Fala, Cidadão
Implacável levou seus amigos
Aos subterrâneos de Netuno
A tempestade caprichosa.
Deixou-o lutar, herói ou covarde;
As ondas magnas estavam indignadas
Queriam subir aos céus, desciam frustradas.
Redemoinhos mortais revelavam
Suas contradições e seus conflitos.
Conspirava a natureza contra si própria
Tal qual um homem que perdeu o centro.
Chegara a noite e nada mas se via ou ouvia
Com certeza todos estavam mortos, menos ele
Arrimado sobre um despojo do navio.
Tiritava de frio e de medo de seu destino cruel
Não conseguia compreender como Deus
Submetera-o àquela provação
Não seria melhor acompanhar o fardo comum?
Algum motivo o levara a dar-lhe tamanha
Responsabilidade existencial
Tamanha luta nos impõe o viver?
Enquanto era lançado pelas águas
Não deixava o suporte de suas angústias.
Somente ouvia os trovões marítimos
Vozes dos Deuses e suas divergências
Zeus parecia estar ausente para conciliá-los
E ele, o que fazer, alheio às tromboses mitológicas?
Num momento de raro apaziguamento
Lembrou-se do amor que deixara em terra
Como pudera esquecê-lo no meio das ondas bravas?
Lembrou-se de sua profundidade
Dos olhos que penetravam em seu âmago
Das massagens psíquicas tão afortunadas.
Nesse momento olhou por entre o breu
E imaginou ter visto rochas que rechaçavam
O furor das ondas amargas que cobravam.
Agarrado desesperadamente a seu amigo
O madeiro que lhe veio às mãos no naufrágio
E nele começou a vislumbrar o desenho
Do amor que o tornava mais que um ser, um homem
Capaz de encarar aquela luta que antes deplorara.
Várias vezes perdeu e recobrou o velho fôlego
Sentia já a imobilidade de todos os membros
Porém não fazia considerações sobre hipotermia.
Assim foi expulso do mar revoltado e tocou
Um rochedo ao qual se agarrou liberto.
Nesse momento as águas se acalmaram
E nosso homem, exausto, ganhou a ilha
Onde encontrou um grupo de homens e mulheres
Ao redor de uma fogueira pujante e acolhedora
Para seu corpo decrépito e quase morto.
Em cada noite aquele grupo falava sobre um tema.
Lágrimas se misturaram, naquela noite era o amor.
* Amadeu Roberto Garrido de Paula é poeta e autor do livro “Universo Invisível”, além de advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas
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