Cia. O Grito leva a prática do teatro para a rua em Baião da Feirinha: uma farsa em construção

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Rafaela Carneiro dirige o grupo em experimento cênico que será apresentado na saída da Estação; Brás da CPTM, na Casa Restaura-me e na Feirinha da Madrugada entre 24 de março e 7 de abril.

Da Redação – Cia. O Grito leva a prática do teatro de rua para dialogar com a história do Brás e seus trabalhadores ambulantes em experimento cênico pelo bairro entre 24 de março e 7 de abril. O experimento cênico Baião da Feirinha: uma farsa em construção é a quarta atividade pública do projeto de pesquisa contemplado pela 34ª. Lei de Fomento ao Teatro, Brás: Memórias e (Des)memórias de uma São Paulo Precária. Ação leva a assinatura da atriz e diretora Rafaela Carneiro.

O grupo está em residência artística desde 2015 na Casa Restaura-me – ONG localizada no centro do bairro paulistano Brás, que atende por dia mais de 400 adultos em situação de vulnerabilidade social, onde mantém sua sede no segundo andar da instituição.

A obra resulta de uma oficina de experimentação de técnicas visando a atuação e a criação teatral para a rua e o estudo do tema “gentrificação”. Com foco no processo recente de transformação da conhecida Feirinha da Madrugada no Shopping Feira da Madrugada, o tema se desdobra sobre a repressão e empresarização do comércio de rua no Brás, o que resultaria numa “gentrificação do trabalho popular”. As intervenções reúnem 11 pessoas atuando – quatro atores do grupo e sete participantes inscritos na oficina. A dramaturgia, construída coletivamente, apresenta um prólogo formulado a partir de versos d e Tati Candeia, poeta do Campo Limpo e participante. Na sequência, cenas curtas baseadas em propostas do ator do grupo Wilson Saraiva narram o processo de gentrificação relacionado à Feirinha da Madrugada.

De forma teatralizada e com um acento na comicidade, a ação tem um viés documental ao narrar a história da Feirinha. Os cinco dias apresentam a mesma intervenção. A novidade da experiência é passar por diferentes ruas. Na Casa Restaura-me, o grupo atuará num espaço aberto anexo ao prédio da instituição. O segundo espaço é a super movimentada estação Brás da CPTM. As duas últimas apresentações acontecerem na própria Feirinha da Madrugada, o que traz ao experimento uma característica de enfrentamento estético.

“Estaremos no próprio espaço que estamos criticando”, aponta Rafaela, comentando que o Brás é um desafio para o grupo. “Não é nada comum ver teatro de rua no Brás, um bairro mais de passagem, sem essa característica.” A diretora ressalta outros aspectos contidos no experimento cênico:  “Foram várias as consequências negativas para os trabalhadores que já estavam no local, pois não conseguiram negociar suas dívidas e acabaram ficando na rua. O Shopping Feira da Madrugada, construído em cima da Feirinha da Madrugada, encontra-se praticamente sem uso, com pouquíssima ocupação”, comenta, enfatizando que a intervenção “tem poesia, música, comicidad e e cenas ligadas a expedientes do Teatro Popular e do Teatro Épico Brechtiano”.


A partir de vivências práticas e reflexivas, as oficinas compartilharam ferramentas e procedimentos de treinamento e criação pertinentes à linguagem teatral na rua e em espaços não convencionalmente teatrais. A experiência foi construída em diálogo com a temática “gentrificação” e com a criação do novo espetáculo da Companhia O Grito. Os exercícios e jogos fazem parte do repertório das experiências e práticas acumuladas por Rafaela Carneiro ao longo de 20 anos de trabalho na linguagem teatral.

A Cia O Grito foi indicada ao Grande Prêmio da Crítica da APCA de 2018, melhores do ano pelo Guia Folha e melhor iluminação pelo Prêmio São Paulo com o espetáculo O Gigante Adamastor 

Processo de pesquisa – Na mira da Gentrificação

Quando se fala em gentrificação pensamos, costumeiramente, nas pessoas que moram no bairro. Mas você já parou pra pensar se alguém mora no Brás? Essa pergunta já guiou o grupo de artistas em outros eixos dessa pesquisa. Agora, sob a ótica de que a gentrificação também atinge os ambulantes, lojistas e, claro, a população em situação de vulnerabilidade que convive na Casa Restaura-me e no Brás, a Cia O Grito lança seu olhar para essas especificidades do território. Esse tema surge das cinzas de shoppings que misteriosamente queimam na calada da madrugada que antecede inauguração de novos shoppings. Também, no processo de “revitalização” da Feirinha e de ruas pelo bairro com sonhados boulevares. “Infelizmente, presenciamos ações diárias de remoção de barracas e outros pertences pessoais daqueles moravam na rua, próximo a nossa sede. Essas ações aconteceram com maior força após a inauguração de shoppings”, diz Wilson Saraiva.

Prédios são construídos e derrubados a todo instante pelas ruas do Brás, as lojas estão em constante mudança. O bairro tem uma dinâmica toda voltada para a comercialização de vestuários que se inicia na madrugada e se encerra no início da tarde mobilizando continente de consumidores de diversas regiões do país. “Esse potencial de mercado foi criado, em grande maioria, pelas mãos de ambulantes e pequenos lojistas que se instalaram há algumas décadas no Brás. Quando as grandes corporações e o poder público enxergam esse nicho, ele passa a ser cobiçado e disputado pela iniciativa privada acarretando em dificuldades financeiras e até impedimentos legais de perman& ecir c;ncia dos ambulantes e pequenos lojistas que já ocupavam aquele espaço”, afirma o artista.

Neste momento, a Cia. O Grito busca abordar a gentrificação enquanto um processo de transformações socioculturais engendradas em um determinado território que ocasionam mudanças nos serviços ofertados, nas arquiteturas e na infraestrutura, visando a hipervalorização da terra e consequente aumento do custo de vida. Desse processo, decorre a expulsão de populações que tradicionalmente ocupam o território e que agora não podem mais pagar aluguel ou mesmo ir ao mercado do bairro [decorrente das altas dos valores dos serviços] e a apropriação desse espaço por uma população com maior poder aquisitivo.

* Gentrificação: Em sua definição primeira, o termo refere-se a processos de mudança das paisagens urbanas, aos usos e significados de zonas antigas e/ou populares das cidades que apresentam sinais de degradação física, passando a atrair moradores de rendas mais elevadas. Sobre o caso da Feirinha da Madrugada, o teórico Felipe Rangel aponta o que seria uma “gentrificação do trabaho popular”.

Ficha Técnica – Direção: Rafaela Carneiro. Elenco: Diane Boda, Fulvio Bicudo, Igor Yabuta, João Veras de Carvalho, Junia Magi, Letícia Moreira, Mauricio Caetano, Renato Mendes, Samira Pissinato, Tati Candeia, Wilson Saraiva. Figurino: Karine Lopes. Cenário: Caio Marinho. Direção de Produção: Palipalan. Produção Executiva: Aline Guimarães. Assessoria de imprensa: Arte Plural.

Experimento cênico – BAIÃO DA FEIRINHA: uma farsa em construção:

Dia 24/03, 10h30 – Casa Restaura-me – Rua Monsenhor Andrade, 746, Brás. 30 min.

Dias 30 e 31/03, 10h30 – Estação Brás da CPTM – Praça Agente Cícero, s/n – Brás, 30 min.

Dias 06 e 07/04, 10h30 – Feirinha da Madrugada– Rua Monsenhor Andrade, 987, 30 min.

* Em caso de chuva até uma hora antes do espetáculo, o local da apresentação será a Casa Restaura-me.

“Este projeto foi realizado com o apoio do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo – Secretaria Municipal de Cultura”

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