- Paulo Niccoli Ramirez – A eleição presidencial de 2022 por motivos diversos têm se convertido num plebiscito. O primeiro fator é a quantidade de candidatos considerados relevantes que têm desistido do pleito. As prévias do PSDB em novembro de 2021 foram marcadas pela desorganização e disputas internas. João Dória sagrou-se vencedor em meio à falha do sistema e aplicativo contratados pelo partido para fornecer resultados idôneos e instantâneos. Não houve consenso nacional no interior do PSDB, conduzindo a disputas entre apoiadores de Dória e Eduardo Leite. Níveis abaixo dos 5% nas pesquisas enfraqueceram o nome Dória, levando a sua desistência à candidatura e apoio do PSDB à Simone Tebet (MDB), que parece ter herdado de Dória a pouca popularidade e baixos índices de intenção de votos entre os eleitores.
No primeiro semestre de 2022, o ex-juiz federal e algoz de Lula, Sérgio Moro (União Brasil), não decolou nas pesquisas. De aspirante a político tornou-se hoje isolado, caindo no ostracismo, na vontade de ser presidente talvez não consiga nem ser senador. Outro nome relevante que não engrenou nas pesquisas é o de Ciro Gomes (PDT). Ao buscar se tornar mais popular e próximo dos eleitores desiludidos com Bolsonaro e Lula, Ciro caiu na armadilha das redes sociais em seu canal no Youtube. Primeiro ao insistir na pauta da condenação de Lula; segundo, com o seu protagonismo no que deveria ter sido um debate, mas que se tornou um monólogo infantilizado contra o humorista Gregório Duvivier. O resultado foram índices nas pesquisas inferiores sempre a 8% ou 9%.
As fraquezas de Ciro, Dória e Moro acabaram por fortalecer os nomes já bem conhecidos do eleitorado, Lula (PT) e Bolsonaro (PL). Trata-se da primeira vez da história do Brasil em que dois presidentes disputarão uma mesma eleição. Este é o principal fator que fornece às eleições de 2022 características de um plebiscito, sobretudo quando vivenciamos um regime democrático, que desde 1988 permite eleições livres e com direito universal ao voto, incluindo analfabetos. Este elemento ao lado do fato de que dois presidentes concorrem em 2022 ao cargo Executivo evidenciam o tom de plebiscito dessa eleição.
Eleitores que se consideram conservadores ou de direita observam em Bolsonaro um defensor das pautas dos costumes, tendo como fundamentos visões ortodoxas religiosas, a defesa da pátria, o combate à corrupção e o objetivo de neutralizar o comunismo no país. No entanto, o mandato de Bolsonaro, eleito em 2018, foi marcado por sigilos de cartões corporativos, controle sobre as investigações da Polícia Federal e Procuradoria Geral da União, presidida por Augusto Aras, aumento da violência policial contra a população negra, violações dos direitos indígenas e destruição de florestas, além do aumento da miséria, da fome e da inflação. Bolsonaro atacou a legitimidade das urnas eletrônicas e o processo eleitoral; promoveu discursos antidemocráticos ao atacar o Supremo Tribunal Federal e elogiar e buscar reviver o Golpe de 1964.
Quanto aos eleitores de Lula, há a defesa de que o ex-presidente foi capaz de reduzir a fome e a desigualdade com políticas de bem-estar social. Apesar de ainda haver divergências entre a absolvição e inocência de Lula em torno das investigações de Sérgio Moro, Lula reapareceu no cenário político como liderança de consenso sobre maioria dos partidos de esquerda (PSOL, PSB e PCdoB) e mesmo entre membros do PDT, partido de Ciro. Lula tem alcançado apoio e diálogo com a centro-direita, aproximando-se de nomes importantes do PSDB, como Geraldo Alckmin (hoje PSB) e candidato a vice de Lula, entre outros partidos como o PSD de Kassab e setores do MDB de Renan Calheiros. Esta estratégia é personificada pelo discurso petista como sendo representante da defesa da democracia e de suas instituições, e do sistema eleitoral, contestados por Jair Bolsonaro.
Paulo Niccoli Ramirez é professor da ESPM, da Casa do Saber e da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Autor dos livros “Sérgio Buarque e a Dialética da Cordialidade” (EDUC, 2011) e “Ética, cidadania e sustentabilidade” (SENAC, 2021).
Nenhum comentário on "Eleição ou plebiscito?"