Reformar constantemente a legislação trabalhista é a saída?

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* Ricardo Pereira de Freitas Guimarães – Há uma década, a Espanha realizou uma profunda reforma trabalhista na sua legislação laboral, que em tese acabou por precarizar na visão de muitos a forma de prestação de serviços ceifando direitos e garantias dos trabalhadores. Por aqui, a Lei 13.467 de 2017 que também implementou uma profunda reforma na relação empregado versus empregador, em certa medida sofreu as mesmas críticas.

Em terras espanholas, houve no início desse ano de 2022, através de medida normativa própria identificada como Real Decreto Lei, a retirada das medidas de alteração da dita reforma trabalhista de 2012, tendo em vista a nova posição política dos que dirigem aqueles país. Há quem diga que a depender das próximas eleições presidenciais que se avizinham, talvez o mesmo caminho seja seguido pelo Brasil com a retirada das alterações constantes na reforma trabalhista de 2017.

Pois bem, importante destacar logo de início, que a presente narrativa não possui ideal de defesa ou crítica a edição ou retirada de quaisquer das reformas acima citadas, e sim, apenas, e com severa dificuldade, lançar algumas e pequenas luzes do cenário mundial que se aproxima para reflexão daqueles com os quais pretendemos dividir o pensamento, pois ao que parece, necessário se faz ter uma visão um pouco mais abrangente da realidade, para que posteriormente, seja possível tomar eventual decisão sobre o rumo, e aqui no caso, o destino de nada menos que a grande parte da população que se encontra em ocupações de trabalho pífias ou mesmo sem qualquer ocupação.

O mundo ao longo de sua história passou por severas crises oriundas de regimes adotados e tidos como seguros, sejam eles de ideais ditos de esquerda, de direita, até acomodar-se na maioria dos países o regime liberal, que prega a liberdade, paz e suposta igualdade, mas que de igual forma aos outros regimes, sofreu e sofre muitas críticas desde o século XIX. Na década de 1990, através das ideias da liberal democracia unida ao livre mercado, diretos humanos e bem-estar social, era a único caminho aparentemente a ser seguido.

Há, contudo, algumas questões de fundo que precisam ser pensadas com exponencial cautela, pois os tempos parecem ser outros, sobretudo quando tratamos de uma revolução do trabalho que não é mais em sentido estrito industrial, em que facilmente possível seria acomodar trabalhadores sem grandes qualificações em outras ocupações.

Nos dias atuais, a inteligência artificial, algoritmos e a robótica realmente são capazes – como nunca se viu na história – de aniquilar por completo atividades e funções desenvolvidas por trabalhadores da camada mais humilde laboral, bem como exigir qualificação absolutamente diferenciada para a continuidade no mercado de trabalho para os mais qualificados.

Pior, não estamos falando de espaços temporais longos para a reinvenção de ocupações e funções, falamos de severa e contínua alteração ocasionada pela inteligência artificial fazendo com que o trabalhador talvez necessite se especializar ao longo da vida em inúmeras profissões diversas, quando e se possível. Some-se a isso, que a tecnologia e a inteligência artificial serão capazes, se já não o são, de através de leituras de processos bioquímicos do corpo humano, identificar até mesmo as emoções sentidas por todos ao ouvir uma música, ao ver uma imagem, possibilitando a direção do consumo até mesmo de forma individualizada através dos algoritmos.

Essa realidade será capaz de apresentar ao mundo do trabalho – e porque não ao mundo – uma questão de difícil superação, que diz respeito a substituição da exploração do humano pela própria irrelevância do humano enquanto Ser capaz de produzir com seu trabalho. Aqui, aparentemente, reside o problema do futuro muito, muito próximo… Se hoje, de forma exemplificativa, há preocupação com eventual precariedade de direitos dos motoristas da empresa Uber e outras, amanhã esses não serão mais motoristas, pois o veículo não necessitará mais de motoristas.

Há aqui uma questão relevante, pois se grande parte da sociedade não terá realmente uma ocupação em razão da tecnologia, dos algoritmos e da inteligência artificial, essa mesma grande parte não terá como consumir o que foi produzido, simplesmente por não ter possibilidade econômica pela ausência do trabalho. Então, de um lado teremos empresas com tecnologia de ponta, contudo, sem que exista uma massa que efetivamente possa consumir essa produção. Aqui o nó está feito!

Alguns autores, entre eles Yuval Noah Harari, indicam a necessidade do nascimento de uma sociedade pós-trabalho, através de uma economia pensada pós-trabalho e um regime político pensado pós-trabalho. Isso significa dizer que ou toda atividade, como cuidar dos filhos, cuidar dos pais e afins, devem ser integradas à sociedade como uma forma de trabalho e remunerada seja pelas grandes empresas, seja pelo Estado, ou que essas empresas vendam para os Estados e esses entreguem em forma de saúde, educação, alimentação para essa massa de pessoas incluídas nessa suposta nova forma de sociedade pós-trabalho.

Importante dizer que aqui estamos tratando do mundo globalizado, e não dos antigos Estados-Nação que por um tempo acreditavam que poderiam competir isoladamente no mercado. Essa realidade não existe mais. As grandes questões que ainda se vinculam a isso são: Os países pobres terão possibilidade de assegurar uma forma de manutenção da mínima dignidade de seu povo com o cenário aqui transcrito? Os países ricos darão subsídios suficientes para manutenção desses países pobres?

Aparentemente, pelo contexto, apenas a criação de uma limitação legislativa no cenário mundial que permita a recomposição das possibilidades de trabalho com a cadência da implementação da tecnologia na espécie garantindo postos de trabalho, ou a fotografia histórica estará pronta desde os dias atuais, e não é das melhores.

Reformar pontualmente ao sabor de ideologias de quem está no governo, momentaneamente, seja ela qual for, sem perceber o contexto mundial, é empurrar o sentido do trabalho para o abismo e impedir a continuidade do desenvolvimento do humano por qualquer viés.

Citando recente película da moda, é necessário que o mundo olhe para cima!

* Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é advogado especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da especialização da PUC-SP (COGEAE) e dos programas de mestrado e doutorado da FADISD-SP

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