O Pecado Social

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* Abilio Junior – As religiões monoteístas – judaísmo, cristianismo e islamismo – impõem aos seus fiéis um conjunto de princípios morais e éticos que regulam suas relações espirituais, comunitárias e particulares, sendo um guia para seu cotidiano e também uma resposta para os diversos e complexos dilemas confrontados na vida.

Acontece que, às vezes, por diversos motivos, o fiel ou até um grupo de pessoas, não prática o que foi orientado a fazer, cometendo o que a religião denomina como “pecado”, ou seja, uma desobediência a qualquer norma desse conjunto de leis ou mandamentos. Dependendo do erro praticado, pode ser imposto ao membro orações, penitências ou sacrifícios para repará-lo ou até, em casos mais graves, sua exclusão completa do grupo, como uma excomunhão.

Os “Dez Mandamentos”, na cultura ocidental, além de ser o código religioso mais conhecido é também aquele que mais influência o homem em suas relações sociais. Dos dez artigos, seis orientam o indivíduo para a vida em sociedade, buscando um equilíbrio entre a vida particular e pública, e são sobre esses que delinearemos o artigo.

Antes de prosseguirmos com a reflexão, é importante esclarecer que o artigo não versará sobre a violação do preceito religioso em nível pessoal, mas sim naquelas faltas que refletem direta ou indiretamente na sociedade, contribuindo negativamente para seu progresso, denominado “pecado social”.

As pesquisas governamentais mostram que a população está envelhecendo e vivendo mais em comparação com as gerações passadas, gerando uma inversão na pirâmide social onde a população inativa é maior que a ativa. Além da crise social e previdenciária que isso representa, os idosos necessitam de uma assistência melhor, que não é atendida pela aposentadoria e/ou pelos serviços públicos, necessitando do auxílio da família, mas qual é a realidade? Aposentados que servem como arrimo de família ou que tem sua escassa renda comprometida com empréstimos consignados para atender as necessidades de terceiros, podemos citar também o abandono dos idosos ou seu esquecimento em asilos, aos quais muitas vezes não estão preparados para atendê-los, isso quando não são vítimas de maus-tratos, descaso, violência ou, em casos extremos, indigência. A geração atual não está honrando devidamente seus antepassados.

“Não matarás”. O verbo está conjugado no futuro do presente, uma ordem que não está distante, está próxima, algo que deve ser realizado hoje, agora. Se procurarmos o significado da palavra “matar” no dicionário, encontraremos três significados principais: 1º, tirar a vida, como se tornou normal no noticiário matérias mostrando a insignificância do valor da vida nos motivos mais fúteis utilizados para justificar tais atos; 2º, causar a morte, não se pode entender o ato de matar apenas como um assassinato, mas também como uma palavra, uma atitude, um gesto, uma omissão que causa a morte da pessoa, que poderia levar, num caso extremo, ao suicídio, mas também uma morte parcial, referente a alguma dimensão da vida – pessoal, familiar, afetiva, profissional, acadêmica – anulando, temporariamente ou definitivamente, aquele campo de realização do sujeito; 3º, fazer murchar, pais que impõem seus sonhos aos filhos, um profissional não realizado ou reconhecido, um relacionamento onde não há reciprocidade ou um parceiro que age em detrimento do outro, enfim, são vários os acontecimentos que podem fazer com que o ser perca sua energia, sua alegria, sua força, numa dinâmica que leva ao esvaziamento e ao entristecimento. Não matarás!

Em tempos de modernidade líquida, os relacionamentos são baseados na superficialidade do ser e naquilo que o outro pode oferecer na relação, uma troca recíproca, consciente ou inconsciente. Faltam nos compromissos o sentimento, a lealdade, a fidelidade, o comprometimento, a empatia, o doar-se espontaneamente, sem esperar algo em troca, uma vida a dois onde se compartilhe dos altos e baixos da vida, naquela proposta antiqüíssima que os noivos mutuamente prometem: “na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na alegria e na tristeza”. Mas o cenário que se vislumbra é desanimador. Será que histórias como de Páris e Helena, Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Abelardo e Heloisa, Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, Armando Durval e Margarita Gautier, Osíris e Ísis, Jacó e Raquel, e tantas outras não aquecem mais o coração dos homens e das mulheres em busca do amor verdadeiro?

A corrupção nas esferas políticas tornou-se endêmica e a sociedade exige por parte do poder público uma resposta na qual os envolvidos sejam levados a julgamento e o erário restituído, mas, e a corrupção do dia-a-dia, aquela com a qual nos deparamos cotidianamente, praticada por cidadãos comuns? Passar no sinal vermelho, chegar atrasado ou sair mais cedo do serviço – sem prejuízo, utilizar o caixa preferencial ou estacionar em vaga especial – mesmo não atendendo aos quesitos, comprar produtos piratas, furar fila e muitas outras atitudes que refletem “o jeitinho brasileiro”, aquele que tira vantagem em detrimento do próximo. Quem julgará e devolverá à ética, à moral, à decência, à vida aquilo que lhe foi desviado?

“O que falta nessa cidade?… Verdade.” Essa crítica, apesar de atual, não foi escrita por nenhum pensador contemporâneo, mas veio pela pena do padre Gregório de Mattos, século XVIII, referindo-se a sociedade da época. A verdade não falta apenas na(s) cidade(s), também nas famílias, nos relacionamentos, na política, no meio profissional, na mídia, na vida… em tudo! A existência tornou-se toda ela “um falso testemunho”.

Por que tantas revistas, programas e sites que esquartejam a vida dos famosos? Por que pagar caro por uma roupa, um calçado ou um acessório? Por que mais e mais ídolos no esporte, no cinema, na televisão, nos negócios? Porque a vida não se basta! Precisamos projetar em alguém a realização que não temos. Precisamos ter algo que inebrie com sua ilusão. Precisamos de qualquer coisa que anestesie a consciência. A cobiça está acerca.

Caro leitor, que essa rápida consideração sobre os Dez Mandamentos o inspire a contribuir positivamente por uma sociedade justa, onde todos possam respeitar os direitos. Que possa ser uma reação contra um sistema que isola, amedronta, vicia, desumaniza. Força!

* Abilio Junior é formado em História e Pedagogia. Docente na rede pública estadual desde 2008, tendo lecionado no SESI durante um determinado período. Autodidata no estudo das religiões monoteístas. Efetivo como funcionário público, exonerou do cargo para ter uma experiência no seminário e que não foi bem sucedida, retornando ao magistério

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