínica do Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo).

“Qualquer fármaco que venha a ser usado em pessoas precisa passar por essas etapas. Essa é uma questão fundamental. É no estudo clínico que se tem uma posição mais clara de quais são os benefícios e quais são os riscos do medicamento”, explica a oncologista.

Para Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, usar uma droga que foi testada somente em animais (diga-se aqui, camundongos) é “altamente perigoso” porque não se sabe sequer se pode melhorar ou piorar a saúde de quem já está doente. “É muito difícil partir de dados pequenos em animais para uso populacional. É altamente perigoso. Se a população usa essa droga e ela for deletéria, como a gente vai saber? E vai comparar com o que?”, questiona.

Outras pesquisas feitas com a fosfoetanolamina no Instituto Butantan, em São Paulo, testam a substância em tumores de células de mama, de fígado, do pâncreas e dos rins com resultados promissores, segundo o biomédico Durvanei Maria, do laboratório de Bioquímica e Biofísica do Instituto. “Não tenho dúvida que a fosfoetanolamina é eficaz. Ela impede a proliferação de células tumorais, mecanismo conhecido como morte celular programada já que não destrói as células normais, não altera o funcionamento de órgãos e do sistema imunológico”, diz o biomédico.

A maioria dos testes ainda é feito em ratos e camundongos, mas células de humanos já estão sendo testadas e apresentam resultados semelhantes, diz Maria. O objetivo agora, segundo ele, é começar com os testes clínicos. Para isso, se juntou a um grupo de cientistas que se mobilizou para regularizar o uso da droga na Anvisa e nas comissões de ética médica. Diferentemente da USP, a equipe do biomédico não produz cápsulas.
Trocar de tratamento é perigoso

Os dois especialistas não acreditam na hipótese levantada nos últimos dias de que a substância não é usada em larga escala por interferência da indústria farmacêutica. “A indústria farmacêutica tem o objetivo de dar lucro e sempre que houver um produto promissor ninguém é mais interessado do que ela. Não existe uma pílula mágica, mas um conjunto de intervenções. Seria ótimo se tivéssemos um medicamento, mas o mecanismo da doença é muito complexo, não é um lobby, é uma dificuldade da Ciência em fazer isso, mas estamos progredindo muito nos últimos anos”, afirma Pilar.

Já para Fernandes não há com crer que apenas uma medicação pode curar todos os tipos de câncer porque os genes ativados podem ser diferentes em cada órgão. Da mesma forma que não crê em teorias que acreditam que a cura é escondida porque a doença ‘dá mais lucro’. “Não acredito que quem teria a cura de uma doença que mata mais do que guerra mundial esconderia isso por muito tempo. Se existisse, Hitler seria uma pessoa bacana perto dessa ai”, completa Fernandes.

Os pesquisadores da USP São Carlos afirmaram que patentearam a substância para que ela não seja usada pela indústria, que buscaria lucrar com ela. Também foi levantada a hipótese de que as farmacêuticas estariam impedindo o teste em humanos, junto à Anvisa. Mas, segundo o órgão,  não há necessidade de intervenção da indústria farmacêutica para a realização de estudos clínicos. Se uma universidade tiver condições de fazê-lo, basta contatar a agência e mostrar a documentação adequada. “A USP de São Carlos nos procurou para dar detalhes sobre o processo, mas nunca fez o pedido para realizar os testes clínicos, o que é diferente”, informou a agência.
Se é ilegal, porque a Justiça autoriza?

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