Deputada denuncia manobras em plenários para impedir votação de políticas LGBTs

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Projeto de lei da deputada Márcia Lia entrou na pauta sete vezes, mas não entrou em votação por falta de quórum; nas Câmara municipais, PLs também enfrentam resistência

Da Redação – Os parlamentares das bancadas conservadoras, tanto na Assembleia Legislativa quanto nas Câmaras Municipais do Estado de São Paulo, têm travado uma luta contra a aprovação de projetos de lei e outras ações que envolvem políticas para a comunidade LGBTQIA+ e debates de gênero. Os deputados e vereadores de direita e extrema direita e até mesmo de partidos do centro não se privam de manobras para impedir que os projetos, requerimentos e moções tramitem nas casas legislativas.

É o que tem ocorrido com o projeto de lei 574/2016, de autoria da deputada Márcia Lia, que determina o reconhecimento dos casais homoafetivos como uma unidade familiar no atendimento dos serviços e programas do Governo do Estado. 

O PL tramitou pelas comissões permanentes de Constituição, Justiça e Redação e de Direitos Humanos com pareceres favoráveis e ficou pronto para a ordem do dia no final de 2019. Por questões estratégicas, que incluíam a votação de outros projetos com a mesma temática, o PL 574/2016 só foi colocado em votação este ano, na sessão extraordinária do dia 05 de agosto. Desde então, o PL entrou em mais sete sessões e não foi a votação em nenhuma delas porque os demais deputados não confirmaram presença e assim não houve quórum suficiente para abrir votação. 

“Não ter quórum uma vez, duas vezes, pode ocorrer. Mas sete vezes não é normal! Está evidente para nós que os deputados não querem votar este projeto. Alguns, inclusive, para não se comprometerem com seus eleitores ou partidos votando não, estão optando por se ausentar e assim não ter que expor a rejeição ao tema”, avalia a deputada Márcia Lia.

“Não vamos desistir. O projeto de lei é de extrema importância para os casais homoafetivos, para que eles e seus filhos sejam atendidos enquanto unidade familiar nas escolas, no posto de saúde, na assistência social, nos programas de habitação do Estado, por exemplo, garantindo os direitos federativos decorrentes da união civil entre pessoas do mesmo sexo”, reforça a deputada.

Na mesma semana em que o PL 574/2016 entrou na ordem do dia, mas não foi votado por falta de quórum, um outro projeto de lei da deputada Márcia Lia relacionado à temática LGBTQIA+ ganhou destaque na Assembleia Legislativa. 

O PL 468/2021, que institui o Dia Estadual do Orgulho LGBTQIA+ em São Paulo, em acordo com a data internacional, recebeu parecer favorável do relator deputado Emidio de Souza, na Comissão de Constituição, Justiça e Redação. No entanto, ao invés de ser encaminhado para tramitação nas Comissões de Direitos Humanos e de Finanças, Orçamento e Planejamento, recebeu na sequência três pedidos de vista – primeiro do deputado Wellington Moura (Republicanos), depois do deputado Carlos Cezar (PSB) e, por fim, do deputado Frederico D’Ávila (PSL), o que fez que com o projeto de lei ficasse parado na CCJR durante todo o mês de setembro. 

“O preconceito e a intolerância estão postos. Eles estão se utilizando de todas as manobras possíveis para impedir que os projetos andem e sejam aprovados, mas nós vamos enfrentar todas estas dificuldades e fazer valer nossa proposta, que nada mais é do que garantir os direitos das minorias, garantir o reconhecimento da igualdade na diversidade, já reconhecidos inclusive pelo Supremo Tribunal Federal”, fala a deputada Márcia Lia. 

NAS CÂMARAS MUNICIPAIS

Da mesma forma que ocorre com a deputada Márcia Lia na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, as vereadoras petistas também têm enfrentado a resistência das bancadas conservadoras nas Câmaras Municipais.

Em Araraquara, o projeto de lei 170/2021 de autoria da transvereadora Filipa Brunelli, que contempla as famílias homoafetivas nos programas habitacionais municipais, foi rejeitado pela Câmara. A proposta do PL é assegurar o reconhecimento da legitimidade das unidades familiares LGBTs nas políticas públicas habitacionais populares do município, também como forma de proteção àqueles e àquelas que vivem a marginalização social e exclusão familiar em decorrência da orientação sexual. Estima-se que de 20% a 30% da população mundial em situação de rua seja LGBTQIA+.

“A derrota do nosso PL 170/2021, que reafirma o acesso dos núcleos familiares e das pessoas LGBTQIA+ nos programas habitacionais no município de Araraquara, foi apenas mais um reflexo da LGBTfobia institucional que orienta e fundamenta a nossa sociedade. Entende-se por violência institucional LGBTfóbica toda forma de prejudicar ou dificultar o acesso das pessoas LGBTQIA+ aos mecanismos de justiça, às políticas públicas e à cidadania”, fala a vereadora Filipa Brunelli.

No dia da votação, Filipa ressalta, houve muitas falas no sentido de relativizar as problemáticas que afetam a população LGBTQIA+ e diminuir a gravidade da natureza das violências expostas pela vereadora. “São atitudes como essas que impedem o acesso dessa população à cidadania. A violência institucional LGBTfóbica se dá não apenas quando agentes e instituições públicas têm uma postura inadequada, mas também na omissão do Estado. É papel do Estado reconhecer e garantir a plena cidadania das pessoas LGBTQIA+ no Brasil”, reforça. 

Em Jaboticabal, a vereadora Professora Paula Farias foi alvo de fake news depois de apresentar o projeto de lei 60/2021, que institui a Semana da Diversidade LGBTQIA+ em consonância com o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ e tem a proposta de promover encontros, seminários e atividades artísticas e culturais para estimular o respeito à diversidade e o combate ao preconceito. 

A partir de um post com informação falsa, disseminou-se a versão de que a vereadora estava propondo um projeto que ensinava sobre sexo para crianças de 4 a 6 anos nas escolas da cidade. Vereadores e deputados da direita se aproveitaram da situação e estão se posicionando contra a vereadora e espalhando a mesma notícia mentirosa. 

Na cidade de São Carlos, o primeiro projeto apresentado pelo mandato da vereadora Raquel Auxiliadora foi o da criação da Frente Parlamentar dos Direitos das Mulheres e teve o texto original modificado para ir à votação porque o primeiro parágrafo dos objetivos dizia que as ações deveriam considerar as dimensões de classe, etnia e raça, gênero, geracional e de orientação sexual diversa. “Uma Frente de Defesa da Mulher tem que levar em consideração a diversidade das mulheres que temos no nosso país. Pois bem, as palavras ‘liberdade e orientação sexual e identidade de gênero’ foram retiradas. A bancada conservadora retirou essas palavras para votar o projeto. Ouvimos coisas absurdas como ‘se as lésbicas quiserem direitos, que façam um projeto separado e deixem as nossas mulheres’, com se lésbicas não fossem mulheres”, explica a vereadora Raquel Auxiliadora. 

A vereadora Isabelly Carvalho, de Limeira, também carrega a bandeira da pauta LGBTQIA+ e tem três projetos importantes em tramitação na Câmara. O PL 132/2021 dispõe sobre a obrigatoriedade de afixação de cartaz em órgãos públicos e privados de Limeira com os informes da Lei 10.948/2001, que proíbe e pune atos de discriminação em virtude de orientação sexual e identidade de gênero.

Já o PL 161/2021 quer fazer um levantamento de dados de violência contra a comunidade LGBT, determinando o registro e a divulgação semestral dos índices de violência contra a população LGBTQIA+ na cidade. 

A vereadora também quer garantir o tratamento humanizado à população LGBTQIA+ na estrutura do serviço de saúde local e, por meio do PL 162/21, dispõe sobre a inclusão de perguntas sobre a sexualidade e transgeneridade no atendimento realizado nos serviços de saúde em Limeira.

São projetos que podem levantar polêmicas e vão exigir mobilização da comunidade para pressionar os vereadores e garantir sua aprovação, mas como eles ainda não foram pautados para o plenário, ainda não enfrentaram a resistência, o preconceito e desinformação da oposição raivosa e desumana. 

“As recusas destes projetos estão para além da falta de entendimento ou sensibilidade. Elas são propositais e corroboram a ótica de exclusão de pessoas LGBTs da comunidade do direito e cidadania. As recusas também são uma resposta às suas campanhas que, desde sempre, aproveitam-se da desinformação e preconceito da população, utilizando e negativando vivências LGBTs para a conquista de votos. Dessa forma, através dessas recusas, o Brasil ocupa o primeiro lugar em mortes de LGBTs no mundo”, fala a vereadora.  

ESVAZIAMENTO 

Em Piracicaba, a vereadora Rai de Almeida tem sofrido com o mesmo tipo de esvaziamento dos debates por conta da postura dos conservadores. Ela relata que esse comportamento é usual em todas as instâncias da relação parlamentar: quando tem pauta dela no plenário os vereadores contrários deixam a sala e quando ela vai à tribuna no pequeno expediente eles usam o recurso “questão de ordem” para esgotar o tempo de fala e não permitir que ela se manifeste. “Quando eu sou a primeira a falar, eu uso os meus 10 minutos completos. Além disso, não tenho mais dado aparte para qualquer pessoa. Eu acreditava que ceder a fala poderia enriquecer o debate, poderia trazer novas informações sobre o tema, mas muitos pedem a fala para bater em mim. Então, não eu continuo minha fala sem interromper meu raciocínio”, explica a vereadora. 

Dentre os projetos de Rai de Almeida que sofreram com a ação proposital da direita no objetivo de minar os projetos petista está a proposta de criação da renda cidadã municipal, que recebeu parecer contrário na comissão de Constituição e Justiça. 

Outra ação da vereadora que sofreu recusa foi uma moção de repúdio ao projeto de lei estadual 504/2021, de autoria da deputada Marta Costa, que ataca e fere os direitos da comunidade LGBTQIA+ ao tentar impedir propagandas e publicidades de tratar da diversidade sexual.

No início do mandato, a vereadora apresentou requerimento para a realização de uma audiência pública para tratar de políticas públicas para mulheres em diversos setores. No texto, havia a palavra “transversal” porque o debate incluía saúde, educação, assistência social, moradia, etc, mas o termo virou polêmica e foi preciso trocá-lo por “multidisciplinaridade”.  Também foi preciso trocar “políticas de gênero” por “políticas para mulheres negras” para aprovar a realização da audiência.

“Veja que eu não apresentei nenhum projeto específico para a comunidade LGBTQIA+. Mas tem duas condições que incomodam muito essa bancada conservadora: ser mulher e ser do PT. Vamos avançando nas nossas pautas e enfrentando este debate, mas os ataques são frontais e constantes. Eles tentam a criminalização dos nossos movimentos e, eu sou uma liderança e apareço muito na imprensa, eles usam de todas as armas para nos tirar”, avalia a vereadora Rai de Almeida.

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