Microplástico suspenso no ar pode favorecer a disseminação da COVID-19, sugere estudo

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  • Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Existe uma correlação entre a quantidade de microplástico presente no ar e do vírus causador da COVID-19. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) coletaram amostras de ar nos arredores do Hospital das Clínicas (HC) no início deste ano e observaram que os filtros com mais quantidade de microplástico também apresentavam uma carga maior de partículas genômicas de SARS-CoV-2. Os resultados do estudo, publicado na revista Environmental Pollution, sugerem que o vírus pode se ligar ao microplástico suspenso no ar, o que facilitaria sua entrada no corpo humano.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores dispuseram filtros para captar a poluição do ar em três locais próximos ao maior hospital da América Latina (ambiente externo). Ao analisar as amostras, quantificaram as partículas de RNA viral e de poluição suspensas no ar.

“Sabemos que o plástico é um carreador de patógenos e isso não é diferente no caso do SARS-CoV-2. Esse material particulado em suspensão atrai ou é atraído pelo vírus e eles podem permanecer ‘grudados’. Nosso estudo não demonstrou molecularmente essa aproximação, mas provamos que existe uma correlação matemática: onde tinha mais microplástico, tinha mais vírus”, disse Thais Mauad , professora do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina (FM-USP) e coordenadora da investigação.

O estudo foi desenvolvido durante o pós-doutorado de Luís Fernando Amato-Lourenço e recebeu financiamento da FAPESP por meio de dois projetos (19/03397-5 e 19/02898-0).

Como explicam os pesquisadores, o microplástico é gerado durante o longo processo de decomposição do plástico, que pode durar mais de cem anos. Ao longo do tempo, micropartículas se desprendem de cortinas, móveis ou qualquer outro objeto feito de plástico. Por serem muito pequenas, elas ficam em suspensão no ar, onde podem se juntar a outras micropartículas (de poluição e patógenos, por exemplo), podendo ser inaladas.

Em trabalhos anteriores, o grupo já havia demonstrado que é na superfície plástica que os vírus duram mais tempo: 72 horas, no caso do SARS-CoV-2. “O patógeno causador da COVID-19 é altamente transmissível. Nosso estudo sugere que partículas virais podem se ligar ao microplástico suspenso no ar, fazendo com que permaneça mais tempo viável e, por consequência, tenha mais chance de entrar no corpo humano”, explica Mauad.

O material particulado encontrado no ar foi analisado em microscópio de fluorescência. A composição polimérica (diferentes tipos de plástico) foi caracterizada por microespectroscopia de infravermelho. E a carga viral foi quantificada por teste de PCR em tempo real – o mesmo usado no diagnóstico da COVID-19.

Houve resultado positivo para SARS-CoV-2 em 22 das 38 amostras coletadas (57,8%) nos três locais próximos ao Hospital das Clínicas. O poliéster foi o polímero mais frequente, presente em 80% dos casos.

Onipresente

O grupo coordenado por Mauad também já havia demonstrado que, na capital paulista, há mais microplástico em suspensão em ambientes fechados do que em locais abertos. O trabalho, publicado no periódico https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35093355/ Science of The Total Environment, foi o primeiro a investigar a quantidade, a composição química e as características morfológicas de microplásticos no ar externo e interno na megacidade de São Paulo.

Ao disponibilizar 20 coletas de ar na área externa da FM-USP (próxima à movimentada avenida Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, na zona oeste da capital) e 20 amostras retiradas de escritórios no interior do edifício, os pesquisadores constataram que havia maior concentração de microplástico no ambiente interno do que no externo. Vale ressaltar, no entanto, que todas as amostras captadas tinham a presença desse material.

Os pesquisadores também verificaram diferenças na composição das amostras retiradas nos dois ambientes: as fibras de poliéster (100% das amostras), polietileno (59%) e polipropileno (26%) foram os polímeros dominantes em ambientes internos. Já nas áreas ao ar livre as mais presentes foram fibras de poliéster (76%), polietileno (67%) e partículas de polietileno tereftalato (25%).

“Esse resultado já era esperado, pois estudos feitos em outras cidades já mostravam que existe plástico no ar e que ele é mais comum nas áreas internas. Isso acontece porque vivemos em um mundo plastificado. Há plástico dentro de casa nas embalagens, nos móveis, tapetes, cortinas e na roupa. Tudo é sintético e é nesses ambientes onde há menos ventilação”, afirma Amato-Lourenço, atualmente pesquisador da Freie Universität em Berlim (Alemanha).

Materiais plásticos são amplamente utilizados em todo o mundo. No entanto, a sua degradação em fragmentos milimétricos – os microplásticos – tornou-se uma ameaça ambiental global por contaminar o ar, o solo, os ecossistemas aquáticos e também a saúde humana.

Mauad ressalta que os estudos sobre os efeitos do microplástico no organismo ainda são incipientes, pois uma das maiores dificuldades da pesquisa está em evitar o problema de contaminação das amostras. “Ainda estamos engatinhando nesse assunto. Como tem plástico no ar e em todo o lugar, é preciso se certificar de que a amostra não está contaminada”, conta.

Plástico no pulmão

Em artigo publicado ano passado no Journal of Hazardous Materials, o grupo da FM-USP demonstrou de forma inédita que partículas de microplástico presentes no ar podem ser inaladas por humanos. Os cientistas identificaram e caracterizaram 33 partículas e quatro tipos de fibras de polímeros em 13 de 20 amostras de tecido pulmonar (leia mais em: agencia.fapesp.br/36197/).

O estudo foi feito em colaboração com o Instituto de Química da USP e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). “Conseguimos provar que existe plástico dentro do pulmão. Estamos inalando plástico. Outros grupos já haviam encontrado microplástico no sangue e na placenta. E, na natureza, tem sido observado plástico em aves marinhas, baleias e até nos locais mais profundos do oceano. O plástico está deixando de ser considerado um resíduo e começa a ser visto como um contaminante”, afirma Amato-Lourenço.

Outro ponto que precisa avançar, segundo Mauad, é a criação de índices que indiquem a partir de que nível a inalação de microplástico pode ser danosa à saúde humana.

“O microplástico tem um impacto muito grande na própria COVID-19, como vimos mais recentemente. E nós estamos inalando plástico. É claro que isso traz consequências para a biologia das células pulmonares, pois se trata de um material persistente. Ele não degrada nem na natureza, nem no organismo. Só que a gente não sabe ainda dizer exatamente qual a quantidade inalada é perigosa para a saúde, nem quais os tipos de plástico representam maior risco”, pontua a pesquisadora.

A degradação do plástico e a maneira como ele interage com outros compostos também tornam a análise toxicológica uma equação complexa. “O plástico degrada e vira um polímero secundário, que vai ter um comportamento e uma composição diferentes se está no solo, no ar, na água ou nos organismos. Ainda não sabemos se a quantidade encontrada representa muito ou pouco. Temos tecnologia para quantificar isso, mas ainda não sabemos o real impacto”, afirma Mauad.

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