Da Redação – Tema polêmico, a reforma da previdência foi debatida por especialistas na manhã desta quinta-feira (26/01), na sede da OAB SP. A Secional e o Conselho Federal da OAB unem forças para que o tema seja discutido pela sociedade. “É preciso entender a proposta e os reflexos dela e, fundamental, ouvir a população. Trata-se de oportunidade para reunir informações e manifestar ideias”, disse o presidente da Ordem paulista, Marcos da Costa, na abertura do evento. Durante cerca de duas horas, representante do governo federal, deputados federais e advogados apresentaram visões distintas a respeito da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016 que tramita no Congresso Nacional e trata do tema.
O presidente da Comissão Especial de Direito Previdenciário da Secional paulista da Ordem, Carlos Alberto Vieira de Gouveia, lembrou que o objetivo é reunir, com fim propositivo, o material dos expositores e as questões enviadas pelo público participante – que, presencialmente, lotou o térreo, primeiro e terceiro andares do prédio sede da Secional em São Paulo, fora as pessoas que assistiram a transmissão ao vivo via Facebook da instituição. Já Chico Couto de Noronha Pessoa, presidente da Comissão Especial de Direito Previdenciário do Conselho Federal da OAB, taxou o tema de muito complicado, visto que o próprio pano de fundo para a mudança ainda é causa de discordância. “O déficit da previdência, motivo que justificaria toda a reforma, é controverso”, diz. “E quem diz isso não sou eu, é a Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal”, completou Pessoa.
Os advogados criticaram partes da reforma proposta pelo governo federal, entre elas, os 49 anos que serão necessários para conseguir receber 100% do benefício integral e o aumento do tempo de contribuição dos atuais 15 anos para 25 anos. Natural da região Nordeste, Pessoa destacou, à parte, a realidade de quem vive no campo. Para ele, impor uma idade mínima de 65 anos impossibilitaria a aposentadoria do trabalhador rural nos estados do Piauí, Maranhão e Alagoas. “Esses trabalhadores vão conseguir gozar dessa aposentadoria?”, questiona. “É complicado quando se recebe uma proposta na qual se desvincula o salário mínimo da pensão e dos benefícios assistenciais. A intenção do governo é reduzir o benefício assistencial a meio salário mínimo, então o diálogo é desafiador”.
Utilização dos recursos – Além de avaliações apresentadas pelos especialistas em direito previdenciário, a PEC 287/16 foi duramente criticada pelos dois outros expositores, o deputado federal Arnaldo Faria de Sá e o assessor jurídico da Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (COBAP), Guilherme Portanova. Uma crítica em comum apontou a retirada de recursos do sistema possibilitada por meio do mecanismo conhecido como Desvinculação de Receitas da União (DRU) – que existe desde 1994 e cuja alíquota de desvinculação acaba de subir dos 20% para 30%. A DRU possibilita que o dinheiro seja utilizado em despesas consideradas prioritárias e inclui o pagamento de juros da dívida pública.
“Ora, como o governo tira recursos do aporte da Seguridade Social, a qual a Previdência faz parte, se esta está quebrada? É uma contradição lógica”, diz Portanova. Tanto Faria de Sá como Portanova defendem a realização de auditorias: o parlamentar, nas contas da Previdência. Já Portanova, na dívida pública. “Pagamos R$ 900 bilhões em juros da dívida, em 2015, para os bancos e ela cresceu mais R$ 700 bilhões. Nenhum governo faz auditoria. Mas isso agora vai ser objeto de ação judicial”, disse o assessor jurídico da Cobap.
Para ambos, a reforma apresentada tem apenas objetivo financeiro e põe o ônus nas costas dos trabalhadores. Além do efeito DRU, que retira dinheiro da previdência, Faria de Sá citou que há uma lista de devedores da Previdência cujo estoque soma cerca de R$ 500 bilhões. “É mais de meio trilhão de reais a ser cobrado de quem tirou dinheiro do trabalhador”, continuou. Portanova diz, ainda, que quando constata déficit previdenciário, o governo federal não inclui nessa conta as receitas de PIS, Cofins, CSLL e concurso de prognósticos (dinheiro de loterias), como previsto em lei, mas apenas o custo empregado e empregador. “Na última década, se inclusas as cinco receitas, tivemos superávit de R$ 658 bilhões, mesmo com a DRU”, afirmou o presidente da Cobap. O número é de estudo da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal).
Nesse cenário, a PEC 55, já aprovada e que estabeleceu teto para gastos públicos – mas não limitou o pagamento de juros de dívida pública –, também foi citada como um limitador de pagamento de aposentadorias. “No momento em que os pagamentos dos benefícios alcançarem o teto, será preciso uma nova reforma da previdência. A PEC 55 é a chave mestra que abre todas as portas para extinções de direitos”, finalizou o assessor jurídico da Cobap.
Casa Civil – O assessor especial da Casa Civil da Presidência da República, Bruno Bianco Leal, ouviu as críticas e reforçou aspectos da PEC 287/16. Ao abrir sua exposição, disse que a proposta foi feita a partir de estudos aprofundados do governo federal com base em diagnósticos feitos por instituições. Defendeu, também, que não é considerado apenas o aspecto financeiro. “A visão também é social. Nesse enfoque, se buscou uma proposta de reforma para tentar garantir que as aposentadorias sejam pagas em dia”, disse.
Logo no início de sua apresentação, o representante do governo federal defendeu a urgência de uma mudança no sistema e citou como causa as mudanças demográficas. Uma projeção apresentada por ele apontou aumento da população acima de 65 anos – de 16,1 milhões de pessoas em 2015 para 58,4 milhões de pessoas em 2060. Além disso, a taxa de fecundidade no Brasil entre 1960 e 2014 caiu de 6,3 filhos para 1,7 filhos por mulher. O cenário, então, é de menor número de contribuintes para uma população maior de usuários. “Muitos dirão que não podemos nos interessar unicamente pelo cenário em 2060. Mas a questão precisa ser discutida agora porque a reforma vai trazer reflexos só daqui a algumas décadas”, ponderou. Bianco reforçou pontos da reforma, como a idade mínima de 65 anos e a mudança sistemática de pagamento de pensões por morte – do atual benefício de 100% do benefício pago independentemente do número de filhos, para 50% somados 10% por dependente. “Algo mais justo do ponto de vista atuarial e social”.
No que diz respeito às discordâncias sobre déficit do sistema e DRU, ele lembrou que se arrastam já há muitos governos e não são um problema atual. Sobre o déficit, Bianco citou acórdãos do Tribunal de Contas da União (TCU), 2059/12 e 2973/16, que apontam problemas no sistema. Citou, ainda, que a conclusão da existência de um déficit nominal da ordem de R$ 105,9 bilhões ocorreu após o término dos trabalhos do Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e Previdência Social, realizado em 2015, e inclusive contou com a participação de diversas entidades representativas da sociedade.
Especificamente sobre a DRU, o assessor da Casa Civil reiterou que, mesmo se não existisse, a Seguridade Social continuaria deficitária, levando à necessidade da reforma. “A DRU é alocada muitas vezes para cobrir despesas desse mesmo orçamento, inclusive o da Previdência Social”. Bianco disse que, com a reforma sugerida, o governo tem como premissas a sustentabilidade do sistema, a convergência para melhores práticas internacionais – incorporando ideias exitosas para a realidade nacional –, o respeito aos direitos adquiridos, e que nenhum aposentado receba menos de um salário mínimo. Outra delas é a convergência entre os regimes de aposentadoria levando à harmonização de direitos previdenciários entre os brasileiros, fora que as regras de transição ocorrem em período longo, de vinte anos.
Conclusão – As reflexões apresentadas e perguntas enviadas à Ordem serão reunidas e levadas em conta em próximos encontros que a instituição promoverá para debater a questão de modo amplo. Um deles será promovido pelo Conselho Federal da OAB, em Brasília. Também presente, o deputado federal Vinicius Carvalho, membro da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que vai avaliar a PEC 287/16, disse que a proposta será examinada de modo criterioso e com base em análises de estudiosos e da população.
Além dos citados, também compuseram a mesa o vice-presidente da OAB SP, Fábio Romeu Canton Filho; a diretora da ESA, Ivette Senise Ferreira; Luis Ricardo Marcondes Martins, presidente da OABPrev-SP; Theodoro Vicente Agostinho e Rodolfo Ramer, presidente e vice-presidente da Comissão de Regime Próprio da Previdência Social; e Adriana Viel, presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa; Luciana Farias, presidente do Conselho Federal do Instituto dos Advogados Previdenciários; e João Alexandre Abreu, que representou o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário.
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