* Murilo Valle – A ética resumidamente pode ser caracterizada pelo conjunto de valores e princípios que norteiam a conduta humana propiciando equilíbrio e bom funcionamento da sociedade, contudo, é um termo notadamente desconhecido por muitos. A adversidade nas relações sociais, nos diferentes âmbitos, por muitas vezes, traz à tona características terríveis das pessoas que produzem comportamentos imorais e antiéticos, geralmente com a desculpa de que era necessário para resolver um problema, não obstante, é importante reiterar que os fins não justificam os meios.
A sociedade precisa de injeção de ética. Os frequentes escândalos mostram potenciais situações de “falta de integridade” de pessoas que ocupam cargos públicos. A integridade é a manifestação que indica que o que fazemos é realmente o que somos, ou seja, caráter. Nesse sentido, é notável que caráter não pode ser adquirido ou obtido, mas sim, uma qualidade que tem lastro na família e precisa ser cultivada ao longo do tempo. O excesso de confiança, não temer a lei e até mesmo negligenciar a consciência, torna o indivíduo insensível às relações sociais e passível de aviltar a honestidade em prol de objetivos egoístas.
Neste mês no Brasil experimentamos uma questão dicotômica. Paira no imaginário coletivo de parte dos trabalhadores brasileiros dois blocos de sensações: uma positiva com relação aos benefícios do anunciado crescimento econômico do Brasil, que oferecerá mais empregos e, por consequência, aumento de consumo e, por outro lado, um sentimento negativo calcado na indignação frente as diárias evidências de mal uso do dinheiro, oriundo dos altos impostos que pagam, nas teias da endêmica corrupção brasileira, em detrimento da necessárias utilização em programas de infraestrutura.
Assusta ainda determinadas medidas em caminho que levam o Brasil a um retrocesso. As discussões relacionadas às novas regras para o licenciamento ambiental brasileiro, pontuadas pela PEC 65, por exemplo, de forma indubitável, fornecem indícios de que as decisões não estão desatreladas de interesses pontuais que atendem diminuta parcela da sociedade brasileira em detrimento de um desenvolvimento sustentável efetivo para a nação. Reduzir áreas de proteção permanente e comprometer pequenos produtores e a agricultura orgânica para beneficiar de forma direta a produção em larga escala para atender os interesses do mercado globalizado, permitir a implantação indústrias somente com a justificativa que irá gerar trabalho e renda, em detrimento das questões ambientais, é uma questão de ética que muitos não querem enxergar.
Estas condições também estão explícitas no plano “uma ponte para o futuro”, firmado pelo PMDB, partido do presidente interino da república….”promover a racionalização dos procedimentos burocráticos e assegurar ampla segurança jurídica para a criação de empresas e para a realização de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais que podem ser efetivos sem ser necessariamente complexos e demorados”… (pag 19 item k). Traduzindo: descaracterização do processo de licenciamento ambiental; desconsideração dos aspectos sociais, culturais, étnicos… diretamente atingidos por empreendimentos; o EIA (estudo de impacto ambiental) irá perder o papel que possui de nortear as autorizações para obras e empreendimento e transformar-se-á em uma peça superficial; a questão jurídica vai dar peso ao interesse econômico em detrimento dos interesses ambientais, sociais, culturais e históricos; as cavernas, hoje empecilho para algumas empresas, serão facilmente destruídas em favor da necessidade do capitalismo selvagem ante ao uso dos recursos minerais.
Eliminar etapas dos processos de licença ambiental com o subterfúgio que são peças burocráticas é pedir para o Brasil retroceder, pelo menos, uns 50 anos na história ambiental. Vamos voltar às décadas de 1960 e 1970 em que o Brasil serviu de arcabouço para a injeção de medidas e tecnologias inadequadas que suscitaram nos latentes e nocivos passivos ambientais que conhecemos no presente. Esse é o futuro, mais empresas a qualquer custo, menos qualidade de vida! mais poluição, menor biodiversidade! retrocesso. O caso de Mariana nos mostrou o resultado de negligência. E, ainda, na contramão, coloca em risco uma cadeia profissional que envolvem engenheiros ambientais, biólogos, geólogos, químicos, geógrafos, sociólogos, dentre muitos outros profissionais, cujo direcionamento de formação foi alicerçado para o crescimento e desenvolvimento sustentável.
As questões ambientais precisam compor os valores da sociedade e não servir como subterfúgio para os interesses de poucos. Enquanto a educação não for a base de sustentação, viveremos nos campos da hipocrisia. Isso é uma questão de ética.
* Professor Murilo Valle é Doutor e Mestre em Geologia pela IGc (Universidade de São Paulo) e coordenador do Curso de Engenharia Ambiental – FAENG (Fundação Santo André). Contato com o colunista pelo e-mail murilovalle@hotmail.com
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