Um dia comum de uma brasileira em Lisboa

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* Regina Ribeiro – Hoje, 26/05/2022, faz 5 anos que deixei o Brasil – Minha Pátria Amada – e aqui cheguei para fixar residência em Portugal. Foram muitos os desafios que enfrentei. Desde a incrível e constante saudade dos amigos e parentes queridos até as diferenças do idioma, que embora seja o mesmo, mas claro, elas existem. Algumas são engraçadas para nós Brazucas, outras tradicionais da língua lusófona e que foram adaptadas na Terra da Santa Cruz, seja pela influência indígena, africana e dos demais povos europeus que para lá imigraram.

Muita gente acredita que a Língua Portuguesa seja a mesma em todos os países que a utilizam como idioma oficial e que o Acordo Ortográfico padronizou praticamente tudo.

Todavia é importante ter em mente que o português, a 5.ª língua mais falada no mundo com 280 milhões de falantes, apresenta suas particularidades dependendo do lugar em que é falado, já que, além do Brasil e de Portugal, outros países, como Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Timor Leste , São Tomé e Príncipe, Macau (China), Damão e Diu, no estado de Goa (Índia), Malaca (Malásia), em enclaves na ilha das Flores (Indonésia), Baticaloa no (Sri Lanka) e nas ilhas ABC no Caribe, também falam a língua. Até parece que na nossa Terra Tupiniquim falamos a Língua Portuguesa romantizada e aqui, a clássica. Os portugueses dizem isso… Afinal, no Brasil para dizermos que gostamos muito de alguém usamos o “Eu te amo”, enquanto cá é “Amo-te”. Eles dizem que o nosso português tem muito mais sabor de afeto.

Escrevo esta crônica para o brasileiríssimo Site Clique ABC, para homenagear este lindo país que tão bem me acolheu, bem como homengeio este povo generoso e carismático.

VAMOS AO TEXTO

O telemóvel me despertou às 6h30 da manhã. Entretanto, eu enxerguei 9h30 no ecrã e pensei: estou feita ao bife! Adormeci demais. Estou tramada! Eu deveria ir ao ginásio fazer a passadeira, mas estava com preguiça. Fui, então, banhar-me e vestir-me. Pus cuecas confortáveis e vesti um fato vulgar: uma camisola branca e uma calça de ganga escura. Calcei sabrinas porque, como é sabido, não me apetecem os tacões a me magoar os pezitos e a me fazer usar penso-rápido. Peguei o controlo, liguei a TV e um repórter estava em directo na RTP. Pus água ao lume para fazer o meu pequeno almoço, tomei meu sumo, minha chávena de café, meu sandes, lavei a loiça e deitei fora o lixo. Saí da vivenda, indo esperar o comboio para Santa Apolônia e depois o metro para o Cais do Sodré.

Gostava imenso de ter no Brasil essa segurança e esse conforto no transporte público. Fora isso, é tudo como na ex-colônia, inclusive as grandes bichas. Uma malta de putos fumava tabaco, enquanto adeptos Sportinguistas gozavam com Benfiquistas, a falarem dos golos de suas equipas e das defesas do guarda-redes. A meu lado, uma mamá contava para o seu bebé a história do Capuchinho Vermelho, um gajo estava a se fazer a uma miúda, dizendo-lhe parvoíces. Era um abiscoitado. Ela, que via uma banda desenhada, estava nas tintas para ele. Desci do comboio, depois do metro e estava um sol de lascar. Fez-me falta uma pala. Fui lá ter com uma amiga alfacinha para um meeting. Ela me apresentou uma empresária que falava de uma maneira giríssima, me explicava sobre os factores principais para empreender no país e que muitos brasileiros cá vêm para tentar uma nova vida, amiúde a reclamar da situação do Brasil. Segundo ela, não são casos excecionais. Falou sobre os défices de Portugal e as oportunidades na área da restauração.

Tínhamos a barriga a dar as horas e fomos almoçar no centro de compras. Pedi gambas e sapateira, enquanto elas se fartaram de punheta de bacalhau com grelos e fodinhas quentes. Pedimos também putinhas de vinho verde. Todas tomamos uma ginjinha no final.

Vimos montras cheias de saldo. Que fixe! Não resisti e comprei uma mala de festa supergira. De borla, ainda facturei um estojo de maquilhagem mequetrefe. Paguei com Multibanco. Por fim, entramos na Primark para comprar um fato de treino para a filha dela, uma rapariga de 12 anos. Despedimo-nos ali e eu não havia decidido como iria voltar para a minha freguesia.

Entre o metro e o autocarro, escolhi este último, pois me deixaria mais ao pé de minha vivenda. Mas a quantidade infinita de rotundas estava a me deixar nauseada. Para completar, meu telemóvel estava a descarregar e eu necessitava de uma ficha. Tive que descalçar essa bota e desci na paragem seguinte para chamar um Bolt. Eis que havia uma espécie de livraria-choperia e lá entrei. Que sítio porreiro! Pedi uma girafa e uma dose de percebes. Aquilo sabe totalmente a mar.

Entrei no Bolt, um carro mais velho que a Sé de Braga, e o condutor ofereceu-me um rebuçado. Dirigia lento demais o homem. Eu só queria que ele não demorasse tanto quanto as obras de Santa Engrácia. Nunca mais é sábado!

Cheguei à vivenda bué fatigada, já não me aguentava nas canetas e vi que o meu cão Belchior (o Beó Júnior) estava ainda a ladrar. Para ir ao sítio de passeio, busquei a trela. Ora pois, o rabo é o pior de esfolar. Este dia ainda está a ser muito longo e não vai ser pera doce. Até loguinho e Obrigadíssima!

* Regina Ribeiro é Pedagoga, andreense e moradora de Lisboa, em Portugal

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11 Comentários on "Um dia comum de uma brasileira em Lisboa"

  1. Regina Ribeiro

    Agradeço imensamente a Equipe do Clique ABC (Léo Júnior e Sra. Cida Tavares), por honrar-me com a publicação de minha crônica. Abraços fraternos a todos!

    • Dalmir Ribeiro

      Muito giro mesmo a crónica! Bem ao português de Portugal, que, de facto, distanciou-se bastante do português do Brasil. Aliás tanto, quanto a distância entre os dois países. Atrevo-me a dizer que não somos pátrias irmãs, como muita gente gosta de dizer, mas sim pátrias divorciadas. Cada uma seguiu seu rumo e rumos bem díspares. A única semelhança ficou com a língua, e mesmo assim não é 100%. Por aqui o comportamento e a cultura de forma geral não tem nada a ver com o Brasil, felizmente! O Brasil ao invés de seguir o caminho principal, preferiu o atalho e hoje, lamentavelmente, tem suas mais importantes instituições e boa parte do seu povo totalmente entregue a ignorância e a mediocridade.

      • Regina Ribeiro

        De fato ! Me lembro que há uns 50 anos éramos como os portugueses em seus modos de vida…com valores invioláveis, sentimentos fraternos, sempre preservando a essência da família e o respeito às instituições. Hoje muito se perdeu. Sofremos uma aculturação grotesca de algo que nos assusta demais, porque perdemos a nossa identidade. Obrigada por ler o meu texto.

        • Marcia Cristina Bernardi

          Regina Ribeiro (Rê) que delícia de texto. Que bela homenagem ao povo português. Que leveza na descrição de um, dos números dias vividos em Portugal. Fiz uma viagem de alma,e me senti ao seu lado como no passado recente, quando casualmente nos encontrávamos no Paço Municipal. Quantas saudades…Parabéns por esta iniciativa! Receba meu carinhoso abraço!

          • Regina Ribeiro

            Marcinha querida, te agradeço imensamente por ter lido a minha humilde crônica, bem como pelas suas considerações, afinal a opinião de uma amiga jornalista experiente é sempre muito importante e nos dignifica. Eu vez ou outra me arrisco um pouco nas letrinhas…Nem sempre publico no Facebook ou encaminho para publicação oficial. Mas confesso que gosto muito de escrever sobre tudo que observo, sejam fatos que acontecem, estórias, e até mesmo reflexões de como entendo o mundo no qual vivemos. Tenho guardadas muitas lendas portuguesas que descobri aqui, conversando com o povo e criei crônicas sobre elas. Amiga, saiba que também tenho muitas saudades de nossas prosas na Câmara de Santo André e também dos nossos “cafés” lá copinha legislativa. Você sempre foi uma ótima companhia. Tempo bom demais ! Beijos fraternos x 1.000.000.

    • Ivani

      Ok Regina gostei do seu texto me diverti tentando entender as palavras. Vc está se superando a cada dia. Entendi seu propósito de também homenagear o país que tão bem te acolheu. Que hoje tem estabilidade e segurança . Ê um povo íntegro!

      Mas refleti como realmente nos distanciamos em termos de língua e nação. E cada vez mais penso no livro “ As veias abertas da América Latina “do Eduardo Galeano. Confesso que relutei em lê-lo. Sabia que doeria na alma a conscientização de como a América Latina foi “violentamente “colonizada”.

      No Brasil , estima-se que, antes da chegada dos portugueses havia entre 600 e mil línguas sendo faladas pelos nativos indígenas. Hoje, existem um total de 154 línguas indígenas faladas aqui. O livro Línguas indígenas: tradição, universais e diversidade”, de Luciana Storto, professora do Departamento de Linguística da Faculdade de Humanas da USP, fala muito bem sobre.

      Somos, um continente em forma de nação, somos ainda um povo escravizado pelo governo dos que querem manter o povo na pobreza em todos os sentidos. Mas, eu acredito que um dia sairemos das senzalas, pela força da Educação e seremos exemplo para o mundo. Continue escrevendo e fazendo com que possamos rir, chorar ou refletir.

      Valeu à pena!

      Obs: Vou passar seu texto aos professores para usarem em aulas.

      • Regina Ribeiro

        IVANI – minha querida cunhada postiça e linda, adorei o fato de você ler a minha crônica e tecer um comentário tão bem elaborado e inteligente sabia? Igual a você, eu também li o livro “Veias Abertas da América Latina”. Li em 1982, mas foi escrito em 1.971 e logo depois foi proibido em vários países onde haviam ditaduras conservadoras, pois transformou-se num clássico da esquerda latino-americana. Por ser uma obra com viés libertário, portanto interessante, me trouxe muito conhecimento e aumentou a minha paixão pela causa socialista, na qual militei até 2005. Gostei de lê-lo mais de uma vez. Li três vezes. No entanto, em 2014, li uma entrevista com o Eduardo Galeano, acho que na Revista Exame, na qual ele disse que passados 43 anos do lançamento, ele não se arrependeu de escrevê-lo, no entanto estava convicto que nos tempos atuais ( ano de 2014), jamais o escreveria novamente, pois a leitura por milhões de pessoas ajudou e estimulou o despertar do extremo esquerdismo, não o clássico, mas sim o Bolivariano, e este infelizmente só tem trazido mais dor e miséria para muitos países da América Latina. Contudo, na minha opinião é uma obra valiosa que jamais pode faltar nas estantes domésticas e bibliotecas públicas, porque conta a história do nosso povo e nos faz entender a origem dos nossos problemas sócio-econômicos na raíz. Saudadona de ti e da sua casa minha deusa. Saudade de nossas conversas e de cantarmos juntas as músicas do Belchior…um poeta que também era apaixonado pela América Latina. Beijos fraternos a você e à nossa Natalia (minha também sobrinha-postiça). Vocês sao pessoas que amo e amarei eternamente.

  2. Marta Muterle

    Rê parabéns! Em um único texto bem estruturado, você conseguiu utilizar inúmeras palavras de Portugal com significados bem diferentes no Brasil. Confesso que boiei ao ler várias delas…rs Descobri que até o Google Tradutor não sabe que existem diferenças na Língua Portuguesa entre os vários países que a utilizam. Desejo muitas alegrias a você e a sua família aí na terrinha além-mar! Bjs

    • Regina Ribeiro

      Querida Marta, fico-lhe imensamente grata por você ter lido, bem como pelo seu comentário. Na verdade, o objetivo da crônica foi primeiramente o de prestar uma homenagem ao povo português que eu adoro. Mas também, instigar aos leitores para conhecerem um pouco sobre as diferenças dentro de um mesmo idioma. É um exercício que faço desde quando cá cheguei. Quer um exemplo? Em Portugal não se usa o verbo no gerúndio. Também não se usa o adverbio de lugar “Aqui” e sim o “Cá” . É muito interessante, mas com o passar o tempo a gente se acostuma e anexamos as palavras e expressões ao nosso cotidiano. Abraços fraternos a você. Se Deus quiser, em breve irei ao Brasil e vamos brindar muito.

  3. Querida Rê, nunca ri tanto em minha vida! Eu já conhecia muitos significados de palavras usadas em Portugal por ter um primo que residiu por uns anos. Ele presenteou o pai dele com um “Licor de Merda”, muito gostoso, por sinal! Realmente existe muita diferença entre nosso idioma.
    Um grande abraço! Recomendações à Família e ao meu amigo Dalmir!

    • Regina Ribeiro

      Meu precioso amigo Adolpho (kkkkk) Sim, eu cá conheço o tal de LIcor de Merda (kkkk), o qual graças ao seu escatológico nome, é conhecido nacional e internacionalmente. O mais estranho de todos os licores portugueses e cujo nome afugenta muita gente. Mas na realidade é delicioso! Feito a base de leite,cacau, baunilha, canela, laranja, limão e aguardente, faz um sucesso incrível na Suíça e em Luxemburgo. Ahh, e muito obrigada por ler o meu texto. Abraços fraternos a ti.

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