Professores não são coisas

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* Gilberto Giusepone – “A desvalorização do ser humano aumenta na proporção direta à valorização do mundo das coisas”, escreveu um filósofo alemão do século passado. A terceirização geral e irrestrita aprovada pela Câmara dos Deputados é um passo decisivo em direção à mais ampla “coisificação” do trabalhador brasileiro, dramaticamente exemplificada no caso dos professores.

Cálculos amplamente difundidos antes dessa fatídica aprovação – que ainda depende de sanção presidencial – demonstram os efeitos perversos da terceirização. Mesmo incompleto, esse processo produz um cenário no qual trabalhadores trabalham muitas horas a mais, recebem em média 25% a menos em relação aos que fazem a mesma função como contratados e respondem por 80% dos acidentes fatais de trabalho.

Não houve nenhum cuidado do atual governo federal para suprimir ou ao menos atenuar os efeitos perversos dessa visível desigualdade. Ao contrário, tal situação degradante vem sendo generalizada a todo o universo laboral brasileiro.

Para piorar, o Brasil tem números vergonhosos em relação à permanência de trabalhos feitos em condições análogas à escravidão. Pois 90% dos trabalhadores resgatados dessas situações assombrosas são trabalhadores terceirizados.

Pejotização – Um novo neologismo já está circulando e sendo apropriado amplamente para descrever um dos efeitos do processo em andamento. Despontou a palavra “pejotização”, referindo-se ao previsível processo que favorecerá ações patronais interessadas em diminuir o custo do trabalho, evitando ter funcionários com o expediente da terceirização via empresas prestadoras de serviços.

“Pejotização”, desdobrado de Pessoa Jurídica, é um neologismo sombrio para descrever o lema que enche a boca dos entusiastas dessa violência: “cada um que seja seu próprio negócio, que venda seu próprio peixe, que troque direitos pela possibilidade de prestar serviços e que deixe o capital livre para prosperar sem os custos do trabalho”.

Os efeitos desse processo são danosos também para o mundo da educação, especialmente para os professores.

Custou quase um século de lutas, começando pelas reformas estaduais da década de 1920, continuando com o processo que instituiu o Ministério da Educação em 1930 e se estendeu até 1988 com a Constituição Cidadã, repercutindo na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, o reconhecimento de que as atividades do magistério não são simplesmente serviços e que garantias laborais são indispensáveis para que escolas públicas e privadas possam contar com um corpo de trabalhadores reconhecido como “corpo docente” de cada instituição.

Pois mesmo com o vigor contínuo dessas lutas, uma das características mais preocupantes da educação escolar brasileira é a dificuldade de estabilizar o trabalho docente em uma única escola. Aliás, no Brasil para a grande maioria dos professores, trabalhar significa deslocar-se para duas, três, quatro escolas…

Agora, a mão pesada e comprometida com a Casa Grande e o baronato financeiro decreta que a docência é somente um serviço, sim, passível de ser contratado para fora das garantias contratuais e substituído cada vez que uma oferta mais vantajosa se apresente.

Está aberto o caminho para o comércio de “pacotes” e “combos” que incluem impressos, manutenção e professores. Com a devida “reposição de peças” em caso de em caso de panes, perdas e incompatibilidades produtivas.

Se já está em curso um impressionante movimento de desprofissionalização da atividade docente, cujo exemplo do “notório saber” no âmbito da reforma do ensino médio é uma demonstração do quanto a docência está sendo reduzida à condição de serviço, com a terceirização aberta às atividades meio e fim, bastará somente “ter quem faça”.

Mesmo antes deste momento, já temos um histórico de depreciação do trabalho docente que não se resume às dificuldades salariais, mas também se estende ao gradual “desaparecimento” de alguns especialistas como, por exemplo, os professores de física e geografia.

A Câmara dos Deputados tornou possível comprar em condições vantajosas os serviços de física e geografia oferecidos por contratantes de mão-de-obra terceirizada.

Assim, repete-se, como tragédia e como farsa, a história das arbitrariedades: todas, sem exceção, vilipendiaram a educação e os professores. Ou, para citar outros dois pensadores alemães (estes do século 20): “na sala de aula, a expulsão do pensamento ratifica a coisificação do homem que já foi operada na fábrica e no escritório”.

* Gilberto Giusepone é diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber

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