Uber e o vínculo de emprego com o motorista parceiro

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* Cíntia Fernandes – A integração das novas tecnologias no cotidiano e nas relações trabalhistas tem criado novos litígios. A Uber, desde seu início, tem instigado intensos debates, principalmente no tocante à sua legalidade. Superada a batalha a respeito da liberação do aplicativo, a empresa enfrenta, agora, novos conflitos perante a Justiça do Trabalho brasileira.

E o principal caso envolvendo motoristas e a empresa teve uma decisão no último dia 13 de fevereiro. O juiz Márcio Toledo Gonçalves, da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG), reconheceu a existência de vínculo de emprego entre um motorista e a Uber do Brasil Tecnologia Ltda., após minuciosa análise de provas testemunhais e documentais, conforme é possível constatar na sentença de 46 laudas.

A empresa, em sua defesa, alegou a inexistência de uma relação empregatícia com fundamentos lastreados na autonomia, flexibilidade e independência que são asseguradas aos motoristas parceiros. No entanto, essa argumentação não foi aceita para afastar a condenação, principalmente, porque em matéria trabalhista privilegia-se o que ocorre de fato em detrimento da forma contratual estabelecida entre as partes.

É válido destacar que essa exigência de análise pormenorizada do real cenário da prestação de serviço impede que a relação de trabalho entre motorista e Uber seja generalizada, uma vez que a constatação do vínculo de emprego dependerá sempre do exame de cada situação e da forma como a atividade é executada.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) define empregado como “toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Nesse sentido, são elementos fático-jurídicos para o reconhecimento do vínculo de emprego que o empregado seja pessoa física com relação de pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação.

Aparentemente, o processo de habilitação dos motoristas na plataforma da Uber apresenta-se como fácil, bastante flexível e dissociado da relação de emprego. Entretanto, não se trata de uma regra, pois ao confrontar as normas instituídas com a realidade de muitos motoristas, evidencia-se a condição destes como verdadeiros empregados.

Importante ressaltar que os principais aspectos defendidos pela empresa, como a autonomia e a flexibilidade, são discutíveis, tendo em vista que o modo de produção é definido exclusivamente pela Uber, e engloba o preço do serviço, padrão de atendimento e forma de pagamento. Além disso, o descumprimento dessas regras enseja a aplicação de severas penalidades ao motorista, entre elas o seu descadastramento da “frota”.

Essa sistemática adotada pela Uber, desde a habilitação, condições de permanência e a desabilitação, revela os elementos caracterizadores da relação de emprego, tendo em vista que o motorista é subordinado às regras de prestação de serviço, com pessoalidade e remuneração paga diretamente pela Uber, de forma que o único elemento questionável seria a habitualidade, ante liberdade de horários e dias de trabalho.

Contudo, a despeito dessa liberdade, a empresa permite que o trabalho seja prestado de maneira não eventual, inclusive, há hipóteses em que o motorista possui como única fonte de renda o trabalho prestado à Uber.

A legislação trabalhista preconiza de forma indubitável que presentes, simultaneamente, os requisitos mencionados, há vínculo de emprego. Por outro lado, a ausência de um deles inviabiliza o reconhecimento. Logo, a denotação de emprego será extraída a partir da verificação individualizada de cada relação de trabalho.

Essa premissa, como também a vasta prova constante nos autos do processo em comento, conduziram o juiz do trabalho de Minas Gerais à ilação de que aquele motorista não exercia seus misteres como alegado pela Uber, mas sim de forma subordinada à empresa, sem autonomia, com pessoalidade, habitualidade e onerosidade.

A decisão, portanto, está em consonância com os princípios e normas fundamentais do Direito do Trabalho e anuncia uma tendência mundial dessa relação de emprego extensível a muitos outros tribunais brasileiros. Permitindo, assim, o reconhecimento dos mesmos direitos aos demais motoristas inseridos em contexto semelhante.

A modernização da tecnologia de comunicação e informação desafiam novas modalidades de trabalho. E, justamente por se tratar de uma constante evolução, devem potencializar a valorização do trabalho humano e não servir de retrocesso e desregulamentação dos direitos sociais com a precarização laboral, exploração e coisificação das pessoas.

* Cíntia Fernandes é advogada de Direito do Trabalho do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados

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