* Dojival Vieira – Em meio a maior crise econômica e política do período pós-ditadura e da completa falência do sistema político, eleitoral e partidário, há uma ausência e um silêncio no debate público no Brasil, ambos emblemáticos e reveladores.
Não se ouve uma única palavra, um único diagnóstico, uma mísera proposta, do auto-proclamado movimento negro organizado e que chamo, por razões conhecidas, de movimento negro partidário chapa branca.
O mesmo silêncio é a tônica das não menos proclamadas “organizações negras”, designação com que alguns mais espertos – provavelmente para se auto-atribuirem a condição de chefes – pretenderam iludir os ingênuos e os incautos, atribuindo a “entidades” formadas por três a quatro pessoas – quase sempre do mesmo partido – peso e força de um movimento social organizado.
Recolhido, desde o fim da ditadura, ao papel de coadjuvante simbólico e secundário, o movimento negro chapa branca e partidário é figura irrelevante até mesmo nas manifestações dos auto-proclamados movimentos sociais que o lulismo tentou arregimentar para levantar suas bandeiras.
Quando alguma voz se levanta – o que acontece com rara frequência – é para fazer eco ao mantra do “golpe”, ou para atribuir a quem pensa diferente e tem outra posição e lado, os epítetos conhecidos; o xingamento passou a substituir o livre debate das idéias e o resultado é o conhecido: ser chamado de “coxinha”, “fascista”, “golpista” não deve mais sequer ofender – e muito menos intimidar – a quem decidiu simplesmente ignorar a pregação do lulopetismo na vã tentativa de se vitimizar e desviar a atenção dos seus crimes.
O debate público no Brasil empobreceu de forma assustadora. Transformada em massa de manobra de um partido que mudou de lado e de posição e do seu líder, a esquerda brasileira – e nisso se deve incluir o movimento negro partidário – optou pelo triste papel de, para salvar corruptos confessos ou assumidos, associar a história gloriosa de lutadores à corrupção sistêmica. Legitimou e avalizou a absurda idéia da corrupção que é condenada – a dos outros – e a corrupção que é permitida – a praticada nos “mensalões” e “petrolões”.
Associada à corrupção e a práticas criminosas com que seus dirigentes – parte dos quais presos em Curitiba – se enriqueceu, veremos gerações e gerações de jovens – inclusive negros – convertidas ao receituário liberal, como já está ocorrendo em grande medida nas recentes manifestações. Não é demais lembrar que isso jamais aconteceu no Brasil. “Nunca antes neste país” a esquerda brasileira foi associada à corrupção.
Mas, qual a razão para a ausência e para o silêncio do movimento negro chapa branca e partidário, é a pergunta que não quer calar.
Como é possível que um movimento que, em tese, deveria representar a maioria da população brasileira (já que nós negros, representamos 50,7% – mas de 100 milhões de pessoas – segundo o próprio Censo do IBGE 2010) tenha se reduzido a essa mudez constrangedora e resignada diante de uma crise que atinge sobretudo os mais pobres, a maioria, todos sabemos, negros.
A explicação não é outra, senão o que temos afirmado reiteradamente em artigos e editoriais por esta Afropress: não temos um movimento social negro no Brasil digno desse nome, mas facções acomodadas aos guetos partidários, o espaço que os partidos políticos mantém para nos dividir e nos manter presos a pautas simbólicas que tangenciam a questão fundamental: é impossível erradicar as verdadeiras raízes do racismo e a herança maldita de quase 4 séculos de escravidão, sem mexer nas estruturas arcaicas do edifício social brasileiro.
A contradição não é raça ou classe, mas raça e classe. Como raça, cientificamente não existe, o que resta é a velha sociedade patriarcal dividida entre quem tem tudo – os exploradores de sempre, os herdeiros da Casa Grande – e os que lutam desesperadamente para ter o mínimo para poder viver com dignidade, tenham a cor que tiverem.
Por isso, tampouco faz sentido a visão míope de alguns que pretendem reduzir tudo ao falso dilema do “preto x branco”, como se não vivêssemos numa das sociedades mais desiguais do mundo e a herança maldita não fosse um dos elementos estruturantes dessa desigualdade.
O silêncio dos guetos partidários ajuda a manter o país sob a falsa polarização de que Dilma e Temer não são mais do mesmo. Tão falsa (na verdade, não mais que 10% da população avaliza o lulopetismo e a presidente afastada), quanto artificial. Temer, o presidente interino, governa com a mesma base do lulopetismo e as mazelas que são denunciadas – dia sim, outro também – não constituem qualquer novidade das que eram conhecidas sob Dilma.
Não menos constrangedor é o silêncio dos meios acadêmicos e intelectuais, cuja omissão não é menos grave. Que falta faz nessas horas, um intelectual do calibre de um Milton Santos que, certamente, apontaria o dedo para as mazelas dessa República precária em que vivemos em crise com sábias palavras e diagnósticos certeiros.
Alguns desses intelectuais viajam prazeirosamente sob os auspícios da Fundação Ford e são capazes de fazer análises e falas em congressos e seminários, inclusive, fora do país, sob a situação da população negra brasileira, mas são absolutamente incapazes, incompetentes mesmo, para se posicionarem no debate político presente. E não é porque não saibam o que realmente se passa: tem estudos, tem títulos acadêmicos, gordos currículos e estudaram razoavelmente a realidade brasileira. Não o fazem para não desagradar a banda a quem servem.
Não há inocentes nesta história. Cinismo é a palavra mais apropriada.
* Dojival Vieira é advogado, jornalista e editor da Afropress. Sugestões, criticas ou elogios: dojivalvieira@hotmail.com ou pelo site www.afropress.com
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