* Gaudêncio Torquato – Para começo de conversa, o perdão concedido pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira é um ato de natureza política que não puxará um único voto para o bornal do candidato à reeleição.
A hipótese parte do princípio de que a graça ofertada ao parlamentar tem o condão de agradar as bases bolsonaristas, setores dispersos, grupos que defendem um regime de força, algo que soasse como a expressão: “sou o chefe do Estado, sou o chefe da administração federal, sou o comandante das Forças Armadas, portanto, quem manda nessa joça sou eu”.
Sem adentrar o caminho das tecnicalidades – tarefa que cabe aos juristas – este analista enxerga no ato político a índole autoritária do presidente e de sua família. Lembre-se que o deputado Eduardo Bolsonaro, tempos atrás, já dissera que bastam um soldado e um cabo para fechar o Supremo Tribunal Federal, resposta que deu a um questionamento sobre possível ação do Exército, caso seu pai fosse impedido de assumir a presidência por alguma decisão da Corte Suprema.
O bolsonarismo oscila entre 20% a 25%, o que, convenhamos, é um índice valioso para dar competitividade a qualquer candidato, mas insuficiente para ganhar uma eleição presidencial. E não agregaria bolsões novos porque o perdão só é bem-visto pelas bases do candidato governista. O que se divisa é uma tomada de posição pelos núcleos ainda indecisos e inclinados a pender para um lado mais adiante, em agosto ou setembro.
As classes médias, como se sabe, detêm a imagem de uma pedra jogada no meio do lago: ela cria pequenas ondas que correm do centro até as margens. Até agora, mantinham-se em estado de observação, olhando para a direita, para o centro e para a esquerda, sem abrir muito o jogo. Pois bem, elas tendem a adensar sua expressão, tomando partido, o que influenciará correntes acima e abaixo da pirâmide social. Por isso, o perdão pode ser um bumerangue, a se voltar contra o próprio presidente.
A repercussão negativa do indulto individual também encherá os balões da Opinião Pública, formando um paredão de contrariedades. Juristas de todos os calibres, mesmo admitindo a prerrogativa presidencial, inserem o ato numa conduta de afronta ao Judiciário, e mais: é inconstitucional por quebrar os eixos da probidade administrativa, a imparcialidade, a conveniência, a oportunidade.
Não houve comoção social, como Bolsonaro leu em seus “considerandos”. O que se viu foi uma interlocução entre participantes da base bolsonarista elogiando a decisão. E, como seria previsível, a solicitação de parlamentares do centrão para que o presidente da Câmara, Arthur Lira, avoque a prerrogativa de anular a perda de mandato de Daniel Silveira, por ser isso função do Poder Legislativo. Significa um enfrentamento contra o STF.
O fato é que a campanha eleitoral, em curso, agora entra na fase de aquecimento, com polarização aguçada e querelas abertas. Quem pode se beneficiar? O antilulismo, a partir de São Paulo, é uma realidade. Possivelmente, Lula agregue uma cesta (pequena) de votos, particularmente dos eleitores que já não temem votar no PT. Mas as velhas teses do comandante petista ainda ecoam em ouvidos atentos: revogação da reforma trabalhista, controle dos meios de comunicação, aborto livre, revogação de teto de gastos etc.
Nesse ponto, cabe a inflexão: o meio poderá ganhar forças, com a entrada em cena de um nome palatável por todas as correntes partidárias do centro (direita/esquerda) do arco ideológico. Essa é a oportunidade para a viabilização do candidato da terceira via. A probabilidade de ocorrência da alternativa leva em conta o argumento de que o indulto de Bolsonaro a Daniel Silveira mexerá com os pilares do edifício político. Quer dizer, abrirá uma chance para a caminhada de um protagonista mais central.
Pergunta recorrente: e o STF vai se pronunciar? Claro, vai. Será acionado por membros do Parlamento. E tomará posição, convalidando sua prerrogativa de intérprete da Constituição Federal. E é isso que Bolsonaro também quer. Em outros termos, quanto mais alta a fogueira, mais próxima sua intenção de ver o circo pegar fogo. E se o incêndio for de alto grau, ele pode tirar do colete um papel convocando suas forças, e confiando que elas, as Forças Armadas, corram ao seu encontro. A trilha da insensatez foi aberta. E a fervura ambiental é o ambiente em que os insensatos, os impuros, os desleais, os radicais desejam, para arrebentar quem não concordar com seu ideário.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político Twitter@gaudtorquato Acesse o blog www.observatoriopolitico.org
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