* Leandro Giudici – O excesso de acontecimentos recentes nos fez refletir sobre uma série de temas para este último Boa Prosa de 2016. Mas, mesmo com todos os desmandos da republiqueta que o Brasil se tornou, onde parlamentares ao invés de votarem pautas importantes para o desenvolvimento do país votam projetos às pressas no intento de barrar o avanço das investigações. Ou mesmo onde o presidente do Senado (uma casa de Leis) desafia a ordem da Suprema Corte de se afastar do seu cargo e no fim ainda consegue reverter a decisão a seu favor. Ainda assim, sem dúvidas, a recente tragédia com o time da Chapecoense é merecedora de uma reflexão.
Uma obra do destino daquelas que lembraremos por décadas, que contaremos aos nossos filhos e netos. E que obra do destino! Todo acidente aéreo é fatalmente trágico, mas o contexto envolvendo o ascendente clube catarinense torna tudo ainda muito mais dramático.
A Chapecoense, como várias vezes ocorreu é um clube médio e que vinha surpreendendo em suas conquistas, a maior delas chegar a uma final da Copa Sul-Americana, uma mini Libertadores que garante vaga na justamente na Libertadores. A ‘Chape’ bem poderia ser comparada a outros sucessos efêmeros como Bragantino e São Caetano, mas não. Era um clube bem mais vitaminado e consistente, cujo crescimento se deu de dentro para fora, muito mais pela organização do que pela simples boa fase. A Chapecoense era e continuará sendo um grande exemplo das cada vez mais raras boas gerências de um clube de futebol onde impera a malandragem e a incompetência.
Mais que isso. A Chapecoense é um exemplo de dignidade fora de campo, haja vista o fato de seu presidente interino ter se negado a aceitar uma proposta surgida logo após a tragédia de que o clube não fosse rebaixado nas próximas três edições do Brasileirão, enquanto que na outra ponta, o Internacional-RS, clube de fama e troféus ameaça apelar ao tapetão caso acabe rebaixado para a Série B. O Verdão catarinense é uma chama de esperança no futebol brasileiro.
A Chapecoense é também um exemplo dentro de campo e vivia a melhor fase da história da equipe. Bons atletas treinados por Caio Júnior, uma revelação dos técnicos que colocou na cabeça deles muita motivação, foco e determinação. A Chapecoense não era uma equipe de folha milionária e de figurões, era um time que sabia onde queria chegar e não havia outro momento que não fosse aquele.
Em 2011, entrevistei no programa ABCD Esporte que eu apresentava o goleiro Jackson Folmmann, um dos cinco sobreviventes da tragédia, enquanto atuava nos juniores do Juventude-RS e disputava a Copa São Paulo de Futebol. Menino bom, inteligente, diferenciado. É muito triste imaginar que aquele jovem de sorriso fácil, cheio de sonhos não poderá atuar novamente.
Ele teve uma perna amputada, embora tenha tido a Graça de sobreviver a uma tragédia deste tamanho. Imagine então o sentimento dos mais próximos, dos familiares, amigos, dos demais componentes do clube, dos torcedores… Porque não? Quem gosta de futebol entende a paixão e a importância que um ‘simples’ time desperta. Não é pouca coisa! E a comoção geral se deve justamente a isso: a facilidade com que nos colocamos no lugar daqueles torcedores.
Haviam ainda 20 jornalistas com a delegação. Gente jovem como o talentoso Guilherme Marques, da Globo, o competente Victorino Chermond, da Fox, o experiente e genial ex-jogador, Mário Sérgio, um mito do futebol. Gente que vemos todos os dias pela televisão, que morreram no ofício de suas atividades, assim como gente de várias profissões: aeromoças, fisiologistas, pilotos, dirigentes, mordomos, roupeiros, massagistas, gente de todo tipo, classe, profissão, todos importantes demais para suas famílias.
Mas o que queremos aqui e – uma tragédia dessas nos obriga a isso -, é uma reflexão, não da morte, mas da vida. O que você tem feito da sua? Para quando você planeja viver? O que planeja deixar? O que dirão quando você partir?
Nossa vida é um vapor d’água, diria o amigo Carlos Parra.
Jamais podemos imaginar os planos de Deus. Porque tão jovens? Porque nessa fase? Porque tantos, de forma tão trágica, triste, tão próximos das festas de fim de ano? Quantos porquês sem resposta, porém com uma certeza: não deixe nunca de fazer o bem, faça sem esperar recompensas, o faça sem esperar aplausos, faça por você, por aqueles que podem se orgulhar do que lhes ensinaram, para aqueles que se orgulharão de terem aprendido, faça por Deus, como eles fizeram, pela Chapecoense, pelo futebol brasileiro, mundial…
Fizeram todos aprender, ou ao menos refletirem que nossa vida é agora, talvez sem amanhã. Viva intensamente, digam ‘eu te amo’, beijem, abracem, chorem, riam, peçam perdão e sejam muito feliz!
Feliz Natal e um ótimo ano novo!
* Leandro Giudici é jornalista e comunicador de rádio. Contato com o colunista pelo e-mail leandrogiudici@hotmail.com
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