A lenda e a verdade sobre Isabel, a Rainha Santa de Portugal

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* Regina Ribeiro – Quem pensa que empoderamento feminino é não raspar os pelos debaixo do braço, defecar em público ou mostrar as partes íntimas à Imprensa em dia de manifestação, é porque não conhece esta velha história lusitana, a qual transformei em mais uma crônica sobre nossa linda terra-mãe, cá no Além-Mar.

Eu era criança e como em todos os lares católicos, na minha casa em Utinga – Santo André, haviam muitos quadros de santos. Toda tarde as 18 hs, ouvíamos a “Hora da Ave-Maria do Pedro Geraldo Costa na Rádio Nacional, colocávamos um copo com água sobre o velho rádio da marca Vozzo e esperávamos pelas bênçãos do Padre Donizetti. Íamos à missa aos domingos e no dia de São Pedro, rezávamos o terço, pois também era o aniversário do meu saudoso pai: Seu Zé Ferreira.

O pároco local – O Padre Nilton da Igreja de São Camilo de Lellis na Camilópolis – era nosso amigo e frequentava a casa. Era um homem bom. Nos levava a benção , dava santinhos de papel como presente e recolhia nossas doações aos mais necessitados. As famílias tinham suas devoções e os pequenos acabavam por absorver essa crença. A exemplo disso, me orgulho em chamar Regina Aparecida, pois minha saudosa mãe, era devota fervorosa de Maria , cuja imagem foi encontrada por pescadores num rio do Vale do Paraíba e por isso se chama Nossa Senhora Aparecida.

Eu sabia a história dos santos, gostava de ouví-las : São Francisco de Assis, Santa Maria Goretti, Nossa Senhora de Fátima … Mas por ser criança e gostar de contos de rainhas e princesas, a história que mais me chamava a atenção era a de Santa Isabel que a minha avozinha, Dona Maria Sobreiro, me contava. Cresci achando lindo quando falavam do “Milagre das Rosas”. No entanto, foi morando aqui em Portugal, a partir de 2017, que pude conhecer detalhes sobre a vida de Isabel.

Mãos à obra, vou tentar lhes contar o que aprendi.

Aragão era um reino poderoso e rival de Castela, o gigante que acaba de se unir a Leão. Isabel, a filha mais velha do rei aragonês, exibia desde cedo uma personalidade rara. Era bela, inteligente, devota, caridosa – e, por isso, naturalmente cobiçada por várias cortes europeias para uma aliança de casamento. Isabel tinha outros sonhos, que não passavam por ocupar um trono nem exercer o poder. Queria ser freira. Mas, por ser mulher e princesa, os deveres reais vinham a frente e ela foi obrigada a cumprir as ordens do pai. Interesses políticos acabaram por ditar a sua união, aos 12 anos de idade, com D. Dinis, o brilhante e ambicioso rei de Portugal, no ano de 1282.

O jovem soberano português sabia que, para pôr em prática os seus grandes planos de desenvolvimento do reino, devia manter- se afastado das guerras que se espalhavam pela Península Ibérica. Mas nem a paz perdurou, nem Isabel se tornou uma jovem submissa e alheia aos problemas políticos e sociais. Pelo contrário. Revelou-se firme na defesa dos pobres, dos doentes e dos excluídos, em nome dos quais moveu montanhas, desafiou convenções e se entregou aos maiores sacrifícios. E nos conflitos que abalaram o reinado de D. Dinis, opondo pais e filhos ou lançando a discórdia entre irmãos, mostrou-se corajosa e decidida, capaz de desafiar a autoridade do próprio marido e de influenciar o curso dos acontecimentos com a sua sensibilidade, poder de antevisão e amor à paz.

Ainda com 18 anos, D. Isabel resolveu as diferenças entre D. Dinis e o irmão Afonso Sanches. O mesmo aconteceu em Torrellas, entre o seu irmão Jaime II, de Aragão e o genro Fernando IV, rei de Leão e Castela.

Como não bastasse, a rainha D. Isabel convence Fernando IV a aprovar o tratado de Alcanizes. Um acordo que definia de vez os limites territoriais de Portugal e do reino de Leão e Castela.

O tempo passa e poder é poder e por ele se briga e se odeia. Isabel não gostava disso. O marido D. Dinis e o filho D. Afonso (futuro rei Afonso IV) andavam de costas voltadas. D. Dinis temia que D. Afonso o quisesse tirar do trono; já D. Afonso receava que o pai quisesse deixar o trono ao seu meio irmão Afonso Sanches. A Rainha Santa de tudo fez para impedir uma tragédia. E conseguiu promover a paz entre pai e filho.

Apesar do respeito que ela gozava na Corte Portuguesa, por ser pacificadora de conflitos, as suas intenções nem sempre foram interpretadas da melhor maneira pelo esposo, D. Dinis. Ela refundou o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha de Coimbra. Em tempos de crises agrícolas, vendeu suas jóias para comprar alimentos de forma a abastecer os celeiros do Mosteiro Santa Clara e oferecer regularmente comida aos mais necessitados; fazia grandes doações  a hospitais (como por exemplo aos de Santarém e Torres Vedras),criou um albergue em Alenquer, para pobres e doentes; ajudou várias pessoas vítimas do terremoto de Lisboa em 1334.

Mas como se deu o misterioso “Milagres das Rosas”, que a tornou eternamente famosa ?

Bom, diziam as más línguas que o tal D. Dinis não aprovava o “modus operandi” de sua rainha. Achava que ela saia demais de casa e gastava muito. Coisas de soberano machista. Ainda não existiam cartões de crédito, tão pouco redes sociais para fazer fofoca, mas nobres e plebeus falavam muito, enquanto as jóias da coroa sumiam.  Como o povo da nobreza, não tinha o que fazer e era por demais fofoqueiro , para acabar com o falatório, o Rei ordenou sumariamente à esposa que não mais fizesse obras assistenciais, sob pena de ser julgada como traidora do reino, caso insistisse em continuar.

Affffe !!! … Ela obedeceu ??? Claro que não ! Mas disfarçava bem. Sempre dava um nó e continuava a alimentar os pobres, que eram muitos. Reza a lenda que, um dia, a Rainha levava pães escondidos sob a roupa para distribuir aos mais necessitados, mas pelo caminho foi surpreendida por D. Dinis e sua escolta real, que lhe perguntou o que trazia. D. Isabel, amedrontada por ser pega na desobediência real, mas firme em suas convicções e fé cristã, disse que eram flores, D. Dinis não acreditou e ordenou que ela lhe mostrasse o manto. Sem saída, ela suspirou e abriu a veste e dali, aos olhos de todos, em pleno inverno europeu, surgiram… rosas.

Verdade ou não, essa história é contada há séculos em Portugal e mais ainda em Coimbra, onde os fatos aconteceram.

A rainha Isabel faleceu a 4 de julho de 1336 e por sua vontade expressa,foi sepultada no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha em Coimbra.

Em 1612, procedeu-se à primeira abertura do túmulo. Entre várias testemunhas deste feito, estiveram o médico Doutor Antonio Sebastião (cirurgião-mor), Gonçalo Dias (Reitor da Universidade de Coimbra), D. Afonso Castelo Branco (bispo de Coimbra) e freiras.

Os resultados foram surpreendentes. O caixão estava ainda forrado de pele de boi, foram encontrados vários objetos da rainha (como o bordão). Quanto ao estado de conservação do corpo de D. Isabel, estava incrivelmente em boas condições, praticamente intacto e não existia qualquer odor.

E como naquele tempo, o médico legista Badan Palhares, ainda não existia para dar diagnósticos técnicos em cadáveres exumados , em 15 de abril de 1616, o Papa Leão X beatificou a rainha santa. Em 1625, o papa Urbano VIII canonizou-a.

Em 1852, a rainha D. Maria esteve no Mosteiro de Santa Clara e ordenou que fossem trocadas as mortalhas da Rainha Santa Isabel. Quando se abriu o túmulo, constatou-se que o corpo da Rainha Santa continuava em perfeito estado e dele exalava um incrível aroma de rosas.

Santa? Eu acredito que sim, mas isso é algo pessoal. Contudo, o importante é ressaltar que historicamente Isabel de Aragão foi uma mulher muito a frente do seu tempo. Empoderada. Respeitada. Venerada até hoje. Nunca se limitou a ser um bibelô da corte. Foi à luta. Fez a diferença com nobreza de alma e sem precisar de propaganda vulgar. Uma rainha, como todas as rainhas, quiçá, primeiras-damas, deveriam ser.

* Regina Ribeiro é Psicopedagoga, brasileira, andreense e moradora de Lisboa – Portugal desde maio de 2017

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5 Comentários on "A lenda e a verdade sobre Isabel, a Rainha Santa de Portugal"

  1. Regina Ribeiro

    Léo, muito obrigada por mais uma vez publicar a minha crônica no seu Site Clique ABC. Fiquei muito contente. Você sempre foi um grande jornalista e é também uma excelente pessoa. Submeter-me humildemente ao seu crivo e ser aprovada muito me honra. Valeu Mestre Léo!

  2. Dalmir Ribeiro

    Fantástica a história da rainha santa Isabel! Muito bem descrito num texto leve, recheado de informações e gostoso de ler! Mostra que fazer a diferença e se impor frente ao seu tempo, seja homem ou mulher, basta iniciativa, coragem e espírito generoso! E mais lança luz sobre o quão bizarro e insano são as pautas dos movimentos feministas de hoje, totalmente capitaneados e desorientados pela ideologia de esquerda.

    • Regina Ribeiro

      Dalmir Ribeiro, muito obrigada pela sua preciosa leitura e comentário neste espaço público. Quanto aos tais “movimentos feministas” da atualidade brasileira, concordo que se tornaram bizarros e meramente convenientes, pois mulheres estão sendo humilhadas e até violentadas no Afeganistão pelos Talibãs, e o dito movimento ” “Mexeu com uma, mexeu com todas” sequer se manifesta no Brasil.

  3. Leila Marques

    Regina só tenho que agradecer, esse texto rico em detalhes da história de Santa Isabel!
    Santa sim e que exemplo de mulher.

    • Regina Ribeiro

      Querida Leila, você sempre tão gentil. Sempre tão atenciosa. Muito obrigada por ter me concedido a honra de sua leitura. Fico contente que tenha gostado. Beijos fraternos.

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