Quem deu o golpe?

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Primeiro, vamos ver o que dizem os bons dicionaristas sobre o verbete golpe: s.m., choque de um corpo com outro, que resulta em impacto; pancada, batida, impressão produzida por esse choque; marca, incisão, lesão, corte; murro, impacto violento dado com uma parte do corpo ou com um instrumento contundente; recurso de ataque e defesa em luta corporal, trama ardil, ação ou manobra desleal, desfalque, etc.

E aproveitando o ensejo, vamos ver o que dizem os bons dicionários sobre impeachment, s.m., processo instaurado com base em denúncia do crime de responsabilidade contra alta autoridade do poder executivo (por exemplo, presidente da República, governadores, prefeitos) ou poder judiciário (por exemplo, ministro do STF), cuja sentença é da alçada do poder legislativo; destituição resultante desse processo, impedimento.

O Brasil está vivendo um momento de muitas incertezas, mas isso é consequência de ação de governos anteriores cuja preocupação maior foi sempre em manter o poder e para manter o poder vale qualquer meio, o que importa são os fins. Na primeira década desse século (2001 – 2010), especialmente, nos anos de 2008 a 2010, o país viveu momentos de euforia, descoberta do pré-sal, petróleo em alta, commodity (qualquer bem em estado bruto, matéria-prima) com preços elevados, crédito fácil, aumento do consumo de bens pela população; os ventos sopravam a favor do país.

O presidente da República gozava de um prestígio jamais visto por outro na história desse país. Em 2010, o país teve crescimento de 7,5% do PIB (Produto Interno Bruto); ano de eleição, o presidente lançava sua candidata, houve cuidados da coordenação do partido do Presidente para a escolha de coligações corretas, com fins claros de manter a hegemonia do partido que mantinha o poder.

Quem está no poder, não quer deixar o poder, e então, o partido do governo escolhe para vice na chapa majoritária um político do PMDB, Michel Temer, com a situação estável na economia, ainda, o consumo em alta, o país não sentia a crise que abalava o mundo e a chapa Dilma/Temer saiu-se vitoriosa. A crise que abalou o mundo começou a dar sinais internos de que haveria necessidade de mudança de direção nos rumos da economia.

A Presidente impôs seu autoritarismo, o ministro da Fazenda tomava as medidas que a Presidente impunha. A crise foi chegando, a indústria começa a produzir menos, cai o poder de compra dos cidadãos, as exportações vão ficando cada vez mais escassas, os preços das commodities caem vertiginosamente, o petróleo desaba e nossa economia começa a desandar. Em 2013 vêm as grandes manifestações populares, a popularidade da Presidente despenca e a crise começa a ser sentida pela sociedade.

Em 2014, surge a operação Lava a jato e não sai mais do noticiário, o país mergulha, definitivamente, em profunda crise. A política nacional não sai mais das páginas policiais, a presidente, teimosa, insiste em dizer que tudo é invenção de uma oposição e vai, aos trancos, maquiando dados, numa preocupação única com a reeleição de 2014. Num dos seus discursos inflamados disse que para ganhar uma eleição ‘faz-se o diabo’; entenda por ‘faz-se o diabo’, qualquer meio, mascarar a economia, tudo para manter o poder.

Reeleita a presidente, numa eleição com acusações fortes, com troca de agressões, com a economia desarrumada, com o país dividido, a presidente precisa pôr ordem na casa, arrumar a economia, fazer os ajustes, cortar gastos, mas a presidente preferiu o caminho mais fácil para agradar seu partido, por decreto, sem consulta prévia do congresso, fez vários empréstimos dos bancos oficiais para pagar contas do governo, feriu a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Para começar o novo governo, a presidente escolheu um nome forte no setor financeiro para ministro da Fazenda, mas os ajustes propostos pelo ministro não eram do agrado do partido da presidente, o ministro foi ficando sem espaço, não podendo agir com autonomia, deixaria o governo no fim de 2015. A presidente foi ficando cada vez mais isolada, e, aos poucos, foi jogando seu vice-presidente para escanteio, tratando-o como figura decorativa.

Numa atitude de puro autoritarismo determinou que o vice-presidente fizesse articulação política com o congresso, nota-se naquele momento, na fisionomia do vice, uma grande mágoa. A presidente já havia sofrido uma grande derrota na eleição para presidente da Câmara Federal, seu candidato foi fragorosamente derrotado pelo deputado Eduardo Cunha.

Esses desafetos da Presidente com o vice-presidente, com o poder legislativo lembram o conto ‘O Duelo’ do livro Sagarama, de Guimarães Rosa. O personagem ao chegar a casa vê a distância a mulher na cama com outro, pensou em desferir um balaço, mas lembrou que o outro mesmo num momento de extrema concentração tinha ao seu alcance sua carabina e não erraria um tiro. O marido traído recuou, foi cozinhar seu ódio em fogo brando.

Passou por uma casa de armas, comprou munição, disse que estava se preparando para uma caçada, chegando a casa não disse nada a mulher, apenas que iria sair por uns dias para a tal caçada e depois de algum tempo, numa tocaia, numa posição de tiro, desferiu tiro certeiro, mas errou o alvo, matou o irmão de seu inimigo. O inimigo vendo o irmão morto jura vingança.

A literatura com sua ficção, vez por outra, nos traz a realidade do momento. Assim como o personagem, na política, os adversários vão tramando, cozinhando seu ódio, sua vingança em fogo brando. O presidente da Câmara, com sua situação complicada envolvido na Operação Lava a Jato, aos poucos, começa perceber que seu mandato está no fim, o vice foi se isolando, cada vez mais distante da presidente, depois de muitos pedidos de impeachment, no fim do ano o presidente da Câmara aceita o pedido de impeachment, era o fim de 2015, o governo contava com o recesso para apagar o incêndio, mas a presidente já estava nas cordas, sem força; o impeachment foi aceito pela Câmara.

No dia 17 de abril do corrente ano, o Brasil assistiu ao espetáculo circense de deputados votando a favor do impeachment com uma volúpia, como se estivessem comemorando um grande feito, mas ali o que importava era seu lado pessoal, seu eleitorado, o país, é coisa para se pensar depois, o impeachment está no Senado, a presidente está afastada, o presidente interino governa com seu novo ministério, a presidente afastada dificilmente voltará ao governo e aí fica a pergunta para o leitor inteligente fazer seu juízo de valor. Quem deu o golpe?

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