As marcas deixadas pela pandemia no lado afetivo das crianças

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* Sueli Bravi Conte – Muito já foi discutido a respeito das consequências da pandemia para a saúde, para a economia, para o turismo, no cenário político e em tantas outras áreas. Também já foi amplamente debatido o impacto do home office para a saúde mental dos profissionais e, consequentemente, das famílias. Porém, não foram tão volumosos os diálogos sobre como ficam as crianças e os adolescentes com tudo o que vem acontecendo.

Como educadora e psicopedagoga, preciso registrar que a pandemia pode deixar algumas marcas importantes especialmente nas crianças menores. Refiro-me às que estão na primeira infância. Reflita comigo. É nos primeiros anos de vida da criança, que alguns dos principais laços afetivos são estabelecidos. Além dos pais e dos irmãos, a criança começa a criar vínculos com tios, avós, primos, vizinhos e amigos. O mesmo acontece a partir do momento em que ela começa a frequentar a escola. Naturalmente, a criança se afeiçoa à professora e a toda a equipe que trabalha diariamente no ambiente escolar, caso das coordenadoras, das auxiliares de sala e da limpeza, da equipe de transporte escolar, recepcionistas, inspetores, etc.

Agora, imagine que algumas crianças, especialmente aquelas que iriam iniciar a vida escolar em 2020/2021, ou mesmo as que a iniciaram em 2019, de repente foram impedidas de ter todo esse convívio externo. Isso significa que elas foram privadas de desenvolver esses laços afetivos, tão importantes para a formação. É triste, mas as crianças menores não sabem o que é dar um abraço em quem não é da sua família, por exemplo. E, para elas, isso é algo “normal”, uma vez que não faz parte dos hábitos aprendidos no ambiente externo. Aquelas um pouquinho maiores, que tiveram a oportunidade de ter alguns anos de convívio escolar antes da pandemia, agora têm medo de se aproximar, estranham. Entre os pequenos, isso é notório e significa que os abraços serão, agora, ainda mais valorizados pelos adultos que os receberem.

Recordo que durante as reuniões online para o planejamento de retorno às atividades presenciais, ficamos bastante receosos de como seria controlar as crianças para que o distanciamento pudesse ser obedecido. Ao contrário do imaginado, os pequenos estão sempre se lembrando que é importante manter a distância, não compartilhar o lanche com o colega, lavar as mãos, usar a máscara e o álcool em gel para ‘não pegar o coronavírus’. Ao passo em que os maiores, especialmente os adolescentes, acabam esquecendo muito mais facilmente desses novos costumes.

É inegável que o lado afetivo de uma parcela das crianças ficará com marcas deixadas pela pandemia. Para algumas, será mais confortável estar sempre um pouquinho mais distante fisicamente do outro. Para outros, a ideia de precisar se isolar causará medo e trará lembranças dos momentos que vivemos nesses últimos meses. Infelizmente, também teremos crianças que crescerão sem algum ente querido. Algumas, ao menos sinal de um resfriado, acenderão um sinal de alerta para o que realmente é aquilo que estão sentindo. E, felizmente, haverá aquelas que logo se esquecerão de tudo o que aconteceu e seguirão o curso da vida, assim como deve ser.

Meu desejo é de que os pais e responsáveis pela formação dessa nova geração, incluindo a escola, tentem resgatar essa afetividade nas crianças assim que possível. Ela ficou momentaneamente ‘congelada’, mas as crianças têm um potencial de absorção e aprendizado do que é bom tão grande, que acredito que isso logo poderá ser recuperado.

  • * Sueli Bravi Conte é educadora, psicopedagoga, mestre em Neurociência, mantenedora e diretora do Colégio Renovação, instituição de ensino com mais de 35 anos de atividades e que atua da Educação Infantil ao Ensino Médio
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