* Dom Pedro Carlos Cipollini – Comemorou-se o dia do amigo em vinte de julho. Hoje o individualismo predomina, o isolamento é imposto pela pandemia, por isso, é bom falar da amizade. Os sábios da antiguidade clássica greco-latina assim definiam a amizade: “é uma alma habitando dois corpos”. De fato, amigo é aquele com o qual você pode ser sincero, pois te conhece a fundo, como você é e, não obstante, te quer bem.
Toda vez que cultivamos a amizade, trazemos à tona um toque divino nas nossas relações humanas. Isso é um equilíbrio para a vida e paz para o coração. Amizade madura e verdadeira brota do profundo sentimento da alma. É dom de Deus a ser acolhido e não escolhido, porque a amizade, simplesmente acontece, não é programada.
A amizade verdadeira dá equilíbrio a vida. Assim escreveu o cardeal José Tolentino Mendonça: “Um amigo, por definição, é alguém que caminha a nosso lado, mesmo se separado por milhares de quilômetros ou por dezenas de anos. Um amigo reúne estas condições que parecem paradoxais: ele é ao mesmo tempo a pessoa a quem podemos contar tudo e é aquela junto de quem podemos estar longamente em silêncio, sem sentir por isso qualquer constrangimento. Temos certamente amigos dos dois tipos. Com alguns, a nossa amizade cimenta-se na capacidade de fazer circular o relato da vida, a partilha das pequenas histórias, a nomeação verbal do lume que nos alumia. Com outros, a amizade é fundamentalmente uma grande disponibilidade para a escuta, como se aquilo que dizemos fosse sempre apenas a ponta visível de um maravilhoso mundo interior e escondido, que não serão as palavras a expressar”.
Na vida cristã é possível ver o quanto Jesus deu importância a amizade. “Chamou os apóstolos de amigos, pois revelou-lhes seus segredos” (Jo 15,15). De fato, diz o conhecido romancista italiano A. Manzoni: “Uma das maiores consolações desta vida é a amizade, e uma das maiores consolações da amizade é ter alguém a quem confiar um segredo”. Jesus chorou sobre o túmulo de seu amigo Lázaro, cultivou boas conversas e encontros que suscitaram vida nova, aos amigos e amigas. Na última ceia, seu discípulo João, quando viu Jesus angustiado pela traição de Judas, outro amigo, reclinou a cabeça em seu peito, num gesto que, naquela cultura, demonstrava profunda amizade: “Então o discípulo se inclinou sobre o peito de Jesus e perguntou: de quem estás falando?” (Jo 13,25).
Jesus nos ensinou que o olhar de Deus não é o da aparência, mas Deus conhece o homem por dentro. Esse é o olhar da verdadeira amizade, quando reconhece a grandeza do amigo por dentro, a grandeza da alma. Por isso, a Sagrada Escritura diz que quem encontrou um amigo encontrou um tesouro (cf. Ec 6,14).
Hoje há muita competitividade entre as pessoas, insegurança e desconfiança mútuas. Predomina o narcisismo, parece quase impossível brotar uma amizade. Acolhê-la mais ainda. E cultivá-la muito mais. Isto porque a amizade é sair de si, exigência, compromisso e oblação. Porém vale a pena: “Amigo fiel é poderosa proteção: quem o encontrou, encontrou um tesouro. Ao amigo fiel não há nada que se compare, pois nada equivale ao bem que ele é. Os que temem o Senhor vão encontrá-lo. Quem teme o Senhor orienta bem sua amizade: como ele é, tal será seu amigo” (Sr 6,14-17).
O Papa Francisco trouxe na sua encíclica social chamada “Fratelli tutti”, a proposta que “fraternidade e amizade social” são os caminhos para construir um mundo melhor, mais justo e pacífico, com o compromisso de todos: pessoas e instituições. O individualismo não nos torna mais livres, ele ensina. E escreveu: “O amor que se estende para além das fronteiras está na base daquilo que chamamos ‘amizade social’ em cada cidade ou em cada país. Se for genuína, esta amizade social dentro duma sociedade é condição para possibilitar uma verdadeira abertura universal” (FT 99), pois “a vida não é tempo que passa, mas tempo de encontro”(FT 66).
* Dom Pedro Carlos Cipollini é Bispo da Diocese de Santo André
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